Acórdão nº 02739/17.2BEBRG-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A..., S.A.”., interpôs recurso de revista do Acórdão de 8/10/2021 do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), a fls. 3678 e segs. SITAF, que concedeu provimento ao recurso interposto pela então “ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE”, atual “ENTIDADE NACIONAL PARA O SETOR ENERGÉTICO, EPE”, revogou a sentença proferida, em 27/3/2021 (cfr. fls. 2577 e segs. SITAF) pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF/Braga) – que, em processo cautelar, e antecipando o juízo da causa principal, nos termos do art. 121º do CPTA, julgara a ação totalmente procedente e anulara a decisão administrativa para pagamento da quantia de 5.702.000,00€, respeitante a compensações por alegado não cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao ano de 2016 – mantendo, assim, na ordem jurídica o ato impugnado e indeferindo requerido reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

  1. A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 4841 e segs. SITAF): «A. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que concedeu provimento ao recurso de Apelação interposto pela ré ENSE, revogou a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, mantendo na ordem jurídica o ato administrativo impugnado, e indeferiu o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, requerido pela ora recorrente.

    1. A recorrente intentou, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, uma ação administrativa com vista à impugnação de um ato administrativo praticado pela Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), anteriormente denominada “ENMC”, no âmbito do procedimento administrativo nº UB/09/2017, o qual havia determinado a imposição, à recorrente, ao pagamento de compensações no montante de € 5.702.000,00 (cinco milhões setecentos e dois mil euros) pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativamente ano de 2016.

    2. Em 29 de março de 2021, o TAF de Braga proferiu sentença, nos termos da qual a ação administrativa foi julgada totalmente procedente, anulando, consequentemente, o ato administrativo que aplicou as compensações à recorrente, com os fundamentos seguintes: .

      O ato violou a Diretiva nº 2009/28/CE; .

      O ato violou os princípios da Liberdade de Circulação de Mercadorias e da Igualdade de Tratamento ente Estados- Membros; .

      Os critérios de sustentabilidade que determinaram o ato que não foram precedidos por um procedimento de verificação, mediante seleção de entidades verificadoras através de concurso, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 117/2010, de 25 de outubro, e da Portaria nº 8/2012, de 4 de janeiro.

      .

      Atento o seu estatuto fiscal de “Destinatário Registado”, a recorrente não se enquadra na noção de “incorporador” prevista no Decreto-Lei 117/2010, pelo que não se lhe aplica o sistema de compensações e regime contraordenacional previsto em tal normativo.

      .

      O ato violou os princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da Segurança Jurídica; .

      O ato violou os princípios da Proporcionalidade, da Razoabilidade e da Justiça.

    3. A ENSE interpôs recurso de Apelação da sentença proferida nos autos, perante o Tribunal Central Administrativo Norte. A ora recorrente, então recorrida, apresentou contra-alegações e ainda um Requerimento de Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º TFUE, atenta a existência de dúvidas, nos autos, quanto à interpretação de normas de direito da União, especialmente no que respeita aos Artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, e ainda ao Artigo 34.º do TFUE, relativo à Livre Circulação de Mercadorias.

    4. Em 8 de Outubro de 2021, o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) proferiu Acórdão, nos termos do qual concedeu provimento ao recurso da ENSE e revogou a sentença do TAF de Braga, mantendo, assim, na ordem jurídica, o ato impugnado, indeferindo ainda o requerido Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, com os seguintes fundamentos: .

      Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação da Diretiva 2009/28CE, bem como dos princípios da Livre Circulação dos Produtos Provindos de Estados Membros da União Europeia e da Igualdade de Tratamento Entre Estados Membros; .

      Erro de julgamento da sentença recorrida quanto impossibilidade de aquisição de TdB por parte dos pequenos operadores; .

      Erro de julgamento da sentença recorrida por violação dos artigos 11º, n.º 1, e 13.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro.

      .

      Erro de julgamento da sentença recorrida, na interpretação dos mecanismos de cumprimento estabelecidos na portaria 8/2012, de 4 de janeiro.

      .

      Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação dos princípios da Boa-Fé, da Proteção da Confiança, das Legítimas Expectativas e da ´Segurança Jurídicas; .

