Acórdão nº 300/21.6GBVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | ARMANDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.
No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ... - J..., em que é arguido AA e assistentes BB e CC, todos com os demais sinais nos autos, com data de 05.12.2022, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido.
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Não se conformando com tal despacho, as assistentes dele interpuseram recurso, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição)[1]: 1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da decisão instrutória, do despacho de não pronúncia.
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As assistentes imputam ao arguido a prática de dois crimes de ameaça, p. e. p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal e de dois crimes de ofensa à integridade física, p. e. p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
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A assistente CC é proprietária da fração ..., que pertence ao lote ... e é herdeira da fração ... que pertence ao lote ....
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O arguido é tão-só herdeiro da fração ..., que pertence ao lote ..., não é proprietário e nem vive no loteamento! (sublinhado nosso) 5. O arguido, no dia 20 de agosto de 2021, pelas 7h30m, começou a realizar obras na área comum aos lotes ... e ..., sem qualquer consentimento e autorização da assistente CC e do seu marido, por consequência, há um processo de fiscalização e contraordenação a decorrer no Município ....
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Face ao sucedido, a assistente CC, não se encontrava em casa e a sua filha BB, solicitou a presença das autoridades policiais - registo de serviço da GNR com o n.º .../21....52, auto de ocorrência n.º ...1(sublinhado nosso).
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O arguido, ainda, assim, após a presença da GNR, não se absteve de dar continuidade à execução das obras na área comum ao loteamento.
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Pelas 13h30m, a assistente CC dirigiu-se ao local, porém os portões de acesso encontravam-se vedados, pelo que, o acesso só poderia ser feito por cima do muro (muro de 1,20m que delimita o loteamento da via pública), através de uma escada de alumínio que se encontrava no interior do terreno, assim a assistente pega na escada e coloca-a no exterior do terreno, na via pública, apoiada no muro e sobe os degraus da escada, subindo para cima do muro, pelo que a assistente pega novamente na escada e coloca-a no interior do terreno, encostada ao muro e assim procede à descida dos degraus da escada, acedendo ao interior do terreno onde estava o arguido, acompanhado pelo seu sobrinho, pelo seu outro irmão e por dois trabalhadores (sublinhado nosso).
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A assistente CC, já dentro do terreno, confrontou o arguido sobre o que este pretendia fazer com as referidas obras e este, em tom agressivo e ameaçador, afirmou-lhe “põe-te no caralho se não amarro já nesta pá e dou-te com ela”, e de seguida desferiu-lhe um empurrão, pelo que a assistente CC caiu desamparada sobre um monte de brita e parte de um muro que estava a ser construído- doc. n.º ... e ....
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Face ao sucedido, a assistente BB foi em auxílio da sua mãe e o arguido aproximou-se do muro que delimita o loteamento da via pública e afirmou-lhe em tom agressivo e ameaçador “se tentas entrar aqui dentro eu parto-te toda” e em ato contínuo, agarrou na escada de alumínio, que se encontrava no interior do terreno encostada ao muro, levantou-a e acertou com a escada na face da assistente BB - doc. n.º ... e ....
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A assistente BB contactou de imediato as autoridades policiais a fim de se deslocarem ao local, cfr. o auto de ocorrência n.º ...21.
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Na sequência das agressões praticadas pelo arguido, no dia 20/08/2021, pelas 15h45m, a assistente BB e pelas 15h47m a assistente CC, deram entrada no Hospital ..., E.P.E, conforme os relatórios de episódios de urgência n.º ...03 e ...04 - Doc. n.º ...0 a ...3 (sublinhado nosso).
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Ficou provado, que o arguido, na execução das obras, estava apenas e só acompanhado pelo seu sobrinho DD, pelo seu irmão EE e por dois trabalhadores (o próprio arguido indicou tal facto no processo n.º 2685/21....).
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A testemunha DD, sobrinho do arguido, foi claramente instruída para colocar o arguido como sendo a vítima nos presentes autos, uma vez que, a testemunha nada refere sobre o arguido ter a pá das obras na sua posse e o extintor para ameaçar a assistente CC e não refere nada sobre a agressão e os ferimentos que o arguido praticou à assistente CC.
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A testemunha DD, acaba por identificar claramente o ferimento na face da assistente BB, (...) a BB ficou arranhada na zona da face e junto ao olho (...), porém, em momento algum, descreveu o ferimento do arguido, que se estranha, nem refere se o arguido foi socorrido ou se necessitou de receber cuidados médicos! 16. Os depoimentos das testemunhas DD e EE são falsos e contraditórios, uma vez que apresentam duas versões sobre os mesmos factos, uma versão no âmbito do processo n.º 300/21.... e uma outra versão no processo n.º 2685/21.....
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Ora, vejamos, a testemunha DD, declarou que “a prima segue no seu encalce, no entanto escorrega no degrau da escada. A mesma não chega a cair, mas ficou com um arranhão na zona da face junto de um olho” e o EE refere que “o FF, vem munido com um ferro e é impedido de passar, junto das escadas, pelas filhas. Estes envolvem-se fisicamente e caíram e que certamente lhes causou ferimentos vários” (sublinhado nosso).
