Acórdão nº 375/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 375/2023

Processo n.º 99/2023

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Decisão Sumária n.º 210/2023 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente A. ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC). Pela referida decisão entendeu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«(…)

5. A título preliminar, cumpre salientar que, em 23 de fevereiro de 2023, a recorrente apresentou a motivação do presente recurso de constitucionalidade. Porém, face ao exposto no n.º 5, do artigo 78.º-A, da LTC, resulta incontroverso que as alegações - previstas no artigo 79.º, da LTC - só devem ser apresentadas caso seja prolatado despacho do Relator nesse sentido.

Assim, tendo em conta que, no caso sub judice, será proferida decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, desde já, se consigna que as alegações apresentadas pela recorrente não serão consideradas para os presentes efeitos. Por conseguinte, será ordenado o seu desentranhamento.

Feito este esclarecimento prévio, analise-se os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade sob análise nos presentes autos.

(…)

7. Conforme resulta do exame do requerimento de interposição de recurso constante dos autos, a recorrente pretende sindicar, junto deste Tribunal Constitucional, uma questão de constitucionalidade reportada ao artigo 640.º do Código de Processo Civil, «(…) no sentido de impedir a apreciação ou o julgamento dos factos da situação do trabalho impugnados pelo recurso, ou seja, no sentido de impedir ou obstar à realização da justiça material do trabalho, como decorrente do acórdão, que foi no sentido de recusar à autora a apreciação dos factos do trabalho impugnados pelas invocadas razões meramente processuais civis, de resto, contrárias à índole específica das normas laborais e processuais laborais, ofende gravemente os seus direitos ao reconhecimento da situação do trabalho, nomeadamente, o direito à segurança no emprego e a não ser despedida sem justa causa (artº 53° CRP, com referência ao artº 339° CT) e à retribuição (artº 59° n° 1 al. a) CRP), como referido pela apelação» (cf. fls. 103). Sucede que, em linhas seguintes do requerimento sob apreciação, afirma que pretende ver apreciado o «artº 640° CPP, interpretado no sentido de aplicação à situação laboral e à apelação em processo do trabalho.» (cf. ibidem).

Ora, apesar da falta de clareza na delimitação do objeto do recurso de constitucionalidade, presume-se que a intenção da recorrente tenha sido a de requerer a apreciação de dois enunciados distintos, ainda que reportados ao mesmo preceito legal: i.e., ao artigo 640.º do Código de Processo Civil.

8. Quanto à delimitação do objeto do recurso, importa ainda assinalar que o preceito legal sobre o qual a recorrente constrói as questões de constitucionalidade enunciadas nos presentes autos não se encontra devidamente densificado, como lhe cabia fazer ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1 e 75.º-A, n.º 1, da LTC. Com efeito, como facilmente se comprova, o artigo 640.º do Código de Processo Civil contempla, nos seus n.os 1 a 3, diversos enunciados normativos que regulam diferentes aspetos do respetivo regime jurídico. Ora, ao não identificar, como lhe cabia, o concreto enunciado do qual extraiu os putativos sentidos normativos em apreciação, a recorrente impede a apreciação por este Tribunal do processo interpretativo que a descortinou.

De todo o modo, como se passará a demonstrar, a recorrente nem sequer chega a enunciar qualquer critério normativo passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade em apreço.

Vejamos:

9. Analisando a primeira questão de constitucionalidade, enunciada no requerimento de interposição do recurso, facilmente se conclui que a mesma reflete a verdadeira pretensão da recorrente - contestar a concreta decisão do tribunal recorrido, e não colocar em apreciação verdadeiras questões de constitucionalidade normativa.

Ora, analisando detalhadamente os termos em que foi formulado o enunciado sob apreciação, - alegadamente, uma interpretação normativa «no sentido de impedir a apreciação ou o julgamento dos factos da situação do trabalho impugnados pelo recurso, ou seja, no sentido de impedir ou obstar à realização da justiça material do trabalho, como decorrente do acórdão, que foi no sentido de recusar à autora a apreciação dos factos do trabalho impugnados pelas invocadas razões meramente processuais civis, de resto, contrárias à índole específica das normas laborais e processuais laborais» – consta-se, desde logo, que o mesmo não consubstancia qualquer critério normativo, dotado de generalidade e abstração, passível de constitui objeto idóneo do presente recurso de constitucionalidade.

Na verdade, a apontada ausência de normatividade deu, a final, lugar à manifestação de discordância da recorrente quanto ao juízo proferido pelo Tribunal da Relação de não admitir, parcialmente, o respetivo recurso sobre a matéria de facto. Assim, ao invés de sindicar um critério normativo extraído de um dos concretos enunciados previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, interpretados e aplicados na decisão recorrida – nomeadamente, as alíneas b) e c) do n.º 1 do mencionado preceito – a recorrente opõe-se, diretamente, ao teor da decisão que negou a admissão do recurso quanto aos factos por si identificados. Em última instância, diremos que a sua discórdia assenta na...

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