Acórdão nº 415/22.3TNR-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2023
Magistrado Responsável | ANTÓNIO CONDESSO |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora[1] * I- Relatório O arguido AA veio recorrer do despacho judicial que rejeitou o respectivo requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal, pedindo a admissão do mesmo.
O MP respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.
Nesta Relação, o Exº PGA emitiu parecer no mesmo sentido.
*II- Fundamentação Despacho recorrido “- Da (in)admissibilidade da instrução requerida pelo arguido Carlos Relvas: O arguido AA foi acusado pela prática, em concurso real, de: a) um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 143.º e 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, ex vi do artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa de BB); b) três crimes de furto, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal (sendo ofendida a empresa L...); c) um crime de ameaça, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal (na pessoa de CC); d) um crime de dano, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal (sendo ofendida a empresa L...); e) um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal (na pessoa de DD); f) três crimes de ameaça agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º, n.º 1, todos do Código Penal (nas pessoas de EE, FF e GG); e g) três crimes de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal (nas pessoas de CC, EE e FF).
*Vem o mesmo requerer a abertura da instrução, onde a final requer a sua não pronúncia quanto: a) Ao crime de ofensa à integridade física qualificada em que é ofendido HH; b) Ao crime de ameaça em que é ofendida CC; c) Ao crime de roubo em que é ofendido DD; d) Aos crimes de ameaça agravada em que são ofendidos EE e FF; e e) Aos crimes de ofensa à integridade física simples em que são ofendidos EE e FF.
Nada é dito quanto aos demais crimes imputados ao arguido, nomeadamente aos três crimes de furto e ao crime de dano nos quais é ofendida a empresa L..., ao crime de ameaça agravada, no qual é ofendido GG, e ao crime de ofensa à integridade física simples, no qual é ofendida CC.
*Cumpre saber se este requerimento é legalmente admissível, tendo em conta as finalidades legais da instrução.
A instrução é uma fase processual facultativa que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art.º 286º, n.º 1, do CPP).
Considerando o legislador que a submissão de um cidadão a julgamento pela prática de um crime é um ato vexatório e oneroso, o legislador permite que os cidadãos possam questionar e submeter a apreciação judicial a acusação deduzida pelo MºPº tendo precisamente como fim não serem sujeitos a um julgamento público quando entendam que não há bases de facto ou de direito para tal.
Ora no caso dos autos, o arguido não pretende eximir-se ao julgamento, antes pretende limitar o julgamento apenas a alguns dos crimes que lhe são imputados.
Não é claramente esse o sentido da fase da instrução, que neste sentido mais não seria do que um “pré-julgamento” limitado a um leque de factos mais restrito e a apenas algumas questões jurídicas que seguramente teriam de ser dirimidas nessa fase.
Esta antecipação parcial da defesa do arguido, a exercer em julgamento é pois alheia às finalidades legais da instrução e mais não seria do que uma multiplicação inútil e dilatória da atividade processual.
Concordamos neste sentido com a jurisprudência do Acórdão da Relação de Coimbra de 30-06-2021 onde se conclui que: “I – A instrução deve ser requerida, quer relativamente a factos quer a questões jurídicas, com a finalidade definida no artigo 286.º, n.º 1, do CPP, qual seja, a de obtenção de uma decisão de pronúncia ou de não pronúncia.
II – Assim, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo arguido não pode extravasar o pretendido escopo de não ser submetido a julgamento.
III – O critério definidor da submissão (ou não) da causa a julgamento funda-se num juízo valorativo abrangente de todo o processo e não apenas incidente sobre fragmentos do mesmo.
IV – Deste modo, a diferente qualificação jurídica dos factos como única fundamentação da instrução só a poderá legalmente sustentar se tiver como objetivo a não pronúncia do arguido quanto a todos os crimes que lhe são imputados na acusação.
V – Dito de outro modo, se a diversa qualificação jurídica dos factos descritos na acusação não é passível de produzir aquele resultado (não pronúncia do arguido), mantendo-se a imputação de um ou mais crimes, sempre a causa terá necessariamente de ser submetida a julgamento, sendo, em consequência, a instrução legalmente inadmissível.”.
Por outras palavras uma instrução que não vise a finalidade legalmente definida para esta fase processual (no caso do arguido a sua não submissão a julgamento) é por natureza legalmente inadmissível e não deve ser admitida.
*Pelo exposto e ao abrigo do disposto no artigo 287º, n.º 3 do CPP, rejeito o requerimento de abertura de instrução do arguido AA por inadmissibilidade legal da instrução”.
*Apreciando São as seguintes as questões a apreciar: - aferir se o requerimento para abertura de instrução do arguido foi indevidamente rejeitado por inadmissibilidade legal (art. 287º., nº.3 CPP).
- prisão preventiva e inconstitucionalidade.
* Analisando o recurso, verifica-se que o arguido censura o despacho recorrido, basicamente, por entender ser ilegal a interpretação do art. 287º, nº3 CPP no sentido da inadmissibilidade da instrução se o arguido não visar a não pronúncia quanto a todos os crimes acusados (mas somente quanto a alguns) por não se evitar em tal caso a sua sujeição a julgamento, entendendo que a instrução por si reclamada é admissível, não se verificando qualquer situação de inadmissibilidade legal da instrução.
Mais defende a inconstitucionalidade de tal interpretação do art. 287º, nº3 CPP no sentido de que cabe sempre rejeição imediata do RAI apresentado pelo arguido quando no mesmo apenas veio requerer a não pronúncia relativamente a parte dos crimes imputados na acusação, uma vez que a instrução visa a não sujeição do arguido a julgamento, independentemente, de tal instrução trazer ou não um beneficio para o requerente da instrução, nomeadamente, a sua libertação imediata por alteração da MC a que se encontra sujeito, por o mesmo violar grosseiramente as garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório, constitucionalmente protegido no art. 32º, nº1 CRP.
*O artigo 286º., nº.1, do CPP indica como objectivo da instrução a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
E o art. 287º. CPP estipula o seguinte sob a epígrafe Requerimento para abertura da instrução “1. A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
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O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto...
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