Acórdão nº 1735/16.1T9STB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução29 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 20 de janeiro de 2023, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, que, em conhecimento superveniente do concurso, lhe aplicou uma pena única de 13 (treze) anos de prisão, procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos seguintes processos: a) No processo n.º 163/14...., em que foi condenado pelo cometimento de 3 (três) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por via de acórdão proferido em 2/05/2016, transitado em julgado em 28/11/2016, nas penas parcelares de prisão de 3 (três) anos e 9 (nove) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 3 (três) anos e 9 (nove) meses (pelos crimes de violência doméstica) e de 2 (dois) anos de prisão, após cumuladas entre si numa pena única de 7 (sete) anos de prisão efetiva; b) Nos presentes autos (Processo n.º 1735/16.1T9STB) em que foi condenado por acórdão proferido em 11/02/2021, transitado em julgado em 6/09/2022, em virtude do cometimento de 492 (quatrocentos e noventa e dois) crimes de abuso sexual de menores dependentes agravados, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 1, com referência aos artigos 171.º e 177.º, todos do Código Penal, em penas parcelares, respetivamente, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (por cada um de 14 crimes daqueles crimes), e de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão (por cada um dos restantes 478 crimes), após cumuladas entre si numa pena única de 9 (nove) anos de prisão efetiva.

  1. Discordando da pena aplicada, que considera excessiva e pretende ver reduzida para medida não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, apresenta motivação de que conclui: «(…) 4 – A pena aplicada, em cúmulo, de 13 anos de prisão efetiva ao Arguido é excessiva, apesar da liquidação a efetuar do tempo de reclusão já assegurado por conta de ambas as condenações em concurso, atento os critérios que se devem mostrar presentes na determinação da pena.

    5 – Porquanto, evidencia o comportamento social, sociofamiliar, socioprofissional e prisional do Arguido ter devidamente interiorizado o desvalor das suas condutas, configurando o mesmo um verdadeiro e sincero arrependimento, adotando aquele uma postura socialmente aceite. Possibilitando, deste modo, avaliar positivamente a personalidade do Arguido, e permitindo-se realizar um juízo de prognose futuro muito favorável.

    6 – O cumprimento da pena agora aplicada, não vai permitir ao Arguido acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos dois filhos menores, nem os apoiar com vista aqueles alcançarem os estudos universitários, numa altura da sua vida em que a figura do progenitor pai junto dos mesmos se revela crucial.

    7 – A realização do cúmulo das penas parcelares aplicadas ao Arguido visa, de alguma forma favorecê-lo, por via da ponderação das várias penas e aplicação de uma única pena a executar, e assim, permitir a sua mais fácil ressocialização.

    8 – Pelo que, a medida da pena única aplicar in casu, não devia exceder os 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deve proceder-se à revogação do douto Acórdão sob recurso, substituindo-se o mesmo por outro, que condene o Arguido a uma pena única de 5 anos prisão, suspendendo-se a sua execução por igual período.» 3.

    O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, dizendo, a concluir: «1ª – Em relação de concurso nos presentes autos estão três crimes de violência doméstica (cometidos nas pessoas da então mulher do Recorrente e dos dois filhos menores/dependentes de ambos) um crime de detenção de arma proibida e quatrocentos e noventa e dois crimes agravados de abuso sexual de menores dependentes (praticados na pessoa da filha menor do Recorrente); 2ª – É manifestamente improcedente a pretensão do Recorrente de ver reduzida a pena única de treze anos de prisão concretamente aplicada para cinco anos de prisão (para mais, suspensa na sua execução); 3ª – Na verdade, a pena pretendida superaria apenas em um ano e três meses a pena parcelar mais elevada, aplicada a dois dos quatrocentos e noventa e seis crimes em concurso; 4ª – Ademais, tal pena seria significativamente inferior à pena única cominada no Procº nº 163/14.... do ... J4 pela prática de três crimes de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida (a mais baixa, de sete anos) e escassamente superior a metade da pena única anteriormente aplicada nestes autos pela prática de quatrocentos e noventa e dois crimes agravados de abuso sexual de menores dependentes (a mais alta, de nove anos, transitada em julgado apenas em 9 de Junho de 2022) – assim se desagravando de forma absolutamente incompreensível a pena única antes fixada no Procº nº 163/14.... e deixando, na prática, impunes os crimes apreciados nos presentes autos; 5ª – De qualquer forma, a pena única de prisão fixada no acórdão recorrido não é merecedora de qualquer censura; 6ª – Com efeito, ela reflecte adequadamente a natureza dos crimes em causa, a sua assinalável gravidade, a dispersão temporal e a pertinaz reiteração das condutas criminalmente puníveis, a existência de outras condenações para além daquelas que integraram o cúmulo jurídico efectuado nos autos e a personalidade do Recorrente que assim se revela, não sendo o tempo decorrido sobre a prática dos factos tão significativo que permita considerar esbatida a necessidade da pena para influenciar o seu comportamento futuro; 7ª – Aliás, a pena única aplicada quedou-se aquém do ponto médio da moldura abstracta aplicável ao concurso de crimes em apreço (três anos e nove meses a vinte e cinco anos), demonstrando que foram valoradas, na sua justa medida, as circunstâncias susceptíveis de beneficiar o Recorrente, designadamente algumas daquelas que ele vem agora esgrimir em seu favor; 8ª – A pena única de treze anos de prisão mostra-se equilibrada e justa, não deixando transparecer violação dos critérios estabelecidos no artº 77º nºs 1 e 2 do C.P. ou de qualquer outro comando legal, pelo que inexiste fundamento para qualquer redução.

    Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido.» 4.

    Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, em concordância com a Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, nos seguintes termos (transcrição): «(…) 4. Seguindo de perto a fundamentação de facto e de direito inserta no douto acórdão cumulatório, e quanto à suposta severidade da pena única fi-xada ao recorrente (13 anos de prisão), sempre se dirá que, em face da sua culpa reflectida na factualidade apurada e das necessidades de prevenção geral e especial aqui sentidas, a presente pretensão recursiva terá, em nosso enten-der, que naufragar, atendendo à carência de qualquer fundamento legal que a suporte.

  2. Numa outra perspectiva, fica demonstrada a coerência e correcta fundamentação do acórdão do Tribunal “a quo”, o qual, não se encontrando ferido de qualquer nulidade processual e não merecendo qualquer censura, deverá ser integralmente mantido.

  3. Com efeito, in casu, o recorrente praticou factos, em concurso, de elevado grau de ilicitude, cometendo sucessivos crimes atentatórios de bens jurídicos protegidos, mormente os relacionados com a ofensa à integridade psicológica e ao saudável desenvolvimento da personalidade da vítima menor, na perspectiva da sua autodeterminação sexual, vítima essa seguramente humilhada com a actuação do arguido, seu progenitor, e colocada à mercê dos seus desejos concupiscentes do mesmo agressor.

  4. Assim sendo, as exigências de prevenção geral são elevadas, pois é fundamental a tutela dos bens jurídicos referidos e a satisfação das expectativas da comunidade no respeito das normas violadas.

  5. Em sintonia com o exposto, e seguindo de perto os fundamentos do acórdão colocado em crise, afigura-se-nos também que, e ressalvando melhor entendimento, não assiste razão ao arguido / recorrente, parecendo-nos que a medida da pena única aplicada é justa, proporcional e adequada, tendo em conta os concretos antecedentes criminais do mesmo arguido, a natureza e o número de crimes em que foi condenado, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, bem como os critérios legais constantes dos arts. 40º, 70º, 71º e 77.º e 78.º, todos do Código Penal.

  6. Acresce que, in casu, mostra-se integralmente observada a regra de punição do concurso de crimes a que se reporta o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.

  7. A pena unitária foi fixada à luz do parâmetro da moldura legal do concurso abstratamente aplicável, sendo de assinalar, por outro lado, que o recorrente não aduziu um único argumento de ordem factual donde fosse possível demonstrar, sem grande esforço, que a pena unitária fixada nos autos foi severa demais e ao arrepio do estatuído nos artigos 40.º, 71.º, 72.º, 77.º e 78.º, todos do Código Penal.

  8. Ora, considerando a factualidade fixada no douto acórdão impugnado, o grau de ilicitude dos factos subsumíveis aos crimes, em concurso, pelos quais foi condenado, os antecedentes criminais, a intensidade do dolo, as consequências nefastas do conjunto do seu comportamento, o escasso relevo, senão mesmo ausência, de circunstâncias favoráveis ao recorrente e tudo o mais que a lei manda atender na escolha da medida da pena na punição do concurso de crimes cometidos – cfr. artigo 77.º, nº 2, do Código Penal - há que concluir que a pena unitária...

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