Acórdão nº 70/19.8T8VNC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 06 de Julho de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo a condenação do R. a pagar aos AA. uma quantia total não inferior a €49. 270,21 (quarenta e nove mil, duzentos e setenta euros e vinte e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vincendos à taxa legal, desde a sua citação e até efectivo e integral pagamento.
Invocaram, em síntese, que celebraram com o R. um contrato de empreitada, que este incumpriu, realizando a obra com defeitos e deixando-a com desconformidades e vícios, o que foi apurado em acção prévia aos presentes autos. Por via desse incumprimento, os AA. resolveram o contrato de empreitada, assistindo-lhes o direito a serem indemnizados.
O R. contestou por impugnação e por excepção, invocando, além do mais, a excepção de caso julgado. Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação dos AA. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
Por sentença proferida em 19-04-2021 foi decidido: «1. (...) julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada a acção e, em consequência, condenando o Réu a pagar aos AA o montante de €36.116,49 (trinta e seis mil, cento e dezasseis euros e quarenta e nove cêntimos), a que acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde a citação sobre o montante de €34.616,49, e sobre o montante de €1.500,00 desde a presente data até efectivo e integral pagamento 2. Mais se decide julgar improcedente a reconvenção.
(...)».
Tendo o R. interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito; e tendo os AA. formulado pedido de ampliação do objecto do recurso, bem como interposto recurso subordinado; veio a ser proferido acórdão, em 17-11-2022, pelo qual se decidiu julgar: «a) Totalmente improcedente a apelação do Réu; b) Totalmente procedente a apelação subordinada; c) Em consequência, confirma-se a sentença recorrida.».
-
O R. interpôs recurso de revista por via excepcional, o qual não foi admitido pela Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a qual, porém, determinou «[r]enviar o processo ao Relator originário para o efeito do n.º 5 do artigo 672.º do CPC, a fim de o recurso ser admitido como revista geral por poder configurar ofensa de caso julgado, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), in fine, do CPC».
-
Com efeito, ainda que o Recorrente tenha interposto o recurso ao abrigo do art. 672.º do CPC, um dos fundamentos invocados foi a violação da autoridade do caso julgado, formulando, a este respeito, as seguintes conclusões: «(...) 5ª Ora salvo melhor entendimento, estando em causa, alem do mais, uma questão de essencial relevância decisiva para a certeza e segurança jurídica, na qual se estriba a finalidade de justiça material, não pode admitir-se que a autoridade do caso julgado que reveste a decisão judicial prolatada nos autos de processo nº 108/15...., seja posta em causa do modo como o foi nos presentes autos.
-
Com efeito é uma evidência ontológica que nos presentes autos, os aqui autores se limitaram a repetiu as questões jurídicas relativas á execução e cessação de um contrato de empreitada que já haviam vertido no seu pedido reconvencional deduzidas naqueles autos nº 108/15...., e nos quais, todas elas, foram definitivamente decididas.
-
E porque assim foi, a violação da autoridade do caso julgado importa o erro de julgamento operado pelo douto acórdão recorrido, na esteira do mesmo erro de que padecia a douta sentença proferida pela 1ª instância.
-
É consabido que, transitada em julgado a sentença que decide do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 619º do CPC.
-
Nos termos do disposto no artigo 621º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, em conformidade com o n.º 1 do artigo 625º do CPC.
-
O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior, pretendendo assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas, sem detrimento de alguma delas.
-
O n.º 1 do artigo 580º do CPC esclarece que o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e a causa repete-se, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 581º do CPC, quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
-
Por conseguinte nos presentes autos as partes, a causa de pedir e o pedido são precisamente os mesmos, pelo que assim sendo, como é, não se respeitou a decisão proferida nesses autos anteriores e transitada em julgado, pelo que ocorre manifesta violação da autoridade do caso julgado.
(...)».
-
-
Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência.
II – Admissibilidade do recurso 1.
Apesar de o Recorrente não ter invocado a norma do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, tendo invocado a violação do caso julgado, é admissível considerar o fundamento específico de recorribilidade previsto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC. Cfr., neste sentido, os acórdãos de 14-07-2020 (proc. n.º 1219/16.8T8GRD-C.C1.S1) e de 15-12-2022 (proc. n.º 877/14.2T8LLE-H.E1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, considerando-se existir possibilidade suficiente de ocorrência da invocada violação do caso julgado formado no Processo n.º 108/15...., o recurso de revista...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO