Acórdão nº 472/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 472/2023

Processo n.º 804/2020

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a., Lda. veio interpor recurso, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (adiante designada por LTC), da decisão proferida naquele tribunal que, em 16 de junho de 2020, lhe negou a revista, confirmando o acórdão recorrido.

2. No âmbito do processo a quo, a recorrente interpôs recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou parcialmente procedente a apelação e, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, determinou, quanto a uma parcela do que fora decidido, a anulação da decisão a fim de que a matéria de facto fosse ampliada.

Pelo referido acórdão de 16 de junho, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Notificada desta decisão, a recorrente veio dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, delimitando o respetivo objeto nos seguintes termos:

«As normas cuja inconstitucionalidade se requereu oportunamente ao Supremo Tribunal de Justiça são as normas que se retiram dos artigos 26.º, n.os 1 e 4, 27.° e 28.°, n.os 1 e 2, conjugadas com a norma ínsita no artigo 50.°, todos da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, quando interpretadas como resulta da interpretação dada pelo STJ.

(…)

Ora, o Tribunal a quo (Supremo Tribunal de Justiça) interpretou as referidas normas legais no sentido de que é aplicável, de forma exclusiva, aos contratos de arrendamento vinculísticos para fim não habitacional, celebrados em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 257/95, de 30 de setembro, a remissão prevista na primeira parte do n.° 1, do artigo 26.°, da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, depurada das "especificidades" que exceciona a sua parte final, obrigando, por essa via, à aplicação integral do regime transitório previsto nos artigos 26.° a 28.° e 50.° a 54.°, da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, sendo tais contratos passíveis de ver a sua natureza alterada por iniciativa do senhorio, cumpridas as exigências dos artigos 50.° a 54.° do mesmo instrumento normativo.

Isso mesmo fica patente quando o Supremo Tribunal de Justiça refere: "O referido regime transitório, cumprindo esses objectivos, conduz a que os contratos mais antigos percam a natureza vinculística e pode, nesta medida, redundar, em termos de segurança, em desfavor do arrendatário. Será de notar, porém, que, a tal efeito corresponde um benefício, que não será só dos senhorios; a dinamização do mercado do arrendamento interessa a toda a comunidade.

(...)

Todavia, no entender da Recorrente, a norma a extrair daqueles enunciados normativos que se afiguraria conforme à Constituição seria aquela segundo a qual aos contratos de arrendamento vinculísticos para fim não habitacional, celebrados em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 257/95, de 30 de setembro, se aplica o regime transitório previsto nos artigos 26.° a 28.° e 50.° a 54.°, da Lei n.° 6/2006, com as especificidades previstas no n.° 4, do artigo 26.° e no n,° 2, do artigo 28.°, ambos do mesmo diploma, operando-se a remissão constante da parte final do n.° 4, do artigo 26.°, segundo a qual os contratos sem duração limitada se regem pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, e aplicando-se, por esta via, o regime previsto nos artigos 1099.° a 1103.°, do Código Civil, mantendo-se, por conseguinte, a natureza vinculística acordada pelas partes no momento da sua celebração.

(…)

Os princípios constitucionais que se entende terem sido violados pela interpretação normativa acima identificada são os princípios da boa-fé e da tutela da confiança, que se retiram do princípio da segurança jurídica que, por sua vez, se retira do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.° da Constituição, bem como a norma que consagra o direito de propriedade, contido no artigo 62.° da Constituição, que, na sua qualidade de Direito, Liberdade e Garantia de natureza análoga, beneficia do regime das restrições previsto no artigo 18.° da Constituição, onde se inclui a proibição de as normas restritivas serem retroativas.

A interpretação da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, que propugnasse a aplicação desse novo regime a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, frustraria, de forma injustificada, os direitos e as expectativas legítimas dos particulares, conferindo ao senhorio uma vantagem - com a correlativa desvantagem para o arrendatário - que não lhe assistia à data em que o contrato foi celebrado, contendendo, assim, com a legítima confiança há muito solidificada na esfera jurídica dos arrendatários, pondo em causa, para além do princípio da tutela da confiança, enquanto decorrência direta do princípio da boa fé, o princípio da segurança jurídica, que deve ser salvaguardado pela previsibilidade das normas jurídicas a aplicar a cada situação jurídica, proibindo, por esse motivo, a aplicação retroativa de normas que restrinjam direitos fundamentais ou análogos, como é o caso do direito ao arrendamento, enquanto filigrana do direito constitucional de propriedade.

Com efeito, a alteração das fontes reguladoras de contratos cuja certeza acerca da sua duração era efetiva, afigurar-se-ia como inconstitucional por violação dos supra citados preceitos da Lei Fundamental, porquanto os seus titulares haviam alcançado uma inquestionável e legítima expectativa, fundada na garantia sempre absoluta de que os contratos haviam sido celebrados sem duração limitada, expectativa esta salvaguardada pela correta aplicação da lei que vigorava no momento da sua celebração, e consolidada pelos largos anos que daquela decorreram. 

(…)

Com efeito, a ora Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas legais acima identificadas, nas páginas 79 a 92 das alegações de recurso apresentadas para o Supremo Tribunal Justiça, bem como nas conclusões 33., 34. e 35. apresentadas, (documento n.° 1, que se junta).

Ora, ainda que se possa admitir que a questão da inconstitucionalidade normativa podia ter sido configurada de modo ainda mais preciso, de forma a identificar de modo absolutamente inequívoco quais as normas consideradas inconstitucionais e cuja desaplicação se requeria, o certo é que a mesma foi bem percebida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que sobre esta especificamente decidiu.

Assim é que o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu que havia sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade em termos processualmente adequados, já que, no acórdão que proferiu, analisou as referidas inconstitucionalidades (ainda que tenha decidido que as mesmas não se verificavam) -...

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