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Está nitidamente provado que a pá das obras estava na posse do arguido e a escada de alumínio estava dentro do terreno (cfr. auto de ocorrência n.º ...21), a assistente BB não chegou a entrar no terreno, nem tocou na escada de alumínio (o próprio arguido confirma este facto em sede de inquérito a fls. 67), assim a assistente nunca poderia escorregar na escada de alumínio, uma vez que a escada estava dentro do terreno das obras, na posse do arguido e a assistente estava do outro lado do muro, na via pública.
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Contudo, o Tribunal a quo profere uma decisão obscura, pois não faz referência, nem analisa todo o acervo documental junto pelas assistentes aos presentes autos, nomeadamente, os registos fotográficos que registam as agressões das assistentes, os autos de ocorrência n.º ...1 e ...21, os episódios de urgência n.º ...03 e ...04, os exames complementares (radiogradia ao crânio e uma radiografia ao ombro e ao antebraço) e os exames médico legais que as assistentes foram sujeitas.
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Aliás, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido e inquiridas em sede de inquérito, GG, HH, CC e AA, porém estas testemunhas prestaram declarações falsas, uma vez que as mesmas não estavam no local, à data e à hora dos factos.
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Estas testemunhas sem estarem no local, no dia e à hora dos factos, declararam que o arguido foi agredido pela assistente CC “com uma pancada na nuca, com uma pá das obras”.
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Mais, se estas testemunhas GG e AA estivessem realmente presentes no dia dos factos teriam sido ouvidas no âmbito do processo n.º 2685/21.... e não o foram! 23. O Tribunal a quo formou, a sua convicção, com base no depoimento do arguido que prestou em sede de inquérito, o mesmo, negou as ameaças e as agressões às assistentes e declarou que foi agredido pela assistente CC e teve necessidade de ser assistido no hospital, pelo que apresentou um relatório médico e um TAC ao crânio que realizou pelas 23h36m.
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Sucede que, o arguido não foi agredido, nem injuriado pelas assistentes, MAIS o próprio arguido, NEM sabe a hora da alegada agressão, foi no período da manhã às 09h00 ou foi no período da tarde às 13h00??? (sublinhado nosso).
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O arguido ao longo do dia não necessitou de cuidados médicos somente às 22h24m dá entrada nas urgências do hospital, bastantes horas mais tarde da suposta ocorrência da agressão!!! (sublinhado nosso).
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Mais, o arguido apresentou queixa-crime, processo n.º 2685/21...., no dia 18/11/2021, contra as assistentes e referiu que foi agredido pela assistente CC, no dia 20 de agosto de 2021, pelas 9h00 (sublinhado nosso).
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Sucede que, no diário clínico de urgência n.º ...15 do arguido, consta que “recorre ao SU por alegada agressão por familiar (...) hoje de tarde” e o TAC ao crânio não “evidência coleções hemorrágicas recentes, intra e extra-axiais” (sublinhado nosso).
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Por outro lado, no seu relatório da perícia de avaliação do dano corporal, o arguido já refere que foi agredido pelas 13h00 (fls. 134 do processo n.º 2685/21....)! (sublinhado nosso) 29. Ademais, conforme o auto de ocorrência n.º ...21, consta na identificação do arguido que “o suspeito não apresenta lesões”!!!- doc. n.º ... (sublinhado nosso).
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A testemunha II (filha do arguido), inquirida em sede de inquérito (processo n.º 2685/21....), referiu que esteve no local às 9h10 para deixar materiais de construção ao seu pai “sem qualquer tipo de incidentes” (sublinhado nosso).
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Mais, o arguido no dia 20/08/2021, aos agentes da GNR que estiveram no local NUNCA referiu que foi agredido, nem mencionou o alegado ferimento - cfr. autos de ocorrência n.º ...1 e ...21 (sublinhado nosso).
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O arguido apresenta um registo fotográfico de um ferimento que já tinha e apoderou-se do mesmo para dizer que foi agredido, ora o ferimento até já apresenta sinais de cicatrização, sem hemorragia e já com um hematoma com uma coloração amarelada e esverdeada, que se denota que o hematoma já apresentava vários dias (cfr. processo n.º 2685/21...., fls. 30)!!! 33. O arguido conseguiu manipular e criar uma versão falsa dos factos que foi acolhida pelo Tribunal a quo, de modo a posicionar-se como vítima nos presentes autos.
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Sucede que, o Tribunal a quo proferiu a decisão de despacho de não pronúncia e referiu que “as assistentes prestaram declarações em sede de instrução, sendo que a sua versão não é corroborada por nenhuma das testemunhas inquiridas em sede de inquérito”.
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Atentos às provas produzidas em sede de inquérito e no requerimento de abertura de instrução, nomeadamente os depoimentos das testemunhas JJ a fls. 55 e FF a fls. 59 e os documentos juntos aos presentes autos corroboram as declarações das assistentes, assim...
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