Acórdão nº 108/17.3T8VCD-G.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA veio, ao abrigo do disposto no art. 989º do Código de Processo Civil, intentar acção contra BB, requerendo a condenação deste no pagamento de uma contribuição para o sustento e educação da filha de ambos, CC, em montante mensal não inferior a €620,00.

Para substanciar tal pretensão alega, em síntese, que a CC reside presentemente consigo carecendo de alimentos para as suas despesas pessoais e concluir a sua formação académica.

Citado o requerido, apresentou contestação, na qual sustenta desconhecer se, no presente, a CC (que atingiu a maioridade no dia .../.../2019) se encontra, ou não, a completar a sua formação escolar.

Acrescenta que o salário que mensalmente aufere é absorvido quase no seu todo pelas despesas mensais a seu exclusivo cargo, concluindo, por isso, que a pensão de alimentos a fixar deverá ser em montante nunca superior a € 150,00, tendo em conta que suporta na íntegra os custos da habitação onde vive a requerente e os filhos.

Teve lugar audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o requerido do pedido.

Não se conformando com o assim decidido, veio a requerente interpor recurso, que foi de apelação, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a “julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que se condena o requerido a pagar uma prestação mensal a título de alimentos devidos à sua filha CC no montante mensal de €400,00 (quatrocentos euros), prestação essa devida a partir do momento da proposição da ação.”.

Inconformado com esta decisão, veio o recorrido BB interpor “recursode Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1.

A obrigação excepcional prevista no art.º 1880.º do Código Civil é de carácter temporário, apenas pelo “tempo necessário” para que o filho maior complete a formação profissional, e obedece a um critério de razoabilidade, sendo necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.

  1. Não aceitável fazer impender sobre o progenitor a obrigação de contribuir com uma pensão de alimentos a um filho maior, com 22 anos de idade, que não tem qualquer aproveitamento escolar, que não se propõe a qualquer exame, que não frequenta às aulas presenciais, nem assiste às aulas on-line do curso em regime pós-laboral para o qual se inscreveu.

  2. A falta de aproveitamento escolar e a não frequência das aulas, nem as aulas ministradas on-line ficou a dever-se ao comportamento censurável em termos de cumprimento das obrigações escolares da CC, bem como do seu laxismo e ócio.

  3. Não basta à CC ser aluna inscrita para se ser titular do direito a alimentos, é preciso também concomitantemente ser estudante.

  4. Não é razoável que uma filha maior, que não tem aproveitamento escolar, não frequenta as aulas presenciais ou on-line, não se propôs à época de exames, exija que o pai suporte as despesas para uma suposta formação profissional inexistente.

  5. A prestação alimentícia não pode ser atribuída para sustentar a indolência, ócio ou preguiça da CC, materializada na falta de aproveitamento escolar, na não frequência das aulas presenciais, bem como, na não assistência das lecionadas via on-line.

  6. No caso em apreço não se verificam os elementos subjectivos que densificam o conceito de razoabilidade e exigibilidade presentes no art.º 1880.º do Código Civil.

  7. A situação de necessidade prevista no art.º 2004.º, n.º 1 do Código Civil enquanto pressuposto ou facto constitutivo de aquisição da prestação alimentar é condicionada por vários requisitos subjectivos que no caso sub júdice não se encontram verificados.

  8. É perfeitamente aceitável que um filho maior, a caminho de completar 23 anos de idade, que não se encontre a estudar para completar o seu processo de formação, que não frequente as aulas, que não se proponha à época de exames, procure trabalho ainda que em regime de part-time e com os rendimentos provenientes desse trabalho, contribua solidariamente para a sua própria subsistência.

  9. O facto da CC se ter inscrito num curso técnico superior profissional em regime pós-laboral, não é causa impeditiva para arranjar trabalho, nem que seja em part-time, quando a mesma não frequentou o 1º ano curricular e não teve qualquer aproveitamento escolar.

  10. Não se justifica a fixação de uma pensão de alimentos a favor de uma filha maior, no montante de € 400,00 quando a mesma não se encontra a completar a sua formação profissional e não foi feita prova da necessidade de tal quantum.

