Acórdão nº 1341/17.3T9CLD-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CAMO SILVA DIAS
Data da Resolução29 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I.

Os arguidos/condenados J.N.M. agropecuária, Lda, AA e BB, vieram nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença e do acórdão do TRC, transitados em julgado, proferidos no processo comum (tribunal singular) n.º 1341/17.3T9CLD, pendente no Juízo Local Criminal ..., juiz ..., comarca de Leiria, transitado em julgado (confirmado por ac. do TRC de 4.05.2022), na parte que foram condenados respetivamente: - o Arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º n.º1 e n.º2 e 26º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à diária de 10,00 €, o que perfaz a multa total de 1.800,00 €; - a Arguida BB, em co-autoria, pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo artigo 258º n.º1 e n.º2 e 26º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à diária de 7,50 € euros, o que perfaz a multa total de 1.350,00 €; - a J.N.M. Agropecuária, Lda. pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1 e 218º n.º2 alínea a), 11º n.º 2 alínea a), 90º-A e 90º-B do Código Penal na pena de 440 dias de multa, à taxa diária de 150,00 €, o que perfaz um total de 66.000,00 € (sessenta e seis mil euros); - o Arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1, 218º n.º2 alínea a) e 26º do Código Penal na pena de três anos e seis meses de prisão; - a Arguida BB, em co-autoria, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º n.º 1, 218º n.º2 alínea a) e 26º do Código Penal na pena de três anos e seis meses de prisão; - Suspender a pena de três anos e seis meses de prisão dos arguidos pelo período de três anos e seis meses, sujeita à obrigação de pagamento, por cada um deles, da quantia de 7.343,04 € (sete mil trezentos e quarenta e três euros e quatro cêntimos), até ao final do período da suspensão.

- Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela Demandante ERedes Distribuição de Eletricidade, S.A. contra os Demandados AA e BB e J.N.M. Agropecuária, Lda. e, em consequência, condená-los no pagamento à Demandante da quantia de 22.029,11 (vinte e dois mil, e vinte e nove euros e onze cêntimos), acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar até efetivo e integral pagamento.

II.

Para o efeito, os recorrentes apresentam conjuntamente as seguintes conclusões neste recurso de revisão: A - A Douta Sentença DE 1º INSTÂNCIA, decidiu condenar os recorrentes AA e BB, em co-autoria pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, bem como por um crime de burla qualificada, devido aos factos constantes da acusação pública que lhes imputava essas práticas, igualmente decidiu condenar a recorrente J.N.M., Lda, pela prática de um crime de Burla qualificada; B - Decidiu ainda condenar todos os recorrentes ao pagamento da totalidade do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante E-Redes, Distribuição de Electricidade SA; C - Não conformados, com o teor da Sentença, todos os recorrentes decidiram apresentar recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por sua vez entendeu negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

D - Ora a condenação de todos os recorrentes, tem por base o facto de nas instalações da recorrente sociedade, existir um contador propriedade de EDP, que alegadamente foi manipulado, por alguém!!...Sendo que esse alguém não foi apurado, constando na Sentença de 1º Instância que não se provou que foram os recorrentes a manietar o contador ou a mandar manietar, não se fazendo prova, em momento algum, que teriam sido os recorrentes a manietar ou a mandar manietar o contador em causa, a Sentença de 1ª Instância, através de recurso a prova indirecta, decidiu condenar todos os recorrentes, por serem os sócios e gerentes da firma arguida, ora recorrente, únicos beneficiários da alegada falsificação, bem como a firma que foi a beneficiada com a alegada falsificação.

E - O contador em causa nestes autos, com o nº de série ...80, foi instalado na sociedade arguida, ora recorrente no ano de 2012, tendo registo de aberturas, sendo a primeira abertura registada no ano de 1992, posteriormente no ano de 2012, 2013, 2014 e 2017, todas efectuadas por técnicos da EDP.

F - Esse contador, no ano de 2017após o alerta dado pelos recorrentes de que um veiculo pesado teria embatido no poste onde o mesmo estava instalado, foi vistoriado pelos técnicos da EDP, que detectaram um leitura discrepante, abaixo da considerada real, tendo enviado o contador para um laboratório para análise, sendo que o relatório desse laboratório LabLec, apontava uma discrepância de 43/44% entre consumo registado e consumo real, facto que não se verifica quer nas facturas desse ano de 2017, que se juntam, quer nos mapas de consumo dos 3 anos anteriores que igualmente se juntam; G - Foi com base nesse relatório que surgiu a acusação pública e a posterior condenação de todos os arguidos ora recorrentes.

