Acórdão nº 94/21.5GATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução21 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1. Nos presentes autos, foi o arguido AA, condenado na pena de 12 (doze) meses de prisão efetiva pela prática, pela autoria material de um crime de violação de imposições, proibições e interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal.

* 2. Da sentença recorre o arguido que formula as seguintes conclusões de recurso: 1. O tribunal “a quo” procedeu a uma apreciação arbitrária da prova, fazendo uso da mera impressão gerada no seu espírito; 2. Os pontos 4) a 8) da sentença devem ser dados como não provados; 3. O Tribunal a quo, alicerça a sua convicção nos depoimentos de testemunhas “do diz que disse”.

  1. As declarações prestadas pela testemunha BB, foram prestadas em ambiente informal (desde logo não redigido a auto, nem assinado pela testemunha) aos agentes da GNR, recolhido em hora e local diferentes daqueles onde, alegadamente, tinha sido cometido o crime.

  2. A valoração do depoimento da testemunha BB, uma vez que a própria testemunha de que se ouviu dizer prestou, em julgamento, esclarecimentos explicando e dando outra versão da inicialmente declarada consubstancia prova proibida, expurgada de juízo valorativo.

  3. Aliás, no caso concreto da testemunha BB, bastaria o seu direito ao silencio em audiência de discussão e julgamento (Artigo 134.º do CPP- Recusa de depoimento), uma vez que vive em união de facto com o arguido, para que a demais prova, fosse proibida e valorada.

  4. A testemunha BB declarou aos agentes autuantes da GNR, na presença das demais testemunhas, que tinha sido o arguido o condutor da sua viatura, afinal, não tinha condições físicas nem humanas para poder declarar o que declarou.

  5. BB, à hora e data dos factos, encontrava-se a trabalhar em ..., a uma distância de 22/23Km, cujo percurso até ao local dos factos, demora cerca de 30 minutos.

    … 16. Jamais poderão ser valoradas aquelas declarações, apenas porque foram prestadas aos agentes da GNR, quando em audiência de discussão de julgamento a mesma testemunha, confirma e atesta que não viu o arguido a conduzir o veículo, nem tinha condições para o poder afirmar.

    … 19. O auto redigido e elaborado pelos agentes da GNR, não faz menção a mais nenhum elemento ou facto, limitando-se a informar que a Manda D. BB disse que foi o arguido o condutor da viatura; 20. Sabendo os Agentes da GNR que a D. BB estava a trabalhar, num local distante do local onde ocorreram os factos, deveriam indagar da razão para apurar o porquê daquelas declarações; … 27. Nunca o Tribunal poderia dar como provado que foi o arguido o condutor, menos ainda se podendo aceitar que o Tribunal diga que o militar CC ouviu uma criança a afirmar que o condutor era o arguido. É falso! … * 3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público … * 5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu … parecer …[1] …[2]… * 6. O recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, … 7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II Questões suscitadas pelo recorrente: 1.

    Impugnação da matéria de facto provada versus valoração de prova proibida e nulidade por falta de fundamentação.

    2. A espécie (escolha) da pena e a medida concreta desta, eventual suspensão na sua execução e/ou cumprimento em regime de permanência na habitação versus a não realização de relatório social.

    III 1. São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença: 1) Por decisão datada de 13 de novembro de 2020, proferida no âmbito do processo comum singular nº 25/20...., que correu termos neste tribunal, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 07.04.2021, transitada em julgado, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico na pena de 9 (nove) meses de prisão, a ser cumprida no domicilio com recurso a vigilância eletrónica, sendo autorizada a sua saída do domicilio para trabalho e tratamentos médicos, conjuntamente com plano de reinserção social a definir pela DGRSP, que aborde, entre outros, o tratamento ao alcoolismo.

    2) Ao abrigo do preceituado no artigo 69º, nº 1, do Código Penal, foi ainda o arguido, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 2 (dois) anos.

    3) O arguido procedeu à entrega da carta de condução em 13.04.2021, para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

    4) No dia 29 de julho de 2021, pelas 16H15, o arguido AA, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ...”, modelo ...56, com a matrícula ..-..-QF, propriedade de BB, pela EN ...28, Km 63, em ... - ..., quando foi interveniente em acidente de viação (despiste).

    5) O arguido AA após o acidente abandonou o local.

    6) O arguido AA conduziu o veiculo automóvel na via pública, encontrando-se proibido por sentença judicial de conduzir veículos motorizados.

