Acórdão nº 8136/19.8T9LSB-A.L1-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Agosto de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LATAS (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução02 de Agosto de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça I Relatório A.

A Senhora Juíza Desembargadora AA, a exercer funções no Tribunal da Relação ... (... Secção ...) vem, ao abrigo do disposto no artigo 43.°, n.°s 1 e 4, do Código de Processo Penal, apresentar pedido de escusa com os fundamentos seguintes: 1. O processo n.° 8136/19.8T9LSB-A.L1, «… foi distribuído no Tribunal da Relação, vindo do Juízo de Instrução Criminal ..., no dia 26 de Junho e concluso pela primeira vez à requerente no dia 3 de Julho de 2023.

  1. Em virtude de a última sessão antes de férias judiciais ser no dia 13 de Julho e terem sido conclusos à requerente três recursos urgentes, nos dias 7/07 e 10/07, para irem a essa sessão do dia 13 (procesos 55/23.0..., 54/22.9... e 15/22.8...) e de a mesma ser ainda relatora num acórdão complexo cuja publicação estava prevista para o mesmo dia 13 de julho, não pôde a requerente debruçar-se sobre o processo em referência, que não é um recurso em processo com natureza urgente.

  2. Ao debruçar-se agora sobre o processo em causa para fazer o respectivo projeto de acórdão e o levar à 1ª sessão após ferias judiciais, a requerente constatou existir motivo para apresentar pedido de escusa, razão pela qual só agora, e não na data em que o processo foi concluso, vem apresentar esse pedido de escusa, lamentando o facto de o lazer em plenas férias judiciais.

  3. Está em causa um recurso do Ministério Público de um despacho do Sr. Juiz de instrução que indeferiu a realização de buscas domiciliárias a vários suspeitos, ainda não constituídos arguidos, um dos quais BB que era, ao tempo dos factos sob investigação, Vice-Presidente do Governo ..., então do partido ..., a quem incumbia a tutela do Grupo ....

  4. A requerente não conhece pessoalmente nenhum dos suspeitos relativamente aos quais é pedida a realização de buscas domiciliárias, nem sente nenhum tipo de impedimento ou constrangimento para propor um projeto de decisão quanto à questão colocada no recurso, de forma isenta c imparcial.

  5. Acontece, porém, que, um dos suspeitos - BB – é actualmente deputado na Assembleia Legislativa pelo Grupo Parlamentar ..., eleito pelo círculo eleitoral ..., e colega de bancada do ... da requerente, que é também deputado eleito pelo mesmo partido, pelo circulo eleitoral de ..., e ambos convivem e se relacionam no âmbito dos trabalhos político-partidários.

  6. Aquando da publicação do acórdão do tribunal da Relação ..., de 01.12.2015, no processo 3405/08.5..., relatado pela signatária, que absolveu a arguida CC, que foi Ministra da ... de um governo do partido ..., foram feitas referências na imprensa ao facto de a ora requerente "ter sido sancionada pelo CSM por ler andado a fazer campanha ao lado do … ..." c afirmado ser a mesma "uma juíza ligada ao Partido ...", colocando dessa forma em causa a idoneidade e imparcialidade da ora requerente, na forma como a mesma relatou essa decisão (cf. recortes de notícias juntos).

  7. Essas mesmas notícias foram divulgadas na televisão e aí objecto de comentários.

  8. A requerente não é, nem nunca foi, militante de qualquer partido, apesar de o seu … e de um dos seus … serem ambos militantes do Partido ..., e está, como sempre esteve, de consciência tranquila e bem ciente dos seus deveres estatutários, nunca tendo participado de qualquer campanha partidária ao lado do seu … ou qualquer outra, como então esclareceu junto do Conselho Superior da Magistratura.

  9. A requerente sempre procurou desempenhar as suas funções de forma isenta e imparcial, completamente indiferente à ideologia política dos sujeitos e dos intervenientes processuais.

  10. Porem, através daquelas notícias veículou-se na imprensa, perante a comunidade, a ideia de que a requerente decidiu de forma não isenta e não imparcial devidos às suas ligações familiares com o partido ..., o que na altura constituiu uma forte humilhação para a requerente, que apenas foi a relatora de uma decisão colectiva do Tribunal da Relação, que não teve qualquer voto de vencido nem declaração de voto por parte dos demais juízes desembargadores que nela intervieram.

  11. A imparcialidade do juiz, imanente ao acto de julgar c pressuposto de uma decisão justa, é essencial à confiança pública na administração da justiça e é "um direito fundamental dos destinatários das decisões judiciais, um dos elementos integrantes e de densificação da garantia do processo equitativo, com a dignidade de direito fundamental" (artigo 6.°, §1, da CKDII e artigo 14.°, n.° 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos).

  12. Nos...

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