  11. É completamente desproporcional, irrazoável e desnecessária, a pensão de alimentos atribuída à CC no valor de € 400,00, independentemente do salário mensal auferido pelo alimentante, por a mesma não ter necessidades que resultassem provadas, para o seu sustento, habitação e vestuário, que justifiquem tal montante fixados pelo Tribunal de 2ª instância.

  12. Para atribuir a pensão de alimentos fixada à CC, o Tribunal de 2ª instância parametrizou-a de acordo com as fórmulas Wisconsin, de Melson e a chamada “Tabela de Dusseldorf”, tendo desconsiderado por completo as necessidades dadas como provadas no ponto 10. dos factos provados que redundaria sempre numa contribuição alimentícia de valor substancialmente inferior ao fixado.

  13. A medida dos alimentos não deverá ser concretizada no quantum de € 400,00, por inexistir matéria factual, das necessidades concretas da CC para tal quantum, pois, de acordo com as regras básicas do sistema jurídico processual, em caso algum o Tribunal pode decidir sem base sólida no que concerne à factualidade consubstanciadora do direito a tutelar.

  14. Na fixação da pensão de alimentos da CC o Tribunal de 2ª instância, não teve em conta que o sustento da CC é uma obrigação de ambos os progenitores e não só do Recorrente; que a Requerente/Apelante despende em média com a sua filha maior cerca de € 150,00 mensais em alimentação, produtos de higiene e quantias não concretamente apuradas com vestuário, telemóvel e transportes; que a CC embora não frequente, está inscrita num curso técnicosuperior profissionalemregime pós-laboral;que a CC é uma jovem, é saudável não tem qualquer incapacidade e/ou limitação física ou mental que a impeçam de trabalhar, nem que seja em part-time; que Requerente/Apelante habita gratuitamente com os filhos no imóvel bem comum do dissolvido casal; que Requerente/Apelante não despende qualquer valor com a prestação do empréstimo habitação, com o seguro multirriscos, com o seguro de vida e com o IMI.

  15. A falta de razoabilidade da obrigação alimentícia, no quantum de € 400,00 fixado no acórdão aqui posto em crise, em virtude da desproporção entre as eventuais necessidades da CC, que independentemente dos rendimentos do pai, terá que ser analisada nos termos gerais art.º 2004.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, devendo os meios do alimentante e a necessidade da alimentada ser aferidas no momento da fixação da prestação.

  16. O facto da filha maior, não ter tido aproveitamento escolar, nem se encontrar a estudar, são elementos essenciais a serem tidos em conta para se aferir no momento da fixação, a atribuição ou não dos alimentos pretendidos, conforme o plasmado na parte final do art.º 1880.º do Código Civil.

  17. A decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito, e de determinação das normas aplicáveis, o previsto nos artigos 1879.º, 1880.º, 1905.º, n.º 2, 2003.º e 2004.º todos do Código Civil.

    TERMOS EM QUE com o douto suprimento que sempre se espera de V. Exas deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, por provado e, por consequência, ser revogada o douto acórdão recorrido e substituído por outro que absolva o Recorrente dos pedidos com as demais consequências legais.

    Assim se fazendo inteira JUSTIÇA! * Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista (em causa está a apreciação de questão de legalidade).

    Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

    ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são: 1.

    Se, apesar da maioridade atingida pela CC, no caso concreto é razoável que a mesma possa continuar a exigir do requerido, seu progenitor, o pagamento de uma contribuição mensal para o seu sustento e educação.

  18. Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, cumprirá, então, aferir do quantum dessa contribuição mensal.

    ** III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação, após impugnação em recurso): 1.

    CC, nascida a .../.../2001, é filha da autora, AA e do réu, BB.

  19. Por sentença datada de .../.../2010, transitada em julgado, proferida nos autos de Processo de Divórcio por Mútuo Consentimento que sob o nº 6...8/2010 correu termos na Conservatória do Registo Civil ..., foram reguladas as responsabilidades parentais relativas, entre outro, à CC, sendo que nesse acordo de regulação do exercício das responsabilidades...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT