Acórdão nº 15/11.3PEALM.L5.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução29 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 28.09.2022 do Tribunal da Relação de Lisboa, que, negando provimento ao recurso do acórdão de 01.04.2022 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, confirmou a sua condenação pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 2, alíneas a) e e), e 22.º, do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º. 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão e no pagamento à demandante da quantia de € 104.251,80, a título de danos patrimoniais já liquidados e de danos morais sofridos.

  1. Discordando da agravação resultante da aplicação do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º. 5/2006 e da pena aplicada, pretendendo a redução desta para medida não superior a 8 anos de prisão, apresenta motivação, de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): “

    1. De acordo com o douto acórdão ora recorrido foi negado provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrente, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

    2. No que respeita à aplicação do Art.º 86 n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23/2, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que no caso de homicídio funciona a agravação do Art.º 86 n.º 3 do RJAM porque não está prevista a agravação com arma de fogo no cometimento do crime que implica fazer uso de arma para a execução do crime, enquanto arma de fogo.

    3. Não existindo assim fundamento para afastar a agravação prevista no Art.º 86, n.º 3 da Lei 5/2006 de 23/2 quando o uso de arma de fogo, não sendo elemento do crime de homicídio não leva ao preenchimento do tipo qualificado do Art.º 132 do CP.

    4. No que respeita à medida de pena, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que nada havia a apontar ao douto acórdão recorrido que procedeu à correcta selecção dos elementos factuais, identificação das normas legais aplicáveis, ponderação dos critérios atendíveis, tudo justificando de facto e de direito.

    5. Não pode, no entanto, o ora Recorrente, salvo o devido respeito, concordar com tais entendimentos, pois F) E no que respeita à medida da pena, em virtude do crime ter sido praticado na forma tentada tem a pena máxima e mínima aplicável a redução de 1/3 (um terço) ficando a moldura penal fixada em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

    6. Entendeu o Tribunal “A quo” proceder à agravação desses limites em 1/3 (um terço) por aplicação do n.º 3 do art.º 86 da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, ficando com uma moldura penal de 3 (três) anos 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de prisão a 22 (vinte e dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de prisão.

    7. Ora, no caso vertente o crime em causa foi praticado com uma arma, na al. g) [atual al. h) do n.º 2] do art.º 132 do C. P. uma das circunstâncias que levam à punição por homicídio qualificado e o de praticar o facto utilizando meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.

    8. Sendo uma arma um meio particularmente perigoso e que se traduz na prática de um crime de perigo comum, entende-se já o Arguido estar a ser condenado pela utilização da arma ao abrigo do disposto no art.º 132 do C. P.

    9. Não podendo a moldura penal obtida ser agravada em 1/3 (um terço) pela aplicação da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

    10. Já que, na realidade, isso se traduz numa dupla agravação da pena que penaliza injustificadamente o Arguido, por muito que os Venerando Juízes Desembargadores do na da Relação de Lisboa afirmem o contrário, a verdade é que a sua fundamentação não explica a dupla agravação que ocorre na situação em apreço, que claramente viola o determinado na lei.

    11. Devendo assim o Arguido, quanto muito, ser condenado dentro de uma moldura penal situada entre os 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão, isto por aplicação do disposto no artº 132 do C. P.

    12. E ainda que assim não se entenda sempre se dirá que a pena aplicada ao Arguido, face ao supra exposto é demasiado gravosa face aos meios de determinação da medida da pena elencadas no art.º 71 do C. P., pois N) Desde logo não corresponde à verdade que o Arguido tenha agido de forma fria e calculista, não manifestando qualquer respeito pela vida, pois a verdade é que o Arguido estava muito alterado, em desespero, com o comportamento da filha.

    13. O Arguido deixou a filha sozinha devido ao desnorte que sentiu, tendo chamado a sua outra filha ao local, para ele a filha estava morta e nada mais havia a fazer.

    14. A Médica Psiquiatra no seu primeiro depoimento diz que ele se mostra nas consultas: “Com um profundo arrependimento antes tivesse sido eu” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 10:40 a 11.00), o que denota arrependimento e interiorização do desvalor da sua conduta.

    15. Tudo isto, devidamente ponderado, dá, claramente uma pena mais reduzida ao Arguido.

    16. Bem analisada a situação, nenhum dos intervenientes, Arguido e Ofendida, será totalmente culpado ou totalmente isento de culpa, pelo que, aqui ao determinar a medida da pena a aplicar ao Arguido há que ponderar todos esses factores de modo a obter uma pena objetivamente justa e não uma pena emocionalmente justa que é o que acontece à pena aplicada.

    17. Onde só foi ponderada a culpa do Arguido e não todos os factores que efetivamente o conduziram à prática do acto, o que acaba por violar o disposto no art.º 71 do C. P T) Face ao exposto e em conclusão, entende-se que a o douto acórdão ora recorrido viola o disposto na al g) do nº 2 do art.º 132 e o disposto no art.º 71 todos do C. P U) Entende-se assim que deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente deve ser alterado o douto acórdão ora recorrido no sentido de reduzir a pena de prisão fixada ao arguido, de acordo com os atos por ele praticado e tendo em atenção todos os factos atenuantes da sua conduta, não devendo a mesma exceder os 8 anos de prisão.» 3.

    Respondeu o Ministério Público, convocando o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2012, proferido no processo n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1 (em www.dgsi.pt), e concluindo pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido, nos seguintes termos (transcrição): «1. No caso dos autos impõe-se a aplicação da agravação do art.º 86. °, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/2.

  2. Não existem fundamentos para se poder reduzir a medida concreta da pena de prisão aplicada ao Recorrente, entendendo-se que a pena de prisão aplicada ao Recorrente foi sábia e criteriosamente aplicada, mostrando-se adequada, justa e proporcional, não existindo nenhuma razão de ser para as críticas que o Recorrente dirige à determinação da medida concreta da pena em referência.

  3. O Acórdão recorrido no procedimento tendente à determinação da pena atendeu às finalidades da punição consignadas no artigo 40.º do Código Penal e no que diz respeito à escolha e determinação da pena e da respectiva medida, observou os critérios estabelecidos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

  4. O Acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal.

  5. Nestes termos, deve negar-se provimento ao Recurso interposto e, consequentemente, manter-se, na íntegra, o Acórdão recorrido.» 4.

    Respondeu também a assistente, BB, concluindo dever negar-se provimento ao recurso, dizendo: «I - No caso dos autos o uso da arma não levou à qualificação do crime, não havendo por isso fundamento para afastar a agravação prevista no artigo 86º, nº 3, da Lei 5/2006 de 23-02.

    II – Não existem quaisquer fundamentos para reduzir a pena aplicada ao arguido atendendo ao grau de ilicitude, ao modo de execução do crime e à gravidade das suas consequências.

    III – O acórdão recorrido não violou nenhum preceito legal.

    » 5.

    Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer também no mesmo sentido, fazendo-o nos seguintes termos (transcrição parcial): «(...) 2. (…) Diz o recorrente que o Tribunal Colectivo – no que foi sancionado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa –, ao declarar a referida agravação do “homicídio qualificado”, sob a forma tentada, o puniu duplamente, por dupla valoração do uso da arma de fogo como instrumento do crime, em violação do princípio da consunção e do ne bis in idem.

  6. E para assim o defender, o recorrente constrói, verdadeiramente, uma ficção, com todo o respeito.

    Como seja: Sendo a arma em causa um meio particularmente perigoso e que se traduz na prática de um crime de perigo comum, entende estar já a ser condenado pela utilização da arma ao abrigo do disposto no artº 132 do Código Penal. 3 Diz, todavia, o Ministério Público que o recorrente não tem razão.

    Primeiramente, porque não está inscrito na natureza das coisas (e, assim, deva razoável para o Direito) que uma arma de fogo (nomeadamente a usada), para além da letalidade inerente à necessária idoneidade para matar, haja de ser um meio particularmente perigoso (não é referido se a pistola estava ou não legalizada), como o seria, claramente, uma granada de mão, um engenho explosivo, uma metralhadora pesada, etc.

    Depois, porque ainda que se revestisse dessa particular perigosidade, o uso da arma, só por si – sendo um elemento de ponderação atinente não apenas ao ilícito, mas também à culpa – não qualificaria automaticamente o homicídio.

  7. E assim o entenderam as Instâncias, pois que o arguido foi condenado por “homicídio qualificado”, agravado, na forma tentada, p. e p. nas disposições dos arts. 22.º, 131.º e 132.°/2-a) e e) do Código Penal e 86.°/3 da L-5/2006, de 23/02, que não pela alínea h) – e...

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