Acórdão nº 107/23.6YRGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução26 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.06.2023, nos termos do qual foi decidido deferir a execução de um mandado de detenção europeu (MDE) contra si emitido a 24.04.2023 pelo Procurador Europeu Delegado da Procuradoria Europeia em ..., Alemanha, no âmbito do processo 501 Js 1/21, inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com o n.º DEP .....0001.

  1. Apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões: “DECISÃO RECORRIDA 1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 30.06.2023, que decidiu deferir o pedido de entrega da Requerida, aqui Recorrente, à entidade emissora do Mandado de Detenção Europeu, o Estado Alemão, com a referência ER VIII Gs 730/23, datado de 5.04.2023, do tipo Ordem de Prisão Preventiva.

    FUNDAMENTOS DE RECURSO 2. O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu entregar a cidadã portuguesa às autoridades alemãs no pressuposto – errado – de que fá-lo-ia apenas para ser sujeita a procedimento criminal quando, na verdade, se a decisão não for revertida por V. Exas., a Requerida, aqui Recorrente, será enviada para a Alemanha para ficar em prisão preventiva – sem prazo limite.

  2. O Tribunal a quo invocou (em erro) que “em ponto algum deste MDE se diz que lhe vai ser aplicada a medida de prisão preventiva ou que o mesmo visa submetê-la a prisão preventiva”, sendo certo que resulta, expressamente, do MDE (página 3) que a entrega da cidadã portuguesa às Autoridades alemãs tem como objetivo a aplicação de medida de prisão preventiva na Alemanha. NÃO – é apenas a indicação do mandado art. 3 1.c Lei 65/2003 4. O presente recurso assenta, sem suma, nos seguintes fundamentos: (i) erro da Decisão recorrida quanto à não verificação de motivo de não execução facultativa do MDE, em particular o previsto na alínea i) do n.º 1, do artigo 12.º, pelo facto da infração, segundo a lei portuguesa, a ter sido cometida (no que não se concede) foi cometida, no todo ou em parte, em território nacional; e (ii) erro da Decisão recorrida quanto à não alegação de argumentos que justificam a opção pela recusa de execução do MDE – e que foram oportunamente invocados em sede de oposição à execução – nomeadamente o facto de o mandado de detenção que fundamenta o MDE visar a sujeição da Requerida a prisão preventiva na Alemanha, onde não existe prazo máximo de prisão preventiva.

    ENQUADRAMENTO PROCESSUAL 5. Na oposição à execução do MDE, requereu a Requerida, aqui Recorrente, como meios de prova, (i) o ofício às autoridades maltesas para confirmarem o facto de a Requerida não ser sócia, nem gerente das sociedades BL...Ltd e a BJ ..., Ltd com sede em Malta, como erradamente consta do MDE; (ii) a junção de 7 documentos e (iii) a inquirição de 5 testemunhas.

  3. Apenas a junção dos documentos foi deferida pelo Tribunal a quo.

  4. Na oposição, foi ainda requerida a formulação de pedidos de esclarecimento ao Estado de emissão por serem as informações disponibilizadas no MDE manifestamente insuficientes para que se pudesse decidir acerca da entrega da Requerida.

  5. Os pedidos de esclarecimento que o Tribunal a quo decidiu formular foram, por um lado, insuficientes, e por outro lado, foram colocadas questões que deviam ter sido respondidas ao abrigo da lei portuguesa – nomeadamente a questão de saber se a infração, a ter sido cometida pela Requerida tê-lo-ia sido no todo ou em parte em território português.

    DA VERIFICAÇÃO DE MOTIVO DE NÃO EXECUÇÃO FACULTATIVA DO MDE 9. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, e conforme invocado na oposição apresentada pela Requerida, verifica-se, no presente caso, motivo de recusa facultativa previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea h), subalínea i) da Lei 65/2003, 10. nos termos do qual “[a] execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando” “[o] mandado de detenção europeu tiver por objeto infração que” “[s]egundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses” (realce e sublinhado nossos).

  6. Decidiu o Tribunal a quo questionar as Autoridades alemãs sobre “se algum dos ilícitos indiciados à arguida se pode ter como parcial ou totalmente praticado em Portugal” (cfr. ofício de 24.05.2023 do Tribunal da Relação de Guimarães).

  7. Contudo, a causa de resulta facultativa invocada pela Requerida tem que ver com o local da prática do crime “segundo a lei portuguesa”, conforme expressamente decorre da Lei 65/2003, artigo 12.º, n.º 1, alínea h), subalínea i).

  8. Para verificação de tal fundamento de recusa, não cabe às autoridades alemãs responder à questão de saber se o ilícito indiciado se pode ter como parcial ou totalmente praticado em Portugal. A resposta deve ser encontrada na lei portuguesa.

  9. Diferente seria perguntar às autoridades alemãs onde é que os factos indiciariamente imputados à Requerida foram praticados; a partir de onde é que a Requerida indiciariamente atuou; onde é que se produziu o resultado de tal suposta atuação.

  10. E a verdade é que, na sequência de pedido de esclarecimentos adicionais, o Procurador Europeu Delegado acabou por vir a admitir, quanto ao local do suposto crime, que “só podem ser delimitadas com maior precisão as localidades onde [a Requerida] atuou através da análise dos dados que lhe foram apreendidos” (realce e sublinhado nosso) (cfr. resposta das autoridades alemãs de 14.06.2023).

  11. Ou seja, o próprio Estado de Emissão não apurou o local da prática dos factos indiciados à Requerida.

  12. Segundo a lei portuguesa, prevê o artigo 7.º do Código Penal (“CP”), com a epígrafe “Lugar da prática do facto”, que “[o] facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”.

  13. A Requerida é cidadã portuguesa, vive e trabalha em Portugal, aqui tendo o seu núcleo familiar e aqui se tendo estabelecido com laivos de permanência e estabilidade, na medida em que sempre residiu em Portugal (conforme demonstram os documentos juntos com a oposição apresentada pela Requerida).

  14. Se alguma infração praticou (no que não concede e apenas admite para efeitos de raciocínio), fê-lo em Portugal, país de onde nunca saiu a não ser, pontualmente, para curtos períodos de férias (e nunca para a Alemanha).

  15. Os factos imputados à Requerida, a terem sido pela mesma praticados – no que não se concede – foram-no em Portugal e desde Portugal, porquanto, conforme supra se demonstrou, a Arguida esteve permanentemente no território nacional, incluindo no período em referência – “de meados e 2019” em diante.

  16. A Requerida é nacional portuguesa; a Requerida reside em Portugal desde sempre e sem interrupções; a Requerida tem a sua vida pessoal, familiar e laboral estabilizada em Portugal; os factos, a serem imputados à Requerida, não podem deixar de considerar-se cometidos em território português; tais factos têm alegado substrato em funções exercidas pela Arguida no seio de uma sociedade portuguesa (tudo conforme amplamente demonstrado com a documentação junta à oposição), 22. razões pelas quais, não será sequer possível assacar à Requerida quaisquer factos que tenham sido cometidos fora de Portugal.

  17. Nem a Requerida, nem as sociedades onde é sócia gerente, que são sociedades portuguesas, poderiam ter apresentado “declarações de IVA falsas” ou omitido a “apresentação de declarações de IVA devidas aos respectivos serviços fiscais alemães”.

  18. Com base na informação adicional prestada aos autos pelo Estado Emissor não é possível imputar à Requerida a prática de crimes de fraude fiscal que se reportam a entidades alemãs (às quais não tem nem nunca teve qualquer ligação), através da apresentação de declarações de IVA falsas ou da omissão de apresentação de declarações de IVA devidas aos serviços fiscais alemães, nas localidades alemãs identificadas.

  19. Pela natureza das coisas, apenas contribuintes alemães poderão evadir IVA alemão.

  20. E tanto assim é que – recorde-se – não foi possível ao Estado emissor delimitar, com maior ou menor precisão, “as localidades onde atuou” a Requerida, referindo o próprio Estado emissor (no ofício de 14.06.2023), que tais localidades só poderão vir a ser delimitadas “através da análise dos dados que lhe foram apreendidas”.

  21. Não restam, pois, dúvidas de que, segundo a lei portuguesa, a alegada infração praticada pela Requerida, foi cometida no todo em território nacional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea h), subalínea i), daLei n.º65/2003, conjugado com o artigo 7.º, n.º 1, do CP, o que consubstancia uma causa de recusa facultativa de execução do MDE.

    DA VERIFICAÇÃO DE FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A OPÇÃO PELA RECUSA DE EXECUÇÃO DO MDE 28. Ao contrário do que considerou o Tribunal a quo na sua decisão, a Requerida, na sua oposição, não se limitou a invocar o motivo de recusa facultativa do MDE, tendo igualmente invocado e demonstrado as razões pelas quais entendia dever ser exercida tal faculdade de recusa.

  22. É precisamente num caso como o vertente – em que a Requerida não tem qualquer ligação ao país de emissão, estando antes estabelecida de forma permanente em Portugal e não sendo sequer possível equacionar a prática da infração que lhe vem imputada fora de território nacional – que se impõe o uso deste mecanismo de proteção previsto na lei em prol da nacional portuguesa.

  23. Recorde-se que na base do MDE está um Mandado das Autoridades Alemãs para sujeitar a cidadã portuguesa a prisão preventiva na Alemanha (cfr. secção b) do MDE), país onde não se aplicam prazos de duração máxima da prisão preventiva (conforme reconhecido pelo próprio em sede de pedidos de esclarecimento, como vimos acima).

  24. Conforme pode ler-se...

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