      Erro de julgamento da sentença recorrida quanto à violação dos princípios da Proporcionalidade, da Razoabilidade e da Justiça; F. O Acórdão recorrido rejeitou ainda o Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, com os seguintes fundamentos: .

      Falta de pertinência das questões suscitadas pela recorrente em termos de justificarem o reenvio, porque a apreciação da legalidade do ato visado nos autos não convoca a aplicação das normas comunitárias apontadas por esta, mas apenas a interpretação do direito interno, espelhada no regime consagrado no Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, e na Portaria 8/2012, de 4 de Janeiro; .

      A resposta às questões 4) e 5) do pedido de reenvio estão no n.º 4 do artigo 18º da Diretiva 2009/28; .

      A questão 3) do pedido de reenvio parte de um pressuposto não demonstrado nos autos, mais concretamente a impossibilidade de um pequeno operador adquirir TdB, sendo que, no que concerne a esta questão, nunca nos autos foi invocada a questão da interpretação do artigo 34º TFUE; G. Verificam-se nos autos as condições de admissibilidade do presente recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, previstas no artigo 150.º, n.º 1, do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, porquanto está em causa nos autos a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se revestem de importância fundamental, sendo igualmente claro que a admissão do presente recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito. Por outro lado, emergem dos autos questões que deverão ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, enquadrando-se no mecanismo de reenvio previsto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, o que por si só, determina a admissão do presente recurso.

    5. A questão em causa nos autos consubstancia uma questão com relevância jurídica de importância fundamental, desde logo porquanto convoca a conciliação de duas ordens jurídicas – a nacional e a da União Europeia, acrescendo ainda a circunstância do próprio sistema jurídico que prevê e regula as metas de incorporação de biocombustíveis apresentar elevada complexidade, o que é ainda evidenciado pela interligação das duas referidas ordens jurídicas, e tomando ainda em consideração que, apesar dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis se encontrarem definidos na Diretiva 2009/28, a definição da forma de verificação do seu cumprimento cabe aos Estados-membros, ainda que vinculados a determinados requisitos mínimos e ao respeito pelos princípios gerais de direito da UE.

      I. As metas de incorporação de biocombustíveis visam o prosseguimento de objetivos de natureza ambiental, diretamente relacionados com o problema global das alterações climáticas, pelo que a relevância social deste tema é de importância fundamental.

    6. Verifica-se, também, uma clara necessidade do recurso para uma “melhor aplicação do direito”, decorrente da existência de vários processos intentados, não só pela ora recorrente, como também por vários outros operadores do setor dos combustíveis, os quais possuem o mesmo objeto, ou seja, a impugnação de atos administrativos praticados pela recorrida ENSE, consubstanciados na aplicação de compensações decorrentes do alegado não cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis. Tomando em consideração este contexto, a aceitação do presente recurso pelo Supremo Tribunal Administrativo reveste-se da maior importância, para garantia da melhor aplicação do direito, além da harmonização dos critérios de decisão a serem considerados pelos tribunais de instâncias inferiores.

      k. A necessidade de admissão do presente recurso decorre também das questões, existentes nos autos, que deverão ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, através do mecanismo de reenvio previsto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, atento o princípio da Cooperação Leal, espelhado no artigo 19.º, n.º 1, 2ª parágrafo, TUE, e do princípio do Efeito Útil, nos termos do qual a recusa da obrigação do reenvio prejudicial fundamentada na inadmissibilidade do recurso retiraria qualquer efeito útil a essa obrigação, constituindo, assim, um obstáculo ao objetivo de assegurar a interpretação uniforme do direito da União Europeia.

      L. Existem dúvidas nos autos quanto à interpretação de normas de direito da União Europeia, especialmente no que respeita aos Artigos 17.º e 18.º da Diretiva 2009/28, que se referem aos requisitos de sustentabilidade dos biocombustíveis e à forma de os comprovar, estando ainda em causa o Artigo 34.º do TFUE, relativo à livre circulação de mercadorias.

    7. O TCA Norte rejeitou o pedido de reenvio prejudicial, porquanto concluiu que se encontrava verificada, antes de mais, a exceção a essa necessidade, em virtude da falta de relevância das questões propostas pela recorrente, adotando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT