Acórdão nº 484/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 484/2023

Processo n.º 144/2023

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), a Decisão Sumária n.º 278/2023 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelos recorrentes A. e B., ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), em que se insurge contra decisão daquele Tribunal, proferida em 15 de dezembro de 2022.

2. Pela referida Decisão Sumária n.º 278/2023, entendeu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto por não se ter verificado coincidência entre a aplicação dos preceitos legais que sustentam a ratio decidendi da decisão recorrida e a formulação selecionada pelos recorrentes como fonte da questão colocada.

A fundamentação da decisão sumária recorrida foi, em síntese, a seguinte:

“Destarte, depreende-se facilmente, e ao contrário do que se alega na delimitação do objeto do recurso, que os recorrentes tentam imputar quer ao Tribunal diretamente recorrido, quer ao Tribunal de primeira instância, interpretações que não foram efetivamente adotadas, uma vez que o critério normativo usado na(s) decisão(ões) recorridas não envolveu, em absoluto, nenhuma dimensão supostamente extraída dos artigos 342.°, 345.°, 364.°, n.º 1, 373.°, 392.° e 393.°, n.º 1 do Código Civil.

Além disso, na verdade, o Tribunal a quo apreciou somente a inadmissibilidade da arguição de nulidade então em causa, com base, exclusivamente, em regras do Código de Processo Civil, conforme transcrito. Assim, pela própria natureza da decisão ora atacada, o TRG jamais acolheu os sentidos invocados pelos recorrentes. Em face da natureza processual dessa decisão, nem poderia ter-se apoiado nas dimensões normativas formuladas, visto que foi prolatado um juízo de rejeição da reforma do acórdão anterior, de 13 de outubro de 2022.

Nessa medida, não se demonstra, portanto, atendida a exigência legal do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, de que a norma assacada de inconstitucionalidade pelos recorrentes tenha sido verdadeiramente aplicada, na decisão recorrida, com o sentido invocado no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, como fundamento para a solução processual do caso dos autos.

Em consequência, o que temos é a não coincidência entre a aplicação dos preceitos legais que sustentam a ratio decidendi da decisão recorrida e a formulação selecionada pelos recorrentes como fonte da questão colocada. Com efeito, de acordo com os já destacados pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, é imprescindível que se verifique uma coincidência precisa entre a norma reputada como inconstitucional pela recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Caso contrário, não existindo relação fidedigna entre os dois elementos, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.

Em vista de tal não coincidência, e atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, que é inerente àquela exigência legal (cf., por todos, os Acórdãos n.os 409/2019, 326/2019, 317/2019, 290/2019, 640/2018, 652/2018, 658/2018, 671/2018, 472/2008, 498/96, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), o juízo definitivo acerca da compatibilidade ou incompatibilidade constitucional da norma-objeto não poderá repercutir-se com efeito útil sobre qualquer solução para a decisão recorrida. Tal somente sucederia se a norma a ser apreciada por este Tribunal tivesse consubstanciado a ratio decidendi do decisum a quo, hipótese em que a judicatura constitucional influiria no resultado do litígio de fundo. Não é o que acontece no caso vertente, contudo.

Sendo evidente a falta de conexão entre a norma ou interpretação normativa que tenha integrado ratio decidendi da decisão recorrida e o pedido formulado e como não apresentaram um requerimento que reconduza à relação útil entre esses elementos normativos em apreço, a pretensão dos recorrentes não tem como prosperar.

Nestes termos, por falhar no requisito analisado, o recurso não é admissível.”

Em razão da falha no cumprimento deste pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, concluiu-se pela impossibilidade de uma decisão do Tribunal Constitucional poder repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada na decisão recorrida.

Consequentemente, o objeto do recurso interposto não pode ser conhecido.

3. Desta decisão, os recorrentes apresentaram a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, da qual consta o seguinte (fls. 230-234):

«1º- Por via da decisão sumária supra aludida, o recurso interposto pelos recorrentes, foi, nos termos do estabelecido no artigo 78-A, n° 1 da LTC, rejeitado por, supostamente, não cumprir com a exigência legal do artigo 70°, n° 1, alínea b), da LTC.

2º- Enuncia-se ali que a norma assacada de inconstitucionalidade pelos recorrentes não terá sido verdadeiramente aplicada na decisão recorrida, com o sentido invocado por estes no recurso para o Tribunal Constitucional, como fundamento para a solução processual do caso dos autos.

3º- Contrariamente ao entendimento sustentado pela Exma. Sra. Juiz Conselheira Relator, e s.m.o., no caso dos presentes autos, a aplicação das normas ou interpretações normativas, cuja sindicância se pretende, consubstancia, na verdade, a"ratio decidendi” da decisão recorrida.

4º- Porém, salvo o devido respeito, que é muito, os ora reclamantes discordam em absoluto da posição assumida na aliás douta decisão que não admitiu o recurso por si interposto para o plenário do Tribunal Constitucional, daí a necessidade da sua reapreciação, o que fundamenta a presente reclamação.

5º- O recurso apresentado pelos recorrentes cumpre, ao contrário do que é referido na decisão que agora se reclama, com o requisito previsto no artigo 70°, n° 1, alínea b) e seguintes da LTC, ou seja, aplicou esta normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.

6º- A Decisão Sumária de que se reclama, que não conheceu do objecto do recurso, funda-se no facto de os recorrentes tentarem imputar quer ao tribunal diretamente recorrido, quer a tribunal de 1º instância, interpretações que não foram efectivamente adoptadas, uma vez que o critério normativo usado nas decisões recorridas não envolveu, em absoluto, nenhuma dimensão supostamente extraída dos artigos 342°, 345°, 364, n°1, 373°, 392° e 393°, n°1, todas do código Civil Português, concluindo que não pode conhecer do objecto do recurso nos termos do artigo 70°, n° 1, alínea b) da LTC.

POSTO ISTO,

7º Não aplica a decisão sumária correctamente o artigo 70°, n° 1, alínea b) da LTC verificando-se uma contradição entre a norma invocada e a...

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