Acórdão nº 158/20.2T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 158/20.2T8MTS.P1.S1 Revista 97/23 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou contra Ryanair DAC (Designated Activity Company) a presente ação, com processo comum, pedindo a final o seguinte: a) a condenação da Ré no pagamento do valor global de € 81.470,96 relativos aos subsídios de férias (€ 17.487,98) e de Natal (€ 17.487,98) não pagos durante a vigência do contrato, acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como da formação não ministrada (€ 1.339,45), das retribuições não pagas durante o período de inatividade (€ 43.667,58) e de 11 dias de férias não gozados (€ 1.487,97); b) no tocante ao período de inatividade, caso não se considere o valor total, deverá a Ré ser condenada em 20% desse valor, ou seja, a 20% de € 43.667,58 no total de € 8.733,51, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho intermitente.

  1. a condenação da Ré no pagamento, ainda, do valor de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

    Frustrou-se a conciliação das partes.

    A Ré contestou.

    Foi produzida prova para decisão sobre a competência internacional do Tribunal, tendo o Tribunal concluído pela respectiva competência para dirimir o litígio (cfr. decisão de 09.02.2022).

    Foi realizada audiência final.

    Foi proferida sentença em 04.09.2022, na qual se decidiu o seguinte: “Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos, pelo que: a) condeno a ré a pagar à autora a retribuição dos dias de férias não gozadas nos anos de 2010 a 2018 por referência ao período de 22 dias de férias anual, ponderando o período anual de trabalho concreto prestado pela autora a partir do ano de 2012 e a retribuição concretamente auferida pela autora em cada um daqueles anos (de 2010 a 2018), a liquidar posteriormente; b) condeno a ré a pagar à autora a compensação retributiva correspondente a 20% da retribuição base pelos períodos de inatividade nos anos de 2012 e até à cessação do contrato de trabalho, a ser calculada por referência à retribuição base auferida pela autora em cada um desses anos e aos concretos períodos de inatividade em cada, a liquidar posteriormente; c) condeno a ré no pagamento da quantia correspondente a 55 horas de retribuição (por formação profissional não ministrada), a calcular por referência à retribuição que a autora auferia aquando da cessação do contrato de trabalho, a liquidar posteriormente; d) absolvo a ré do demais peticionado.” A Autora interpôs recurso de apelação.

    A Ré requereu reenvio prejudicial.

    Por acórdão de 23.01.2023, o Tribunal da Relação decidiu não admitir o reenvio prejudicial e concluiu o seguinte: “Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, decide-se: I) revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré do pagamento à Autora dos subsídios de férias e de Natal, e, em substituição, é condenada a Ré a pagar à Autora os subsídios de férias e de Natal durante o período de vigência do contrato, sendo os montantes a apurar em liquidação posterior nos termos dos art.ºs 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do Código de Processo Civil.

    II) manter, no mais, a sentença recorrida.”.

    A Ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: i. O Tribunal da Relação do Porto apoia-se, para a sua análise, apenas nos contratos celebrados entre a Recorrente e a Recorrida em 2010 e 2012, desconsiderando o contrato original celebrado em 2009 e desconsiderando factos essenciais para a análise do dissídio, pelo que cumpre relembrar que v) A Recorrida foi recrutada em processo conduzido a partir de Dublin, e iniciou a sua prestação para a Recorrente alocada à base de ..., em Itália, cfr.

    Factos provados 13 a 15 e 17; vi) O contrato de trabalho proposto expressamente pressupunha que a mobilidade do trabalhador era essencial para a posição em causa, cfr.

    Facto provado 16; vii) As partes acordaram um salário base anual bruto de Eur 10.200,00, cfr.

    Facto provado 32 e vide doc.

    1 junto com a pi e doc.

    1 junto com a contestação.

    viii) A Recorrida foi depois transferida de ... para Faro a seu pedido, sendo que durante a relação laboral se manteve constante a escolha de aplicação da lei irlandesa à relação laboral, cfr.

