Acórdão nº 249/19.2T8TVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA, BB e CC Recorrida: DD 1.

DD e, após intervenção principal provocada, EE intentaram acção declarativa constitutiva com processo ordinário contra AA, BB e CC, pedindo que:

  1. Seja reconhecido às autoras o seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se à ré na escritura de compra e venda; b) Sejam os réus condenados a entregarem o referido prédio, livre de ónus e encargos; c) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a ré compradora e actual proprietária, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, e outras que venha a fazer.

    As autoras, em articulados separados, fundamentam tal pretensão na circunstância de serem proprietárias de um prédio rústico confinante com o prédio rústico comprado pela 1.ª ré, que não é confinante desse prédio, sendo que os prédios são aptos e virão a ser utilizados para cultura (propósito manifestado nos articulados por ambas as autoras) e têm área inferior à unidade de cultura, para além de que os réus não lhes deram prévio conhecimento do projecto de venda nem das cláusulas do respectivo contrato.

    1. A ré AA, pessoal e regularmente citada, deduziu contestação na qual invoca a caducidade do direito de acção bem como abuso de direito. Deduziu ainda, a título subsidiário, reconvenção com vista ao pagamento das benfeitorias feitas por si no prédio que adquiriu no valor de € 16.554,55, bem como requer que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel.

    2. Os réus BB e CC, pessoal e regularmente citados, deduziram contestação, alegando a caducidade do direito de preferência, bem como abuso de direito.

    3. Na réplica, a autora DD, pugnou pela improcedência das excepções invocadas e reconvenção peticionada.

    4. A autora EE respondeu às mesmas e à reconvenção, com a idêntica pretensão de improcedência, no seu articulado próprio, sequencial à sua intervenção principal provocada.

    5. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença em que se decidiu: “a) julgar improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver os Réus AA dos pedidos deduzidos pelas Autoras. DD e EE; b) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido reconvencional deduzido por AA contra DD e EE”.

    6. Não se conformando com a sentença, veio a 1.ª autora, DD, recorrer.

    7. Em Acórdão de 15.09.2022 decidiu o Tribunal da Relação de Évora: “Termos em que, acorda-se em revogar a sentença, julgando procedente a apelação interposta pela Autora DD e, em conformidade, reconhece-se às AA. o seu direito de preferência sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se estas à Ré AA na escritura de compra e venda.

      Mais se condena esta Ré a entregar o referido prédio, livre de ónus e encargos.

      Ordena-se ainda o cancelamento de todos e quaisquer registos que a Ré, compradora e atual proprietária, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio.

      Mais se acorda em julgar procedente a ampliação do recurso feita a título subsidiária pela apelada AA e, em consequência, condenar as AA. ao pagamento a esta de uma indemnização de € 4.926,93 (quatro mil novecentos e vinte e seis euros e noventa e três cêntimos), a título de benfeitorias por si realizadas”.

    8. Inconformados, BB e CC apresentaram recurso de revista, em que concluem: “A. Vem o presente recurso interposto do acórdão que julgou o recurso da Autora procedente e em consequência revogou a sentença proferida em primeira instância, substituindo-a por outra, que entre outros reconheceu o direito de preferência às Autoras, sobre o prédio rústico identificado nos autos, substituindo-se as Autoras à Ré AA na escritura de compra e venda.

      1. O segmento decisório que os Réus ora Recorrentes pretendem colocar em crise é o reconhecimento dos pressupostos que impedem o exercício do direito de preferência, que constam nos termos do artigo 1381.º al. a) do Código Civil, assim como, o reconhecimento do instituto do abuso de direito constante dos termos do artigo 334.º do Código Civil.

      2. Ora, como estabelece o artigo 1380.º do Código Civil, os requisitos para o exercício do direito de preferência, são: “a) Tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio;” “b) O preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado” “c) Um dos prédios confinantes tenha área inferior à unidade de cultura” “d) O adquirente do prédio não seja proprietário confinante”; e “e) Que os dois prédios sejam rústicos e destinados a cultura.” D. Resultou provado em sede do tribunal de 1ª instância, que as Autoras, ora Recorridas, compraram no ano de 2014, o terreno contíguo ao terreno que ora exercem o direito de preferência enquanto casadas, sem que nunca o tenham cultivado, ou dedicado a quaisquer actividades agrícolas pelas próprias ou por intermédio de terceiros.

      3. O terreno tem uma área inferior à unidade de cultura, contudo, as Recorridas, nunca após a aquisição do prédio rústico o utilizaram o mesmo para fins agrícolas.

      4. As Autoras, utilizaram o terreno, de sua propriedade única e exclusivamente para colocarem uma casa móvel, com ar condicionado, entre outros, conforme ficou provado nos factos 9 e 10 dos factos dados como provados da douta sentença do Tribunal de 1ª instância.

