Acórdão nº 494/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 494/2023

Processo n.º 387/2023

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), na sequência do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, em 21 de dezembro de 2022, não admitiu o recurso de revista excecional interposto pela recorrente nos presentes autos, com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (cf. fls. 567-570). Tal recurso reportava-se à antecedente decisão do Tribunal da Relação do Porto, datada de 8 de março de 2021, que confirmou a decisão de improcedência da ação declarativa comum instaurada pela recorrente contra B. e C., absolvendo-os do pedido (cf. fls. 304-324).

2. Por decisão datada de 24 de fevereiro de 2023, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se admitiu tal recurso nos seguintes termos (cf. fls. 584):

«A Autora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em 21.12.2022 pela Formação do Supremo Tribunal de Justiça a que alude o n.º 3, do artigo 672.º, do Código de Processo Civil, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.

Esse tipo de recurso tem como finalidade suscitar a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade de norma aplicada pela decisão recorrida que tenha sido previamente suscitada pelo Recorrente perante o Tribunal recorrido.

Ora, lendo o requerimento de interposição de recurso, constata-se que a Recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade de qualquer preceito legal, nem do sentido interpretativo de qualquer preceito legal, pretendendo sim que o Tribunal Constitucional fiscalize, a correção da aplicação pelo tribunal recorrido ao caso concreto do disposto no artigo 672.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

No recurso interposto não se coloca, pois, uma questão de inconstitucionalidade normativa, mas sim de correção na aplicação do disposto no artigo 672.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, uma vez que o mesmo não tem um objeto normativo, não pode o recurso interposto ser aceite.»

3. Notificada de tal decisão, reclamou a recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, argumentando o seguinte (cf. fls. 586-589):

«(…)

RECLAMAÇÃO CONTRA O INDEFERIMENTO

o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. Sempre com o devido e merecido respeito, permite-se a Reclamante discordar do entendimento explanado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, quando alude ao facto de o recurso em causa não ter um objecto normativo, mas sim de correcção na aplicação do disposto no art.º 672.º, n.º 1 do CPC.

2. Pois que, salvo o devido respeito, humildemente, se manifesta discordância face à posição argumentada na douta decisão ora reclamada.

3. Na esteira do princípio de que «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» e, bem assim, «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.»

Com efeito.

4. Por entender ser de apreciar a violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, espelho este do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no que respeita ao direito a um processo equitativo, na vertente de respeito pela segurança jurídica e o direito de acesso a um tribunal (neste caso, de segunda instância), interpôs a aqui Recorrente recurso para este Egrégio Tribunal.

5. Isto porque, malogradamente, no caso dos autos, salvo o devido respeito, é entendimento da aqui Recorrente que um tal direito constitucionalmente protegido foi violado, porquanto,

6. Por um lado, foi vedado à Recorrente a oportunidade de ver um tribunal de segunda instância analisar o recurso de revista por si apresentado - em claro constrangimento do direito de acesso a um tribunal;

7. E, ainda, por outro lado, uma tal decisão encontra-se em oposição com outros julgados - em clara violação da segurança jurídica,

8. Ao existirem tais decisões contraditórias, nos termos dos Arestos citados nos termos da fundamentação daquele recurso, e aí não se ter conhecido do objecto do mesmo, são violados os princípios do Estado-de-Direito, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança e o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente, nos artigos 2º e 13º da Constituição, além do já aludido artigo 20.º da CRP;

9. Violação essa materializada, nos termos do douto Acórdão recorrido.

10. Com efeito, o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional plena e efectiva, tendo por referência o artigo 20.º da Constituição, e socorrendo-nos da abundante jurisprudência constitucional sobre o mesmo, tem sido assim entendido o respetivo âmbito de proteção normativa:

«o artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive - na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo».

11. Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. II, pág. 741).

12. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de "deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e outras" (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).

13. Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de acão e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito.

14. Integrando, assim, a "proibição da indefesa" o núcleo essencial do "processo devido em Direito", constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordinário venha a conformar - seja ele de natureza civil ou penal - estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo.

15. Importa reter, que, "in casu" a decisão proferida nestes autos - que julgou não admissível a revista interposta - quando existe clara contradição entre Acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação, veio a provocar na esfera da aqui Recorrente grave prejuízo, com a litigância melhor plasmada nos autos.

16. Razão pela qual, haverá o Egrégio Tribunal Constitucional de sindicar da bondade de uma tal decisão, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes;

17. Pois que, conformando-se com o princípio da proporcionalidade, não cabe ao julgador, caso a caso, criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

18. Como sucedeu "in casu".

19. Assim, porque todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos sejam, os valores da "proibição da indefesa" e do contraditório e os princípios da segurança e da paz jurídica, impõe-se, como se disse, um juízo de censura à luz da Constituição Portuguesa.

20. Razão pela qual, perante tal problemática, objecto de recurso para uniformização de jurisprudência apresentado, sempre deveria o recurso em causa ser admitido, para ser apreciada a contradição de julgados, sobre a mesma questão fundamental de direito,

21. Assim não tendo sucedido, tem-se por violado o direito à tutela jurisdicional efectiva, sofrendo de inconstitucionalidade, questão levantada em sede recursiva, ofendendo, nomeadamente, o artigo 20.º da Constituição, ou seja, o acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, com a consequente e necessária sindicância por parte do Egrégio Tribunal Constitucional.

Termos em que, sopesados os argumentos acabados de aduzir, vem a Recorrente, ora Reclamante, requerer a V. Exa. se digne revogar o douto despacho de inadmissibilidade do qual ora se reclama, devendo, nessa sequência, ser admitido e subir o recurso interposto»

4. Os recorridos - que haviam apresentado resposta ao requerimento de interposição de recurso em 23 de janeiro de 2023 (cf. fls. 576-582) - vieram renovar as alegações aí deduzidas (cf. fls. 590-591), que se passa a reproduzir:

«(…)

A Autora/Recorrente A., inconformada com a decisão que, em primeira instância, julgou totalmente improcedente a ação declarativa por si instaurada e absolveu os Réus de todos os pedidos contra eles formulados, apelou para o Tribunal da Relação, que, sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente igual, julgou improcedente o recurso e confirmou integralmente a...

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