Acórdão nº 465/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Data07 Julho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 465/2023

Processo n.º 1055/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A., ora reclamante, interpôs recurso de constitucionalidade dos acórdãos desse mesmo Tribunal da Relação, datados de 8 de junho de 2022 e 14 de setembro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 240/2023, proferida em 14 de abril de 2023, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«(…)

6. Conforme relatado, o recorrente manifesta a intenção de sindicar a interpretação conjugada dos artigos 358.°, n.º 3, 424.°, n.º 3, 425.°, n.º 4, e 379.°, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, «no sentido de que havendo uma alteração da qualificação jurídica dos factos em recurso que leve à improcedência parcial do recurso nessa parte, sem que o Ministério Público haja interposto recurso da sentença condenatória, independentemente de a alteração da qualificação jurídica levada a efeito repristine a qualificação jurídica que se fazia na acusação, o tribunal de recurso não deve comunicar tal alteração da qualificação jurídica ao arguido para efeitos de pronúncia sobre a mesma». Entende o recorrente que a interpretação enunciada «é violadora do princípio do Estado de Direito, na vertente da segurança jurídica e estabilidade das decisões, das garantias de defesa, do direito ao recurso, do princípio do contraditório e da promoção do processo pelo Ministério Público (art°s 2º, 32° n°1 e 5 e 219° n°1 da CRP)».

É, ainda, pertinente salientar que, de acordo com a parte inicial do requerimento sob apreciação (na versão aperfeiçoada), «[o] recorrente pretende interpor recurso dos acórdãos deste Tribunal de 8/6/22 e 14/9/22». Assim, será por referência a ambas as decisões recorridas que serão analisados os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade.

7. Começando pela análise do acórdão prolatado em 8 de junho de 2022, e independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso, afigura-se inevitável constatar a ausência de correspondência entre a ratio decidendi desta decisão recorrida e o enunciado interpretativo delimitado pelo recorrente como objeto da pretensão manifestada.

Com efeito, após concluir que a conduta do arguido não integra a figura do crime continuado, conforme havia considerado o tribunal de 1.ª Instância, o tribunal recorrido debruçou-se sobre a questão de saber se se impunha o dever de comunicar previamente a alteração de qualificação jurídica, tendo proferido o seguinte entendimento (cf. fls. 1665, sublinhados nossos):

«Como vem sendo afirmado pelos tribunais superiores, o tribunal superior pode sempre conhecer da qualificação jurídica, ressalvada a proibição de “reformatio in pejus”, e também como afirmou o ac. desta Relação de 6/05/2009, sem necessidade de qualquer comunicação prévia desde que tal alteração não prejudique a defesa. Além de que, como supra se referiu o Arguido havia sido acusado pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social p.p. pelos arts 105º nº1 e 107º nº 1 e 2 do RGIT.»

Como resulta evidenciado, a conclusão quanto à ausência de um dever de comunicação prévia não se fundou no sentido apresentado pelo recorrente, como objeto do presente recurso. Diferentemente, o sentido normativo subjacente a esta decisão integrou dois pressupostos: (i) que a alteração da qualificação jurídica não prejudique a defesa; e (ii) decorrente do fundamento segundo o qual «o Arguido havia sido acusado pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social», que o recorrente já tenha vindo acusado naqueles termos.

Posto isto, resulta evidente que o sentido normativo adotado nunca poderia corresponder ao enunciado pelo recorrente, o qual eleva a elemento previsional a circunstância de «o Ministério Público [não ter] interposto recurso da sentença condenatória» e desconsidera que o recorrente já tenha sido confrontado, durante o processo, com aquela qualificação jurídica, em total dissonância com o sentido adotado na decisão recorrida. Consequentemente, impõe-se concluir que a dimensão normativa invocada pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso, por referência aos mencionados artigos 358.°, n.º 3, 424.°, n.º 3, 425.° n.º 4, e 379.°, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, não se reconduz à ratio decidendi desta decisão recorrida.

Conforme sabemos, o pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão normativa que configura o objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida, constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, espoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.

Em consonância, revelando-se que esta interpretação sindicada pelo recorrente não integrara a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento de inconstitucionalidade que sobre a mesma incidisse não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo, razão pela qual não se conhece deste recurso, quanto a esta decisão recorrida.

8. Atentando, agora, no acórdão prolatado em 14 de setembro de 2022, impõe-se a mesma conclusão relativa à ausência de correspondência entre a ratio decidendi desta decisão recorrida e o enunciado interpretativo delimitado pelo recorrente como objeto da pretensão manifestada.

Debruçando-se, desta vez, sobre a questão da nulidade do acórdão datado de 8 de junho de 2022, deduzida «nos termos conjugados dos artºs 358º nº3, 424º nº3, 425º nº4 e 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal» (cf. fls. 1669 verso), o Tribunal da Relação do Porto determinou o seguinte:

«(…)

Prevê-se no art° 379° n° 1 al. b) do CPP que «É nula a sentença; (...) b) que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358° e 359º do CPP».

Dispõe o art° 358° n° 1 e 3 do CPP:

1 «Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa..»

(...)

3 «O disposto no n.° 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia..» (negrito nosso).

Por sua o artº 424° n°3 do CPP dispõe que «Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.» (negrito nosso).

Por fim resulta do art° 425° n°4 do CPP, que «É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.° e 380.°, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento..»

Sendo este o quadro legal em que se move a questão recorrida desde já se adianta que a formulada arguição de nulidade terá de improceder, e com o devido respeito por diferente entendimento, pois não assiste razão ao recorrente.

Efectivamente como resulta da...

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