Acórdão nº 479/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Data07 Julho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 479/2023

Processo n.º 611/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), a Decisão Sumária n.º 790/2022 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC).

A Decisão Sumária ora reclamada concluiu que o inconformismo do recorrente, veiculado em cinco questões de constitucionalidade, tal como apresentado no requerimento de interposição de recurso, não consubstanciava objeto passível de fiscalização nesta sede, por incorrer em diversos vícios, atinentes aos pressupostos processuais legalmente exigidos. Fê-lo, em suma, nos seguintes termos:

4.3.1. No que concerne à primeira questão suscitada (ponto i do requerimento do recurso) verifica-se que a “interpretação normativa” indicada no recurso (de que é inconstitucional a interpretação do art. 71.º do Código Penal quando não tem em consideração na determinação da medida da pena todos os factos que depuseram a favor do arguido) não foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida.

A este respeito, afirma, claramente, o acórdão recorrido: “(…) Quanto à medida da pena e face à moldura abstracta da mesma (…) julgamos adequada e justa a pena de 3 anos de prisão, atendendo às razões invocadas na sentença (…)”. Por sua vez, a sentença de primeira instância, levou em linha de conta a circunstância de o arguido se encontrar “profissionalmente ativo no estrangeiro” – circunstância que depôs, claramente, a seu favor na medida concreta da pena e foi considerada, em sede recursiva, pelo Tribunal da Relação do Porto, ao confirmar o juízo e os fundamentos vertidos na decisão da primeira instância, na aferição da medida da pena concretamente aplicada ao arguido.

(...)

4.3.2. No que concerne à segunda questão suscitada (ponto ii do requerimento do recurso) verifica-se que a “interpretação normativa” indicada no recurso - de que é inconstitucional a interpretação dos arts.º 40.º, 50.º e 70.º do Código Penal, no sentido de que existindo condenação em pena de prisão inferior a 5 anos o Tribunal pode, arbitrariamente, não suspender a execução da pena, mesmo quando o arguido reúna todas as condições para o efeito, não constituindo a suspensão da execução da pena num dever do julgador, por violação dos artºs 1, 13.º, 25.º, 32.º da Constituição da República Portuguesa - não foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida.

Escrutinando a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo interpretou os artigos 40.º, 50.º e 70.º do Código Penal em sentido diverso daquele que é agora invocado pelo recorrente e cuja constitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal. O acórdão recorrido refere expressamente:

“(…) O passado criminal do arguido, relativamente a crimes cometidos contra as “pessoas”(…) é muito relevante. Não obstante as penas de prisão em que foi condenado, foram-lhe dadas todas as oportunidades para modificar o seu comportamento (através de penas de substituição), sem qualquer resultado.

Da matéria de facto dada como provada resulta que o arguido é caracterizado “(…) como agressivo e intempestivo, quando confrontado, em comentários, por pares sociais ou conhecidos” – facto 52. Esta realidade evidencia uma personalidade que, até agora, não foi capaz de se autocontrolar e respeitar as pessoas com quem manteve, (como no presente caso) uma relação de intimidade.

Subjacente ao art. 50.º, 1 do CP está a ideia de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão sejam suficientes para afastar o agente da prática de futuros crimes. Este juízo de prognose favorável deve ser justificado através de índices objectivos referidos no referido artigo, indicando-se em primeiro lugar a personalidade do agente, recortada através das condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste”.

Daqui decorre, sem quaisquer dúvidas, que o critério interpretativo utilizado pelo Tribunal da Relação do Porto não foi o de que a suspensão da execução da pena de prisão possa ser afastada arbitrariamente, antes exigindo, conforme decisão transcrita, que a não aplicação de tal pena substitutiva seja precedida de uma fundamentação e justificação rigorosas, fundadas na “personalidade do agente, recortada através das condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste”. Em face do exposto, verifica-se que o recorrente enuncia uma questão de (in)constitucionalidade de uma interpretação normativa que não constituiu o critério da decisão do acórdão recorrido, afastando-se da dimensão normativa efetivamente aplicada pelo tribunal a quo.