H - Em todo o processo nada nem nenhum parecer técnico independente, foi apresentado ou requerido pelo Tribunal, tendo simplesmente a Meritíssima Juíz, que não é técnica especializada, nem perito independente credenciado, se limitado a seguir um relatório que foi apresentado pela ofendida e de um Laboratório que não é de forma alguma imparcial, pois é do Grupo EDP, com esta aceitação do teor do relatório do laboratório da ofendida, com base em prova indirecta apenas, a Meritíssima Juíz “ a quo” decidiu condenar todos os arguidos, ora recorrente, mesmo fazendo “tábua rasa” dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela própria assistente, Sr. CC e Engenheira DD, que ao responderem sobre as questões que lhe foram colocadas sobre o contador e os seus registos entraram em profunda contradição nos depoimentos, o que gerou uma séria duvida sobre a fidedignidade do registo de tampas do contador em causa nos autos; I - Ademais, e tendo em conta que a testemunha da Ofendida DD não é uma testemunha comum, é uma Engenheira Técnica especializada de um Departamento da assistente que especificamente procede á analise dos alarmes gerados pelos contadores instalados, afirmou expressamente e em juízo que: “todos os acessos ao aludido contador tinham sido registados…”, afirmação especializada esta que, só por si, demonstra a inexistência, “in casu” de qualquer acesso ilegítimo por parte dos arguidos, ora recorrentes e desmente toda a tese da acusação – o que na verdade teria conduzido o aresto da primeira instância e o douto Acórdão em sentido diverso, porém e incompreensivelmente, o teor determinante de tal depoimento e as consequências jurídico-penais do mesmo não foram retiradas, nem sequer foram tidas em conta pela senhora Juiz “a quo” na elaboração da sentença recorrida, ou, se quisermos, esta premissa essencial não integrou o “silogismo judiciário”; J - Esse séria e fundamentada duvida que se gerou durante a produção de prova, sobre o registo de tampas do contador em causa nos presentes autos, associada à livre convicção da Meretíssima Juíz “a quo” quando expressamente dá como provado que não se prova quem procedeu à manipulação e alteração do contador, são factos que indubitavelmente deveriam ter resultado na absolvição dos arguidos, ora recorrentes de todos os crimes, em obediência ao principio “in dúbio pró réu”, entre outros princípios, o que não aconteceu.

L - Sucede que o referido laboratório é propriedade da assistente EDP, facto do qual só após a elaboração da Sentença de 1º Instância é que os recorrentes tomaram conhecimento, precisamente ao lerem a Sentença onde se diz (“É claro que se trata de um relatório técnico de um Laboratório pertencente ao grupo da EDP.”), M - Caso os recorrentes em momento anterior à elaboração e leitura de sentença tivessem todo conhecimento deste facto, poderiam ter requerido ao tribunal de 1º Instância, uma peritagem técnica por perito independente a designar pelo Tribunal, sem ser do grupo EDP, de forma a poder verificar se as conclusões do referido relatório que ditou a condenação dos recorrentes era imparcial, rigoroso e consequentemente legítimo.

N - Os recorrentes ficaram impedidos de durante a preparação da sua defesa poderem ter tido acesso a um relatório técnico imparcial, sobre a verificação de um contador, que foi a peça chave e trunfo único quer da assistente, quer do Ministério Público e que ditou a condenação totalmente injusta de todos os recorrentes, com base no pressuposto que existia um défice de consumo registado de menos 43/44%, facto que não se vislumbra nas facturas da própria assistente.

O - Existe assim um facto novo, que não foi tido em conta no julgamento, nem no momento de preparação da estratégia de defesa dos recorrentes, que conjugado com o registo de abertura de tampas do contador( de fls 59) e também com as declarações das testemunhas da assistente DD e EE, bem como dos factos provados em relação aos registo de abertura da tampa do contador( 1º abertura em 1992) e a sua data de construção( construído em 2012), suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação! P - Após a elaboração de sentença e do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, surgiu igualmente uma outra questão, que em momento algum foi levantada, quer pela acusação, quer pela própria Assistente, quer até pelas próprias testemunhas que a assistente carreou aos autos, a qual se passa a expor, ou seja o facto de o contador em causa nos autos, ter sido montado nas instalações da firma arguida, ora recorrente, no ano de 2012, no entanto a firma não abriu nesse ano, já laborava continuamente desde o ano de 2000, tendo para o efeito requisitado um contador à EDP.

Q - Nesse ano de 2012, houve um pico de energia que causou uma avaria geral, o que fez com que os técnicos da EDP acompanhados da testemunha...

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