Acórdão nº 389/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 389/2023

Processo n.º 177/2023

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), recorrente, requereu a interposição do presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]), da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 22 de dezembro de 2022, que recusou a “aplicação as normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação conferida pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que determinam a incidência, a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no "escalão 2", com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, previsto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa”, anulando em consequência a liquidação impugnada.

2. Através da Decisão Sumária n.º 120/2023, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se julgar inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que preveem a incidência objetiva e o modo de cálculo da taxa a aplicar, em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no “escalão 2”, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, com a seguinte fundamentação:

«4. Tal como enunciado no requerimento de interposição de recurso, as normas questionadas, na delimitação feita pelo recorrente, resultam da interpretação dos n.ºs 2 e 3, do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, com a redação dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que preveem, para os sujeitos passivos enquadrados no "escalão 2", a incidência objetiva (rendimentos considerados relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais relativa ao ano anterior) e o modo de cálculo da taxa stricto sensu a aplicar. Tal resulta da recusa de aplicação de norma expressa na decisão recorrida, sendo esta a dimensão normativa cuja aplicação foi efetivamente recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei parlamentar e da tipicidade, consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2, do artigo 103.º, ambos da Constituição.

Os preceitos em causa têm o seguinte teor:

«2 - O montante da taxa anual devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais, a que alude o n.º 2 do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, é calculado com base no valor dos rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais relativa ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação da taxa, de acordo com os escalões indicados na tabela seguinte:

[tabela]

3 - O valor da percentagem contributiva t2, resultante da aplicação da fórmula para o escalão 2, é fixado anualmente por deliberação do conselho de administração do ICP-ANACOM, a qual é publicitada no seu sítio da Internet, após apuramento e divulgação dos custos (gastos) administrativos (C (ano n)) e do montante total de rendimentos relevantes das empresas abrangidas pelo escalão 2 (å R2 (Ano n-1)).»

Por seu turno, a redação do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, que serviu de base legal ao Anexo IX da Portaria revista, é a seguinte:

«Artigo 44.º

Taxas

1 - Estão sujeitos ao pagamento de taxa:

a) A emissão, alteração e renovação da licença;

b) A emissão da declaração comprovativa da inscrição do prestador no registo dos prestadores de serviços postais;

c) O averbamento à declaração;

d) A substituição da licença ou declaração, em caso de extravio.

2 - Todos os prestadores de serviços postais estão sujeitos ao pagamento de taxas anuais pelo exercício da atividade.

3 - Os montantes das taxas referidas nos números anteriores são fixados por portaria do membro do Governo responsável pela área das comunicações, em função dos custos associados às tarefas administrativas, técnicas e operacionais relacionadas com as atividades de regulação, supervisão e fiscalização correspondentes, constituindo receita do ICP-ANACOM.

4 - Para efeitos do número anterior, as taxas anuais previstas no n.º 2 são suportadas pelos prestadores de serviços postais tendo por base os custos decorrentes da regulação, supervisão e fiscalização das suas atividades.»

5. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, sempre que a questão colocada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade possa ser considerada «simples, designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal», pode o relator proferir decisão sumária.

A questão suscitada nos presentes autos é idêntica à que foi apreciada por este Tribunal no Acórdão n.º 152/2022, da 3.ª secção, cuja posição foi recentemente reiterada no Acórdão n.º 754/2022, da 2.ª Secção.

No Acórdão n.º 152/2022, da 3.ª Secção, estando em causa um ato de liquidação da taxa anual de prestação de serviços postais relativa ao ano de 2016, foram julgadas inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, as normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação da Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no “escalão 2”, com os seguintes fundamentos:

«10. A primeira questão a que cabe dar resposta diz respeito à natureza da TRP.

Considerado o disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, o tributo aparenta reunir os elementos característicos de uma contribuição financeira a favor da ANACOM, apesar de o legislador ter optado pela designação de «taxa» anual pelo exercício da atividade. No entanto, analisado o regime do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, o Tribunal a quo concluiu tratar-se de um verdadeiro «imposto, ainda que oculto».

Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, a questão da natureza de um concreto tributo só pode ser esclarecida através a análise do respetivo regime jurídico, sendo para este efeito irrelevante a designação ou qualificação expressa do tributo como «taxa» ou contrapartida pela prestação de um determinado serviço (neste sentido, v. os Acórdãos n.os 365/2008, 539/2015, 848/2017, 344/2019 e 268/2021).

Ora, ao contrário do que sucede com as «taxas» a que se refere o n.º 1 do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, o facto gerador da TRP não é nenhuma prestação administrativa individualizável, mas sim o conjunto de prestações associadas às atividades de regulação, supervisão e fiscalização das atividades de prestação de serviços postais. É o que resulta dos n.ºs 3 e 4 do artigo 44.º da lei que cria o tributo ao qual, segundo o n.º 2, estão sujeitos todos os prestadores de serviços postais que exerçam as atividades reguladas e fiscalizadas. Porém, e como adiante se verá, o n.º 2 do Anexo IX da Portaria reduz o universo de sujeitos passivos, ao isentar do pagamento do tributo todos os operadores que, no ano anterior àquele em que a TRP é devida, não demonstrem ter rendimentos relevantes diretamente conexos com a atividade de serviços postais superiores a 250.000 € (duzentos e cinquenta mil euros).

No que respeita à incidência objetiva, os tributos a suportar por estes operadores devem, nos termos do n.º 4 do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, ter por base os custos decorrentes da regulação, supervisão e fiscalização das suas atividades, incluindo-se aí os «custos associados às tarefas administrativas, técnicas e operacionais» (v. o n.º 3). O modo como é apurado o montante total de custos a considerar foi, também, objeto de desenvolvimento no Anexo IX da Portaria, constando do Preâmbulo da Portaria n.º 296-A/2013 o seguinte esclarecimento:

«Quanto à taxa referente ao exercício da atividade de prestador de serviços postais, determina-se que o montante total de custos a considerar para apuramento desta taxa em cada ano corresponde ao respetivo valor médio nos três últimos exercícios (sem provisões para processos judiciais) adicionado do valor médio das provisões para processos judiciais no setor postal nos cinco últimos exercícios. Este método permite evitar flutuações acentuadas de taxas por via de alterações dos custos, preservando os princípios da previsibilidade e da transparência.»

Segundo o n.º 3 do Anexo IX, os custos a considerar, apurados segundo este método e com base na contabilidade, são objeto de divulgação anual. O valor da taxa a suportar por cada um dos prestadores de serviços postais não é, todavia, o resultado de uma simples operação de divisão dos custos assim apurados pelo número de operadores autorizados a exercer a atividade regulada. No Anexo IX, seguindo o modelo adotado para o cálculo da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (v. o artigo 105.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, e o Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008), optou-se por estabelecer uma diferenciação entre operadores em função dos «rendimentos relevantes» apresentados, além da já mencionada isenção dos prestadores de serviços com rendimentos inferiores a 250.000 €. Esta opção é justificada no Preâmbulo da Portaria n.º 296-A/2013, nos seguintes termos:

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