    7) O arguido AA agindo de forma deliberada, livre e consciente desrespeitou uma proibição que lhe havia sido imposta a título de pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por sentença criminal, tendo consciência que ao conduzir o veiculo automóvel na via publica durante o período da proibição do exercício da condução estava a violar aquela proibição, ainda assim, quis conduzir o veículo em causa.

    8) Bem sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.

    Mais se provou que, 9) Em razão do acidente referido em 4), a viatura de marca ...”, modelo ...56, com a matrícula ..-..-QF, foi para a sucata, tendo BB recebido cerca de 80/100€.

    10) BB não participou tal acidente nem ao seguro, nem às autoridades policiais, designadamente a informar que o veículo lhe tinha sido furtado e/ou utilizado sem a sua autorização.

    11) O arguido vive em união de facto com BB desde 2013.

    … * 2.2 FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a decisão a proferir, não ficaram por provar quaisquer factos.

    * 2. Fundamenta o tribunal recorrido a matéria de facto nos seguintes termos: A convicção do tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se exclusivamente na análise crítica de toda a prova documental e nos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.

    Nesta análise, importa desde logo referir que a circunstância de o arguido não ter prestado quaisquer declarações (naturalmente, no exercício de um direito) em nada comprometeu a convicção criada pela restante prova produzida, pois como é sabido se o silêncio não o pode prejudicar, não o pode seguramente beneficiar.

    Com este entendimento, veja-se, inter alia, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de janeiro de 2010, ao referir que “se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o arguido, também o não deverá beneficiar”, ou como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2008, “o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios”.

    Com efeito, toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, merecendo nesta análise particular realce os depoimentos das testemunhas DD, EE, FF (GNR) e CC (GNR), com todos a confirmarem que a companheira do arguido (BB), na noite dos factos em causa, afirmou que tinha sido o arguido a conduzir aquela viatura, sendo que as testemunhas DD e EE, amigos desta, referiram, depois de instados para o efeito, que essa afirmação foi “pronta” e feita sem qualquer dúvida, de forma livre e sem qualquer coação, o que, aliás, acaba por ser corroborado pelo facto de a companheira do arguido nunca ter chegado sequer a participar o sinistro à seguradora nem às autoridades policiais o alegado furto da viatura ou a sua utilização sem a sua autorização, como ainda se procurou veicular no decurso do julgamento.

    E se os depoimentos das duas identificadas testemunhas (amigas da companheira do arguido) não nos mereceram quaisquer reservas, o mesmo se refira quanto aos depoimentos dos agentes de autoridade, porquanto depuseram de forma séria, credível e detalhada e, nessa medida, mereceram inteira credibilidade do Tribunal.

    E pese embora os agentes não tenham presenciado o arguido a conduzir, mereceram-nos, ainda assim, credibilidade ao referir que este facto foi, como se disse, confirmado pela própria companheira do arguido numa altura em que foram chamados para se deslocar ao local onde esta se encontrava em virtude de o arguido ter ameaçado que deitava fogo à casa se esta não lhe entregasse as chaves do outro carro.

    Além disso, e nesse mesmo dia, antes de se deslocarem à casa onde se encontrava a companheira do arguido, os identificados militares foram chamados à ocorrência do descrito despiste e, numa altura em que estavam a controlar o trânsito, o militar CC ouviu uma criança que se encontrava no local com as demais pessoas que entretanto ali se concentraram e afirmou que quem ia a conduzir aquela viatura era o arguido, todavia, devido ao trabalho e dificuldade com que se confrontaram na resolução do problema de trânsito que ali se gerou, já não conseguiram identificar a criança que fez a afirmação, de modo a poder inquiri-la quanto aos factos em apreço.

    Todavia, dúvidas não restam, que quer esta última afirmação ouvida no próprio local do despiste, quer as declarações prestadas pela própria companheira do arguido surgem na sequência das diligências cautelares que os agentes de autoridade tiveram de empreender com vista ao apuramento dos factos para os quais foram chamados e que depois de devidamente articulados entre si não deixam dúvidas quanto aos factos dados como provados, até porque na hora do acidente a companheira do arguido estava a trabalhar e a viatura sinistrada tinha ficado em casa onde só se encontrava o arguido.

    Isto é, nas sobreditas circunstâncias de tempo e espaço, só o arguido tinha acesso àquela viatura.

    E sem embargo, como se disse, de o arguido não ter prestado declarações, num direito que a lei lhe reserva, entende-se, ainda assim, que os preditos depoimentos dos referidos militares são passíveis de valoração. Não tem...

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