Acórdão nº 179/19.8T8GRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução23 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 179/19.8T8GRD.C1.S1 Revista 81/23 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou processo emergente de acidente de trabalho contra Liberty Seguros, SA, e Gualdim Anciães Amado § Filhos, Lda, alegando, em suma, que sofreu um acidente de trabalho, na sequência da queda num poço de 7 metros, tendo ficado com a mão entalada num tubo de PVC, o que lhe provocou incapacidade para o trabalho, e peticionando o seguinte: 1) ser a 1.a Ré condenada a pagar-lhe a quantia que se encontra em dívida pela indemnização pela incapacidade temporária absoluta, no período compreendido entre 20 de Julho de 2019 e 30 de Janeiro de 2019, no montante de € 1.361,51; subsidiariamente, ser a 2.a Ré condenada a pagar-lhe a referida quantia de € 1.361,51 a título de indemnização pela ITA; 2) ser a 1.a Ré condenada a pagar-lhe pensão anual e vitalícia no montante de € 6.324,83, a partir de 31 de Janeiro de 2019; subsidiariamente, ambas as Rés condenadas a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia indicada na proporção das suas responsabilidades, em função da responsabilidade transferida; 3) ser a 1.a Ré condenada a pagar-lhe as despesas com deslocações, no montante de € 106,08; 4) ser a 1.a Ré condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, das quantias indemnizatórias e devidas desde as datas dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento.

Frustrada a conciliação das partes, a Ré- seguradora contestou imputando a responsabilidade pela produção do sinistro à Ré- empregadora por violação de regras de segurança e refutando o montante da remuneração transferido.

A Ré- empregadora também contestou e respondeu à contestação da seguradora, rejeitando a sua responsabilidade pela ocorrência do sinistro e sustentando ter a sua responsabilidade para aquela totalmente transferida.

O Instituto da Segurança Social IP deduziu, contra as Rés, pedido de reembolso das prestações de segurança social pagas ao autor.

Foi realizada audiência final.

O Tribunal de 1a Instância, em 24.07.2022, proferiu sentença, na qual decidiu o seguinte: “IV. Decisão Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada e o pedido de reembolso procedente, por provado, e, em consequência, decide o Tribunal em: A) Declarar que o acidente em causa nos autos é acidente de trabalho; B) Declarar que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da Ré Gualdim Anciães Amado & Filhos, Lda; C) Condenar a ré Gualdim Anciães Amado & Filhos, Lda, a pagar, a título principal, ao autor AA: 1. A pensão anual e vitalícia de 6.324,83 euros (seis mil trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e três cêntimos), com início em 31 de Janeiro de 2019, paga adiantada e mensalmente até ao 3o dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor unitário de 1/14 da pensão anual, pagos, respectivamente nos meses de Junho e Novembro, acrescido de juros de mora desde o dia 31 de Janeiro de 2019; 2. O montante de 1.351,61 euros (mil trezentos e cinquenta e um euros e sessenta e um cêntimo), a título de indemnização por incapacidades temporárias em falta, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde 20 de Julho de 2018; 3. A quantia de 106,08 euros (cento e seis euros e oito cêntimos) a título de despesas de transportes, acrescida de juros de mora.

  1. Condenar a ré Gualdim Anciães Amado & Filhos, Lda a pagar a título de reembolso ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia global de 1.423,80 euros (mil quatrocentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal em vigor, contados desde a citação; E) Condenar a ré Liberty Seguros, S.A. a pagar a título subsidiário ao autor AA: 1. A pensão anual e vitalícia 6.324,83 euros (seis mil trezentos e vinte e quatro euros e oitenta e três cêntimos), com início em 31 de Janeiro de 2019 e juros de mora, à taxa legal; 2. O montante de 1.351,61 euros (mil trezentos e cinquenta e um euros e sessenta e um cêntimo), a título de indemnização por incapacidades temporárias em falta, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde 20 de Julho de 2018; 3. A quantia de 106,08 euros (cento e seis euros e oito cêntimos) a título de despesas de transportes, acrescida de juros de mora.

  2. Condenar a Ré Gualdim Anciães Amado & Filhos, Lda no pagamento das custas do processo.”.

A Ré empregadora interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 13.12.2022, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto 1 e improcedente a apelação.

A Ré empregadora interpôs recurso de revista excepcional.

Tal recurso foi admitido por acórdão da Formação a que se refere o no 3 do artigo 672.o do Código de Processo Civil.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1. Existe dupla conforme quando a Relação confirma, sem voto de vencido e com base em fundamentação substancialmente idêntica à decisão da 1a instância.

2. A dupla conformidade exige, assim, que a questão crucial para o resultado declarado tenha sido objeto de duas decisões “conformes”.

