Acórdão nº 495/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 495/2023

Processo n.º 388/23

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), da decisão singular proferida por aquele Tribunal que, em 13 de março de 2023, não admitiu o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto.

2. No processo a quo, o aqui reclamante interpôs recursos para o STJ dos despachos do Tribunal Relação do Porto (TRP), de 2 de dezembro de 2022 e de 7 de dezembro de 2022. Por despacho de 17 de janeiro de 2023, os mesmos não foram conhecidos. Inconformado, o recorrente apresentou reclamação. Por despacho de 10 de fevereiro, o TRP determinou a remessa dos autos para aquele Tribunal para apreciação da reclamação então apresentada, subsidiariamente, ao abrigo do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Por despacho de 23 de fevereiro de 2023, o STJ indeferiu a aludida reclamação.

Inconformado, o recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, por meio de dois requerimentos separados.

No primeiro, de 8 de março de 2023, argumentou, em síntese, o seguinte (fls. 52, verso – 53, verso):

«1. É a final da decisão monocrática sub judicio declarado que «indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido», mas manda a verdade se diga que são duas as reclamações, duma só pensada, é facto, indeferidas:

i) uma primeira, aliás, dupla, impugnativa «da l.a Decisão integrante do acto processual datado de 17-1-2003», apresentando «dois pedidos reclamatórios alternativos», deduzida em 3-2-2023; e,

com a mesma data,

ii) uma segunda, impugnativa «da 2 a Decisão integrante do acto processual datado de 17-1-2003» onde peticionado é que seja o Despacho ali reclamado «superiormente revogado pelo Supremo Tribunal ad quem».

2. É do segmento do decisum ora recorrido atinente a essa segunda reclamação, e só dessa pronúncia, que se trata na presente via de impugnação.

II. Da reclamação indeferida: alegação relevante

3. Do requerimento de interposição da reclamação em pauta consta, ipsis verbis, a seguinte argumentação:

«B(3). O Acórdão [do Tribunal da Relação] recorrido pronuncia-se, em primeira instância, sobre, principalmente, a questão da alegada obrigatoriedade do reenvio pré-judicial em pendência, avançando logo o entendimento de «não se impor o reenvio» requerido» (ênfase nesta transcrição).

C. No Despacho reclamado, decide-se liminarmente que «[e]stá excluída a aplicação da alínea a) do n.º 1 do art. 432.º do C. P. Penal, invocada pelo recorrente, dado que o acórdão recorrido não é uma decisão da relação proferida em l.a instância» (sic).

D. Visto o que antecede, forçoso será concluir, se bem se julga, que o Despacho reclamado aplica a invocada norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP no sentido, inequívoco, de que a pronúncia da Relação sobre questão aí julgada pela vez primeira nos autos «não é uma decisão proferida em l.a instância», dessarte dando curso a uma interpretação normativa — essa, com esse exacto teor, da norma indicada inconstitucional, por violação dos princípios jusfunda- mentais da legalidade e do processo equitativo» (sublinhado nesta transcrição).

III. Da decisão de indeferimento: fundamentação expressa

4. Nesta parte do julgado, o aresto nesta sede recorrido pronuncia-se, única e exclusivamente, conforme aqui ab initio aclarado, quanto à reclamação incidente sobre a segunda decisão integrante do Despacho reclamado (introduzida por «(.Ref.a: 355116)», ou seja: o despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação de 7-12-2022, cujo fundamento decisório parte já do pressuposto de que «o acórdão recorrido não é uma decisão da relação proferida em 1.ª instância».

5. E, sobre tal, expende-se na Decisão sumária sob recurso a mesma tese de que «não se trata de uma decisão de 1.ª instância proferida pelo tribunal de recurso, ao invés do que alega o reclamante». Mais: «o despacho em causa não foi proferido em primeira instância; diversamente, foi proferido em instância de recurso», fazendo-se ainda notar que «na fase de recurso, necessariamente processada em tribunal superior, todas as decisões ou despachos são, evidentemente, de 2.a instância, independentemente de incidirem sobre o mérito da causa ou apenas sobre questões atinentes à tramitação do procedimento».

IV. Conclusão: o recurso legalmente preceituado

6. Visto o que antecede, forçoso será concluir, certamente, que o Supremo Tribunal a quo aplica nesta sua Decisão sumária a norma da alínea a) do artigo 432.º do CPP no sentido de que «a pronúncia da Relação sobre questão aí julgada pela vez primeira nos autos — quer incida sobre o mérito da causa, quer incida sobre questão inédita — não é uma decisão proferida em l.a instância, é uma decisão «de 2.a instância».

7. Vale o que antecede por afirmar, portanto, que esse aresto aplica a norma legal sindicada segundo a dimensão hermenêutica pré-arguida de materialmente inconstitucional pelo aqui ex novo Recorrente, na sua reclamação contra, justamente, o decisum da Relação em que a questão foi, pela primeira vez, suscitada: o despacho de não admissão do recurso penal em pendência.»

No segundo, de 9 de março de 2023, afirmou, essencialmente (fls. 56, verso - 58):

«1. É a final da decisão monocrática sub judicio declarado que «indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido», mas manda a verdade se diga que são duas as reclamações, duma só pensada, é facto, indeferidas:

i) uma primeira, aliás, dupla, impugnativa «da l.a Decisão integrante do acto processual datado de 17-1-2003», apresentando «dois pedidos reclamatórios alternativos», deduzida em 3-2-2023; e,

com a mesma data,

ii) uma segunda, impugnativa «da 2.a Decisão integrante do acto processual datado de 17-1-2003», onde peticionado é que seja o Despacho ali reclamado «superiormente revogado pelo Supremo Tribunal ad quem».

2. O segmento do decisum ora recorrido atinente a essa segunda reclamação foi já objecto de competente recurso de inconstitucionalidade, expedido no dia de ontem.

3. É do segmento do decisum ora recorrido atinente à primeira reclamação, e só dessa pronúncia, portanto, que se trata na presente via de impugnação.

II. O iter processual relevante

4. Do requerimento de interposição da reclamação em pauta consta, a título de "Fundamentação da presente reclamação", esta argumentação epilogativa:

«9. Portanto, a questão que muito concretamente se coloca neste processado é a de saber se um arguido do foro penal — que, qua tale, detém o direito legal de aceder a todos os elementos do processo através da plataforma informática geral do Ministério da Justiça —, se for ele próprio advogado, detém ou não o direito de aceder ao mesmo processo através da plataforma Citius, também administrada por aqueles serviços ministeriais, de acesso reservado, nomeadamente, a advogados. Resulta já claro, se bem se julga, que a solução dada à questão no Tribunal da Relação a quo não encontra suporte dogmático-jurídico válido: viola, claramente, os princípios jusfundamentais da proporcionalidade, ou da justa medida, e do processo equativo.

10. Mais precisamente, afirmar-se-á que a decisão monocrática de não convolução do recurso sub judice em reclamação para a conferência com o fundamento declarado de que a tal obsta o alegado facto de a via de impugnação em causa ter na sua génese um despacho de mero expediente consuma a aplicação do inciso «despacho de mero expediente» da invocada norma do n.° 3 do artigo 652.° do CPC segundo a interpretação inconstitucional — por violação dos princípios fundamentais da proporcionalidade e do processo equitativo — de que tem essa natureza o despacho que recusa ao advogado arguido em processo penal o direito de aceder a esse seu processo através da plataforma Citius».

5. E em conclusão dessa peça reclamatória é formulada a seguinte doble petição (§ 16):

«A) Ao abrigo do artigo 652.°, n.° 3, do CPC,

deduzida é reclamação para a Conferência da subdecisão integrante do Despacho sob impugnação em que julgado é não convolar em reclamação o recurso interposto; ou,

caso, a final, tal reclamação não seja admitida,

B) Ao abrigo ao artigo 405°, n.° 1, do CPP,

deduzida é reclamação do Despacho impugnado para o Supremo Tribunal de Justiça».

6. Foi na Relação proferido então novo Despacho, datado de 10-2-2023, a mandar remeter ao STJ o apenso de reclamação, «ao abrigo do art. 405.°, n.° 1, do C. P. Penal», segundo o entendimento de que, pelo disposto nesse preceito legal, «o meio próprio de reagir contra despacho que não admitir recurso é a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso de dirige e não a reclamação para a conferência ao abrigo do art. 652.°, n.° 3, do C. P. Civil»

7. O Supremo Tribunal ad quem, na Decisão sumária, a nível presidencial, sub judicio, omite patentemente pronúncia sobre a questão-de-direito em assunto neste processado incidental: a da convolação, legalmente obrigatória, do recurso interposto na Relação em reclamação para a conferência nessa mesma instância.

8. E assim, quando, se bem se julga, deveria ter devolvido esta primeira (parte da) reclamação à procedência, em ordem a que a conferência sobre ela decidisse, habilitando então o Reclamante a interpor o competente recurso, o Supremo Tribunal a quo indeferiu tal reclamação com fundamento

em que «não há recurso para o ST] do referido despacho proferido por Desembargador relator no Tribunal da Relação».

9. Por consequência, avulta neste apenso dos autos a seguinte situação:

i) Em 17-1-2023...

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