    Factos provados 18 e 25.

    ii. Segundo o Tribunal a quo, neste dissídio estaria apenas em causa entender se a remuneração estabelecida nos contratos de trabalho afastara as normas inderrogáveis da lei portuguesa, relativas aos subsídios de férias e de Natal, ignorando por completo a escolha de lei efetuada pelas Partes e nunca confrontando os regimes jurídicos em causa na matéria pertinente, o que viola frontalmente o Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Regulamento Roma I”).

    iii. Com efeito, a jurisprudência europeia clarificou já que o artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I exige que se “compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras (…)”.

    iv. Ou seja, resulta claro da jurisprudência do TJUE que se exige uma comparação entre os ordenamentos em confronto (o da escolha das Partes e o subsidiariamente aplicável), cumprindo analisar o cumprimento daquele que legar o maior nível de proteção na matéria em discussão, e não, como fez o Tribunal a quo, interpretar o Regulamento Roma I no sentido de que se aplicam as normas mais favoráveis ao trabalhador de cada um dos ordenamentos.

  2. Aliás, o exercício propugnado pelo Tribunal a quo culmina no absurdo resultado de garantir o direito à Recorrida ao melhor salário mínimo [o irlandês] pago no máximo número de prestações [14, tal como sucede em Portugal].

    vi. Além de tal exercício estar desacreditado pela Doutrina e jurisprudência assentes, do mesmo não resulta um reequilíbrio da relação jurídica laboral, mas antes uma maximização da proteção do trabalhador para além do que qualquer dos regimes potencialmente aplicáveis dispôs.

    vii. Como é inegável, e superiormente defendido pelos Pareceres dos ilustres jurisconsultos João Leal Amado, Milene Rouxinol e Maria do Rosário Palma Ramalho juntos pela Recorrida, a tese cumulativa defendida pelo Acórdão recorrido é desprovida de sentido: “na análise das normas imperativas da lei da conexão objectiva do contrato, o que a norma da parte final do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I exige que se compare é o nível de protecção decorrente daquelas normas imperativas com o nível global de protecção assegurado pela lei escolhida das partes no conjunto normativo (i.e., o tal grupo incindível de normas a que se refere a teoria da conglobação limitada na comparação de diferentes fontes) a que se reporta a norma imperativa da lei da conexão objectiva que esteja concretamente em questão.

    E, assente este ponto, apenas quando da aplicação do conjunto normativo da lei escolhida pelas partes naquela matéria, apreciado na sua globalidade, resultar uma privação do nível de tutela assegurado pela norma imperativa da lei da conexão objectiva que se reporta ao mesmo grupo de matérias, é que deverá prevalecer a lei da conexão objectiva do contrato.

    ” (sublinhado nosso).

    viii. Em resultado, o que o Regulamento Roma I exige é uma comparação efetiva e substantiva da proteção conferida na matéria em causa por cada um dos ordenamentos em confronto.

    ix. Estando em causa a proteção de um determinado nível remuneratório neste caso, e o acesso a um determinado montante como sinalagma da prestação do trabalho, será substancialmente mais protetor do trabalhador o regime que protege globalmente um valor superior de remuneração, sendo inegável que lei irlandesa escolhida pelas Partes confere um nível de proteção superior nesta matéria.

  3. Aliás, já emergiu do próprio legislador Europeu um indício decisivo sobre o exercício a executar nestes casos dado que, no âmbito da diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores, e com a mesma preocupação de salvaguarda dos direitos mínimos previstos em diferentes legislações laborais, se dispõe: “Ao comparar a remuneração paga a um trabalhador destacado e a remuneração devida em conformidade com o direito e/ ou as práticas nacionais do Estado-Membro de acolhimento, deverá ter-se em conta o montante bruto da remuneração.

    Deverão ser comparados os montantes brutos totais da remuneração, em vez dos elementos constitutivos individuais da remuneração tornados obrigatórios conforme previsto na presente diretiva.

    “16 xi. Não obstante, a Recorrida sustentou as suas alegações de apelação na ideia de que lhe são devidos os subsídios de Natal e de Férias previstos na lei portuguesa porque são prestações que visam assegurar maior disponibilidade pecuniária em épocas tendencialmente de maior gasto para o trabalhador, com uma natureza diversa da demais remuneração recebida mensalmente.

    xii. No entanto, uma apurada investigação demonstra que não é assim dado que, antes de mais, a génese destes meses de salário adicionais encontra-se simplesmente na falta de cabimentação orçamental para aumentar os funcionários públicos no ido ano de 1972, tendo mais tarde vindo a sedimentar-se, alargar-se e estender-se ao setor privado.

    xiii. Acresce que vários autores reconhecem aquilo que é óbvio. Os...

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