      5. As Autoras, nunca praticaram qualquer atividade agrícola no sobredito terreno, nem tinham um projecto de vir a exercer a dita actividade.

      6. Tendo ficado provado em sede do Tribunal de 1ª instância que o terreno das Autoras nunca foi utilizado para o desenvolvimento da agricultura, e que apesar da sua aptidão para esta actividade, nunca as Autoras tiveram o propósito, a intenção ou um projecto de vir a desenvolver agricultura no seu terreno, ou no terreno da 1ª Ré AA.

        I. No entanto, vem o douto Tribunal a quo, revogar a sentença de primeira instância decidindo em sede de acórdão que bastará a mera aptidão do prédio rústico para agricultura, e que tal bastará para o exercício do direito de preferência pelas Autoras.

      7. Com o devido respeito, insurgem-se ora os réus, contra tal segmento decisório tendo estes opinião diversa da apresentada pelo douto Tribunal a quo, a qual não basta a mera aptidão do prédio rústico para a agricultura, para que seja exercido o direito de preferência, por estas.

      8. Aliás, não basta que terreno seja apto para agricultura, mas também que seja realizada a cabal prova por parte das Autoras, ora Recorridas de actos demonstrativos de que estas efectivamente praticavam, ou pretendiam vir a exercer qualquer actividade agrícola no terreno que é da sua propriedade.

        L. Prova essa que as Autoras não lograram fazer em sede de 1ª instância.

      9. Aliás, é esta a tese já defendida por este Supremo Tribunal de Justiça, (sublinhado nosso) no seu acórdão no processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, de 14/01/2021, Relator: Rosa Tching, disponível no portal www.dgsi.pt, referindo-nos que: “Acresce ser sobre os autores que recaía, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1 do C. Civil, o ónus de alegar e provar, que praticam nestes terrenos qualquer tipo de exploração florestal e/ou atividade agrícola, pelo que, não tendo os mesmos alegado, no caso dos autos, quaisquer factos demonstrativos do aproveitamento destes terrenos, são eles que têm de sofrer as consequências dessa falta de prova.” N. Na verdade, e no seguimento desse raciocínio, parece-nos existir uma posição clara quanto à falta de prova realizada pelas Autoras de factos demonstrativos e nucleares do aproveitamento do seu terreno para agricultura, tendo consequentemente de sofrer as consequências da falta dessa prova, in casu, o não reconhecimento do exercício do direito de preferência e a subsequente aplicação do preceituado nos termos do artigo 1381.º al. a) do Código Civil, in fine.

      10. Por conseguinte, e respeitando a posição diversa do douto tribunal a quo, somos da opinião que não basta a mera aptidão do terreno para agricultura, para que seja exercido o direito de preferência.

      11. É de relembrar que as Autoras, além do facto de não terem logrado provar que exerciam qualquer atividade agrícola no sobredito terreno, também se encontram divorciadas, divórcio esse que ocorreu no ano de 2015, encontrando-se actualmente a decorrer um processo de inventário para divisão dos seus bens.

      12. Existindo aqui o real perigo de os terrenos serem divididos por ambas as Autoras em sede de processo de inventário.

      13. Apesar do Tribunal a quo, referir que ao abrigo do artigo 50.º n.º 1, da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, permitir a existência da anexação oficiosa dos prédios rústicos contíguos, com uma área global inferior à unidade de cultura, refere-nos o n.º 2 do mesmo artigo da supra-referida Lei que: “No caso de iniciativa do serviço de finanças, o proprietário deve ser notificado para se opor, querendo, no prazo de 30 dias.”.

      14. Ou seja, caso exista a aquisição por via do exercício do direito de preferência do prédio rústico objecto dos autos, por parte das Autoras, não é condição sine qua non, que este seja anexado oficiosamente, podendo o proprietário opor-se à eventual anexação oficiosa.

      15. Sendo que, até por essa via seria defraudado o objectivo do emparcelamento e ampliação da área de cultura e por conseguinte o exercício da actividade agrícola em ambos os prédios, pelo que nas partilhas existirá uma grande possibilidade de cada uma das Autoras ficar com cada um dos terrenos.

      16. Pelo que também por esta via, não deverá ser reconhecido o exercício do direito de preferência ao contrário do que vem referenciado no douto acórdão.

        V. Aliás, as Autoras ao instalarem uma casa amovível, com ar condicionado, fossa céptica, entre outros, constamos que a pretensão das autoras, não é, salvo o devido respeito a utilização do prédio rústico para finalidades agrícolas, mas para outras.

      17. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2008[5] (Revista n.º 2356/08 -6.ª Secção Silva Salazar (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite)...

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