Acórdão nº 01840/20.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

BANCO DE PORTUGAL - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 23 de fevereiro de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto por A..., S.A. e B... SGPS, S.A.da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa, de 18 de fevereiro de 2021, e intimou o Banco de Portugal a emitir, em quinze dias, uma certidão de teor integral da decisão que terá determinado ao Banco 1... S.A., o cancelamento dos contratos de abertura de conta de depósitos à ordem e do IBAN que detinham junto desta instituição bancária, expurgadas dos factos que possam revelar a eficácia das análises e metodologias inspectivas utilizadas por este, bem assim como dos elementos relativos à vida interna do Banco 1... ou de terceiros, ou daqueles que possam prejudicar investigações criminais.

  1. Nas suas alegações, o Recorrente formulou, quanto ao mérito, as seguintes conclusões: «(...) C.

    O BANCO DE PORTUGAL não se pode conformar com a decisão recorrida porque a considera ilegal e, designadamente, suscetível de colocar em crise a eficácia das funções de supervisão e fiscalização do sistema financeiro que lhe estão cometidas.

    D.

    O documento que o tribunal a quo condenou o BANCO DE PORTUGAL a entregar à Autora contém factos que estão abrangidos por um dever legal de segredo profissional, não sendo possível facultá-lo parcialmente ou expurgá-lo de (supostas) partes não confidenciais, que inexistem no documento.

    E.

    O indicado dever de segredo é imposto ao BANCO DE PORTUGAL (i) pelo artigo 80.º, n.º 1 do RGICSF, (ii) pelo artigo 60.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal e, muito em particular, (iii) pelo artigo 105.º da Lei 83/2017, de 18 de agosto, na decorrência, aliás, do disposto no artigo 48.º, n.º 2, da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.

    F.

    A consagração do dever de segredo de supervisão radica no propósito de garantir a efetividade da supervisão do sistema financeiro, decorrente do princípio da estabilidade do sistema financeiro, missão que nos termos dos artigos 101.º e 102.º da CRP, é prosseguida pelo BANCO DE PORTUGAL (cfr., ainda, alínea c) do artigo 12.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal).

    G.

    No âmbito do exercício das funções que, nos termos da Lei n.º 83/2017, estão legalmente cometidas ao BANCO DE PORTUGAL, este Banco determinou a adoção, pelo Banco 1... S.A., de uma série de medidas corretivas, relacionadas com a matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, sendo este o ato administrativo que a Autora pretende obter certidão e que o tribunal a quo condenou o BANCO DE PORTUGAL a emitir.

    H.

    Os factos veiculados pelo ato em causa são, pela sua própria natureza e para salvaguarda da eficácia da função de supervisão da prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e designadamente tendo igualmente em conta a sua relação com matéria penal, legalmente classificados como confidenciais.

    I.

    O n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 83/2017 – norma violada pela decisão a quo – impõe às entidades supervisionadas pelo BANCO DE PORTUGAL no âmbito da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (in casu, o Banco 1... S.A.) o dever de não divulgarem quaisquer informações que, nomeadamente, possam servir para “alertar” os particulares para a existência de potenciais investigações criminais, razão pela qual o dever de segredo que vincula o próprio BANCO DE PORTUGAL tem também de abranger os factos com essas características, como são os que constam no documento que a Autora pretende aceder.

    E.

    O dever de segredo que impende sobre os factos em causa abrange todo o teor do documento, pois não são diferenciáveis partes do documento que não estejam sujeitas a esse mesmo dever.

    F.

    Tendo o tribunal a quo condenado o BANCO DE PORTUGAL a divulgar tal documento à Autora, ainda que com partes expurgadas, o mesmo violou o artigo 80.º, n.º 1 do RGICSF, o artigo 60.º da Lei Orgânica do BANCO DE PORTUGAL e, muito em particular, o artigo 105.º da Lei 83/2017.

    G.

    Acresce que, a revelação de qualquer parte do documento em causa poderá dar a conhecer, designadamente, planos, análises e metodologias inspetivas utilizadas pelo BANCO DE PORTUGAL no exercício das funções de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e, desse modo, colocar em causa a eficácia das funções de supervisor do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, o que, em última análise, é prejudicial para o interesse público.

    H.

    Ao condenar o BANCO DE PORTUGAL a entregar um documento à Autora cuja revelação pode colocar em causa a eficácia da função de supervisão e fiscalização, a decisão recorrida violou o artigo 6.º, n.º 7, alínea a) da LADA, impondo-se a sua revogação pelo STA.

    I.

    A revelação do documento peticionado pela Autora é, ainda, suscetível de afetar a capacidade operacional dos órgãos de polícia criminal, bem com das autoridades judiciárias, não podendo, também por este motivo, o mesmo ser revelado, sendo isso o que determina o artigo 6.º, n.º 7, alínea b) da LADA, norma que o tribunal a quo violou.

    J.

    A entrega à Autora da certidão do documento em causa permitiria, ainda, que fossem amplamente conhecidas, por terceiros não vinculados a um dever de segredo metodologias inspetivas do BANCO DE PORTUGAL, o que, traria, inevitavelmente, prejuízos para o interesse público, maxime para a garantia de uma supervisão eficaz e rigorosa das instituições de crédito, com potencialidade para afetar a globalidade da economia real e a confiança dos depositantes no sistema bancário.

    K.

    Os interesses relativos à eficácia da função de supervisão das instituições de...

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