3. TAL NÃO OCORRE, nos casos em que o Acórdão da Relação viola normas de direito adjetivo e substantivo no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1a instância, consequentemente aplicando e subsumindo mal essa matéria na lei, nomeadamente, nos termos das als. a), b) e c), do artigo 672o, do C.P.C.

4. Efetivamente, em tais circunstâncias, ainda que simultaneamente a Relação tenha confirmado a decisão recorrida no que respeita à matéria de direito, na dúvida se tal situação poderá ou não consubstanciar uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto e aplicado o direito ao caso, é legítima a presente Revista Excecional, como infra se exporá e demonstrará.

Posto isto, 5. Começaremos pelos interesses de relevância social a salvaguardar, requisito ínsito na al. b), do artigo 672o, do C.P.C.: 6. A jurisprudência tem entendido como interesses de relevância social, situações associadas a uma prática reiterada, aliás, obrigatória por lei, e até consagradas na nossa Lei Fundamental, como sejam as de a Entidade Empregadora (tomador do seguro), a qual é conhecida e aceite pela Seguradora, de por via de uma apólice de acidentes de trabalho, “cobrir” a atividade dos trabalhadores ao serviço daquela.

7. No cumprimento estrito de tal dever, a Recorrente, contratou com a Seguradora, uma apólice para tal efeito, como é sabido e consabido, sem possibilidade de negociar tais cláusulas. Apenas, através de uma análise apriorística, têm as Entidades Empregadoras de escolher de entre o leque de ofertas das Seguradoras existentes no mercado, aquela que, basicamente, oferece as melhores condições de preço.

8. Tal seguro, com sinais nos autos, visa a proteção infortunísticas dos trabalhadores da Recorrente com vista à sua ressarcibilidade em caso de ocorrência de sinistro.

9. Vai perpassando a ideia na sociedade, peregrina, de que é “normal” em caso de sinistro terem as companhias seguradoras o hábito de declinarem a assunção das responsabilidades em caso de acidente, cujas circunstâncias elas próprias circunscrevem nas condições gerais e particulares das respetivas apólices, diga-se até, de forma pensada, e por isso de porta aberta às suas interpretações contratuais, não raras vezes, determinando que os lesados não sejam ressarcidos.

10. Seja porque as Entidades Empregadoras não têm capacidade para pagar a ressarbilidade dos sinistros aos seus trabalhadores, que ao terem de o fazer poderá até determinar o seu decesso ou, seja porque as Seguradoras pura e simplesmente lutam e esgrimem argumentos até às últimas instâncias possíveis, tantas e tantas vezes dilatoriamente, com vista a protelar o pagamento desses danos.

11. A contratação de um seguro de acidentes de trabalho, é assim obrigatório por lei, porque protege interesses (bens jurídicos) de relevância social, uma vez que se estendem, além dos sinistrados, aos seus familiares diretos.

12. Não é despiciendo o facto de num agregado familiar, o único “ganha pão” sofrer um sinistro, e recorrendo a juízo para ser ressarcido, ver que a responsabilidade infortunísticas da sua Entidade Empregadora, está contratada, válida e eficaz e que, a apólice cobre ou teria de cobrir a ressarcibilidade de tais custos, e esta não o faz.

13. In casu, não o fez, porque, entre o mais, foram várias as teses trazidas pela Co- Ré Companhia de Seguros para recriar o sinistro: 14. Desde logo, alegou que o vencimento do trabalhador não estava, pelo menos, integralmente, a coberto da apólice e, quando viu que esta tese não vingava; 15. Avançou que o sinistrado fora colocado no talude do poço por ordens expressas da Entidade Empregadora, o que foi negado perentoriamente pelo próprio sinistrado e, quando percebeu que tal tese não vingava; 16. Avançou com a tese de que o sinistrado deveria estar ancorado num ponto fixo e, quando percebeu que esta tese não vingava; 17. Avançou que o sinistrado não possuía instrumentos de segurança coletivos e individuais e, quando percebeu que esta tese foi destruída pelo próprio sinistrado e pela testemunha por si arrolada (perita); 18. Avançou que a Entidade Empregadora não ministrava formação aos seus mais de 60 trabalhadores e, quando percebeu que esta tese não vingava; 19. Avançou que a vala existente entre o exterior das manilhas do poço, deveria ter sido aterrada para evitar o sinistro, o que se veio a provar ser inexequível face à natureza dos trabalhos a executar, tese que também não vingou.

20. No fundo, a Co-Ré Companhia de Seguros avançou teses e factos meramente hipotéticos para atingir o desiderato da responsabilidade agravada da Entidade Empregadora, o que aliás conseguiu, ludibriando o foco no nexo causal, o qual inexiste, como já se viu.

21. Ora, compete aos Tribunais, em primeira linha apurar se a Seguradora, deve ao não pagar os danos ao...

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