4.3.3. Na terceira questão invocada pelo recorrente (ponto iii do requerimento do recurso) o recorrente invoca a inconstitucionalidade da interpretação reportada ao artigo 71º conjugado com o art.º 129º, ambos do CPP e dos art.º 374º, n.º 2 e art.º 379, n.º 1 n.º 1 a) do C.P.P, “ quando interpretados no sentido de não ser necessário fundamentar de facto e de direito a douta sentença, bastando apenas fazer referências aos elementos de prova e uma referência ao exame crítico efetuado, bem como da interpretação em como é possível ao juiz, em sede de recurso, não explicar o raciocínio lógico para chegar a determinada decisão, designadamente não indicando os motivos que determinaram que o tribunal formasse a convicção probatória num determinado sentido aceitando um e afastando outro, não explicando o porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substrato lógico-racional da decisão, por violação dos artºs 97.º, n.º4, 374º nº 2, 379º, n.º 1, alínea a), b) e c) do CPP bem como artigo 202.º, 204º e 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»

Também quanto à questão suscitada neste ponto, e à semelhança dos pontos anteriores, o tribunal a quo não utilizou a interpretação normativa indicada pelo arguido, conforme expressamente se conclui da leitura do trecho do acórdão, que se transcreve:

“(…) o tribunal indicou os meios de prova em que baseou a sua convicção, designadamente o depoimento de quem sofreu no corpo e mente as agressões praticadas pelo arguido. (…) [o] arguido só não compreendeu o raciocínio, ou seja, o percurso cognitivo do Julgador, na fixação da matéria de facto assente, como procurou refutar, em recurso, a convicção do Tribunal; se entendeu e pretendeu refutar os motivos da decisão recorrida (dela discordando), é porque, em boa verdade, a mesma estava suficientemente fundamentada. (…) O arguido ficou a saber as razões que levaram o tribunal a formar a sua convicção, tanto mais que pôs em causa, sem sucesso, a validade dessa mesma convicção, como se viu no local adequado. (…) O julgador enumerou os factos provados e não provados, indicou as razões que estiveram na base da sua convicção e analisou criticamente os meios de prova, permitindo ao arguido que, ponto por ponto, os discutisse neste recurso (…)”

Compulsado o teor da decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo não interpretou os artigos 71º, 129º, 374º, n.º 2 e art.º 379, n.º 1 n.º 1 a) do C.P.P no sentido de que não seria necessário fundamentar de facto e de direito a sentença, bastando fazer referências aos elementos de prova e uma referência ao exame crítico efectuado sem fundamentar as razões da sua convicção, sendo a interpretação de tais artigos efetivamente realizada pelo tribunal recorrido – e conforme a transcrição efectuada – em sentido oposto àquele que o recorrente pretende ver agora analisado pelo Tribunal Constitucional.

Conclui-se, assim, que não houve aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da interpretação normativa cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

4.3.4. No que concerne à quinta questão invocada pelo recorrente (ponto v do requerimento do recurso) o mesmo invoca a inconstitucionalidade do art.º 380º, nº1, al. b) do C.P.P quando interpretado no sentido de que é possível ao juiz alterar o dispositivo final da Sentença, por mero despacho correctivo, alterando uma pena suspensa para uma pena de prisão efectiva.

Analisando o teor do acórdão recorrido, conclui-se que a “interpretação normativa” indicada no requerimento de recurso não foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida. A este respeito, o Tribunal a quo entendeu não ter existido qualquer alteração da pena suspensa para uma pena de prisão, mas apenas uma correcção de um lapso manifesto, que já resultava do dispositivo da decisão, afirmando, expressamente, o acórdão recorrido: “(…) Não só não foi alterado o sentido da decisão – que era indubitavelmente a de condenar o arguido em pena de prisão efectiva (com exaustiva fundamentação da não suspensão da pena) – como não foi alterada a pena aplicada; apenas foi adequada a decisão da pena acessória à pena principal (…)”. Neste sentido, o acórdão jamais poderia ter interpretado os artigos supra citados no sentido que lhe é dado pelo recorrente, porquanto falta, na decisão recorrida, o pressuposto necessário para essa interpretação, isto é, que o Tribunal tivesse entendido que houve alteração do dispositivo da sentença previamente lida.

(...)

4.4 Da Falta de normatividade das questões suscitadas nos...

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