Acórdão nº 466/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 466/2023

Processo n.º 103/2023

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, o Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria do Calçado, Malas e Afins intentou ação especial de impugnação de recusa de prestação de informação, nos termos do artigo 186.º-A, do Código de Processo do Trabalho contra A., Lda., pedindo a condenação da ré na entrega ao autor do Relatório Único de 2020, contendo todos os seus anexos, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão; e no pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por cada dia que se verificar de atraso na entrega efetiva ao autor do referido relatório (contendo todos os seus anexos), sendo metade desse valor para o autor e a parte restante para o Estado.

Por sentença proferida em 15 de março de 2022, pelo Juiz 1 do Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi a ação julgada totalmente procedente e, em consequência, foi a ré condenada a entregar ao autor o Relatório Único de 2020, contendo todos os seus anexos, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão e a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por cada dia de atraso que se verificar na entrega efetiva ao autor do referido relatório único de 2020, contendo todos os seus anexos, sendo metade desse valor para o autor e a parte restante para o Estado.

Inconformada, a aí ré e ora recorrente-reclamante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 28 de novembro de 2022, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, com o esclarecimento de que a informação a prestar deverá ser expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo, com exceção dos dados relativos a remunerações.

Nesta sequência, inconformada com este acórdão do Tribunal da Relação do Porto, recorreu do mesmo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC), nos seguintes termos (cfr. fls. 91 a 101):

«A., LDA (doravante abreviadamente designada por ("A."), Ré e Recorrente nos autos acima identificados, nos quais é Autor e Recorrido o SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA INDÚSTRIA DO CALÇADO, MALAS E AFINS, notificada do Acórdão proferido, em 28 de novembro de 2022, por este Digníssimo Tribunal que julgou improcedente a Apelação, confirmando a sentença recorrida, vem, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa ("CRP") e dos artigos 70.º e seguintes da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações subsequentes, doravante "LTC"), dele interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, com as especificações constantes do artigo 75.º-A da LTC que seguidamente se explicitam.

O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e a norma cuja interpretação inconstitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie está contida no número 8 do artigo 32.º da Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, sendo as normas constitucionais violadas – entre outras que o Tribunal Constitucional venha a considerar relevantes, nos termos do artigo 79.º-C da LTC – as que constam do n.º 1 do artigo 26.º e do n.º 1 do artigo 55.º da CRP.

Concretamente, constitui objeto do presente recurso a fiscalização pelo Tribunal Constitucional do referido artigo 32.º da Lei n.º 105/2009, se interpretado no sentido – acolhido tanto pelo Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira, como pelo Tribunal da Relação do Porto – de que a informação a prestar pelas entidades empregadoras aos sindicatos deve incluir a informação relativa aos trabalhadores não sindicalizados, nomeadamente dados constantes do quadro de pessoal, incluindo remunerações, sem necessidade do seu consentimento.

Nos termos do n.º 3 do artigo 78.º da LTC, o presente recurso sobe nos próprios autos e tem efeito suspensivo (cfr. n.º 3 do artigo 186.º-C do Código de Processo do Trabalho).

I. INTRODUÇÃO:

1. O Sindicato Recorrido intentou a presente ação peticionando a condenação da Recorrente na entrega do Relatório Único de 2020 com referência aos dados relativos a todos os seus trabalhadores, quer os filiados, quer os não filiados naquele Sindicato.

2. A Ré e Recorrente entende que a norma contida no número 8 do artigo 32.º da Lei n.º 105/2009 não permite, não pode permitir a entrega do Relatório Único nos termos requeridos pelo Sindicato Recorrido, designadamente com os dados relativos aos trabalhadores não filiados, sob pena de violação flagrante, entre outros princípios e normas constitucionais, do disposto no n.º 1 do artigo 26.º e no n.º 1 do artigo 55.º da CRP.

3. A questão da inconstitucionalidade foi, oportuna e adequadamente, suscitada nas Instâncias pela Recorrente, tendo, no entanto, o Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira e o Tribunal da Relação do Porto concluído que aquela interpretação se afigura conforme a Constituição, entendimento do qual a Recorrente discorda e, por isso, pretende agora levar à superior apreciação do Venerando Tribunal Constitucional.

II. O PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO:

4. Estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que "[c]abe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo."

5. São pressupostos específicos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC:

i. o esgotamento dos normais meios impugnatórios existentes,

ii. a suscitação, em termos tempestivos e adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal recorrido (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e

iii. a efetiva aplicação dessa norma - inconstitucional em si mesma ou na interpretação com que é aplicada pela decisão recorrida -, como critério de decisão do caso.

6. A Recorrente entende que todos os referidos pressupostos se encontram devidamente verificados no caso concreto.

Com efeito:

II.A. O Esgotamento dos Recursos Ordinários Possíveis:

7. Determina o n.º 2 do artigo 70.º que "[o]s recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência."

8. Ora, em face da circunstância de o Acórdão da Relação, ora recorrido, confirmar, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, dúvidas não existem de que a decisão em causa encerra um caso de "dupla conforme", insuscetível de recurso de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

9. Sendo que não se verifica também nenhum dos requisitos de que, nos termos do artigo 672º, n.º 1, do CPC, dependeria a admissão de um recurso excecional de revista.

10. Está, assim, verificado o pressuposto previsto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

II.B. O ÓNUS DE SUSCITAÇÃO:

11. Determina o n.º 2 do artigo 72.º da LTC que "[o]s recursos previstos nas alíneas b) e f) do n° 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer."

12. Constitui, pois, pressuposto processual do recurso ora interposto a observância, pelo Recorrente, do ónus de suscitação.

13. O ónus em causa traduz-se, como referido pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido em 16 de dezembro de 2014 (Processo n.º 1315/11.8TJVNF-A.P1.S1), "no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso".

14. Sintetizando o entendimento do Tribunal Constitucional sobre a exigência de que a questão seja suscitada durante o processo, esclarece CARLOS LOPES DO REGO:

"A exigência de que haja sido suscitada, em termos procedimentalmente adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa - que a jurisprudência constitucional sempre inferiu do conceito legal de suscitação "durante o processo" e que presentemente se mostra explicitamente consagrada no n.º 2 do artigo 72.º desta Lei - implica a existência de um tempo e de um modo adequado para levantar no "processo- base" a questão de inconstitucionalidade das normas relevantes para dirimição do caso. Na verdade, sempre entendeu o Tribunal Constitucional, em jurisprudência reiterada e uniforme, que deve interpretar-se esta exigência de suscitação da inconstitucionalidade "durante o processo" não num sentido meramente "formal" (de tal modo que a referida questão pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido "funcional", carecendo a invocação da inconstitucionalidade de ter sido feita em momento processual em que ainda fosse possível ao tribunal "o quo" conhecer de tal questão jurídico-constitucional, tomando sobre ela posição, por não estar ainda esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria a que diz respeito a questão de constitucionalidade a que o recurso se reporta.

Será, pois, este o sentido a atribuir a este pressuposto ou requisito dos recursos de constitucionalidade previstos na alínea b), em consonância com a natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta - visando reapreciar uma questão que o tribunal "a quo" pudesse e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT