Acórdão nº 02168/16.5BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução22 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A..., LDA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAN), de 20 de janeiro de 2022, que concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo ESTADO PORTUGUÊS da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, de 6 de janeiro de 2020, que o condenou a pagar à Recorrente a quantia de 168.238,74€ a título de «indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da demora do processo n°1056/04.2TBcTX e a quantia de 30.000,00€ por danos morais, com fundamento na sua responsabilidade por violação do direito da autora a obter justiça em prazo razoável.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1- São as seguintes questões trazidas à apreciação deste Venerando Supremo Tribunal: a) Quando da matéria de facto provada numa ação administrativa de responsabilidade civil resulte que o Estado num determinado processo judicial violou o direito das partes à justiça em prazo razoável e o Tribunal determine o número de dias que excederam esse prazo razoável, calculando assim o atraso verificado, devem ser retirados a esses dias de atraso 1.095 dias (três anos). Ou seja, se um atraso na concessão de justiça, embora ilícito, inferior a três anos não constitui o Estado na obrigação de indemnizar o lesado? Ou, o prazo razoável deve consistir, conforme jurisprudência abundante e transcrita no acórdão recorrido, exatamente em três anos na primeira instância, respondendo o Estado por todo o tempo que exceder esses três anos? b) Num processo judicial que seja apensado a uma ação de insolvência por força do disposto no artigo 85º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o Estado deixa de responder pelo atraso ilícito no seu andamento processual enquanto se mantiver apensado? c) No âmbito das diligências para citação de um Réu que sejam acometidas a um agente de execução o Estado deixa de responder por qualquer atraso que ocorra mesmo que o mesmo Estado não cumpra deveres legais de controlo sobre a actividade do agente de execução que ele próprio nomeou? d) Quantum indemnizatório por danos morais causados a uma pessoa colectiva? 2- Todas estas questões dizem respeito aos pressupostos da responsabilidade civil dos entes públicos – a ilicitude e o dano –, têm indiscutivelmente grande relevância jurídica e social e são de importância fundamental.

    3- É claramente necessária a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema por razões de Justiça e boa aplicação do direito.

    4- Encontram-se preenchidos os requisitos dos quais o artigo 150º, nº 1 do C.P.T.A. faz depender a admissibilidade do presente recurso de revista.

    5- O acórdão do qual se recorre não se pronunciou sobre uma questão que lhe foi colocada nas conclusões das alegações da recorrente – saber se o Tribunal recorrido havia julgado bem ao decidir que a totalidade dos danos provados não poderiam ser atendíveis por extravasavam o pedido da A.

    6- Nos termos do artigo 615º, nº 1, al.d) do C.P.C. a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar e nos termos do artigo 608º, nº 2 do C.P.C. o Tribunal deve pronunciar-se sobre as questões que lhe tenham sido submetidas.

    7- O douto acórdão recorrido é nulo, na parte respectiva, por violação do artigo 608º, nº 2 do C.P.C. o que deve ser declarado.

    8- O montante da indemnização atribuído à Recorrente pelo Tribunal de 1ª instância a título de danos morais deverá ser mantido.

    9- O Réu é responsável, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, pelas acções ou omissões dos Agentes de Execução que violem o direito do cidadão a uma decisão judicial em prazo razoável, no âmbito da incumbência que lhe atribuiu de proceder à citação por contacto pessoal dos Réus, regida pelo artigo 231º do Cód. Proc. Civil.

    10- A Actuação dos Agentes de Execução no âmbito das diligências de citação dos Réus tem características diferentes daquelas que se verificam no processo de execução, nomeadamente porque quando se seguem à devolução da carta registada enviada ao Réu para o efeito não são escolhidos pelas partes e não podem ser substituídos por estas.

    11- Na acção n.º 1056/04.2TBCTX, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo o Agente de Execução designado pelo Tribunal para proceder à citação pessoal do Réu AA teve um período de um ano, sete meses e vinte e seis dias para o fazer sem o conseguir.

    12- Ao contrário do decidido nas instâncias algum deste tempo em que o processo aguardou a citação do Réu para prosseguir os seus termos deve ser considerado como atraso imputável ao Estado.

    13- Considerando, por critérios de razoabilidade e com alguma boa vontade, que o tempo para proceder à citação não deverá ultrapassar quatro meses, pelo menos 390 dias devem ser imputados, a título de atraso, à Administração da Justiça.

    14- Independentemente, do regime de responsabilização dos Srs. Agentes de Execução, a secretaria do Tribunal não deu cumprimento às suas obrigações legais previstas no artigo 226º, nºs 2 do C.P.C. (preceito igual ao que vigorava à altura) sendo responsável por parte da demora da citação e consequente atraso na concessão de justiça em tempo razoável.

    15- Com efeito, a Secretaria aguardou entre 19 de Janeiro de 2005 e 10 de Maio de 2005, que o sr. Agente respondesse ao seu pedido de informação sobre a diligência sem que tivesse aberto conclusão ao Mº Juiz para que este pudesse tomar as medidas que ao caso cabiam.

    16- No dia 24 de Maio de 2005 é o Agente de execução notificado para proceder à citação em morada indicada pela ali A. e só volvidos mais de cinco meses, em 04 de Novembro, pede informação ao Agente de Execução sobre a realização da diligência.

    17- Só em 23 de Março de 2006, passados mais de cento e trinta dias, foi aberta conclusão na qual foi despachado pelo Mº Juiz notificar o Agente sob cominação de multa e perante o silêncio deste só em 3 de Maio de 2006 foi decidido condená-lo em multa.

    18- A passividade do Tribunal com a conduta negligente do Agente de Execução ao não o condenar mais cedo e ao não o substituir, que resulta à saciedade dos factos provados, deu causa ao atraso do processo e faz incorrer o Estado em responsabilidade civil extra contratual por violação do dever de prestar justiça em tempo razoável.

    19- Os processos que são apensados a um de insolvência nos termos do artigo 85º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas devem ser processados de forma mais célere e por isso o artigo 9º, nº 1 do referido Código estipula que têm carácter urgente e gozam de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.

    20- Assim, desde o momento em que foi determinada a apensação do processo n.º 1056/04.2TBCTX ao processo n.º 103/07.0TBCTX, e até à data da remessa dos mesmos a administração da justiça, ou seja, o Réu Estado, continuou com disponibilidade sobre a tramitação do referido processo.

    21- O processo não é apensado para estar parado a aguardar o desfecho do processo de insolvência e o Magistrado responsável deve promover os actos que se mostrem necessários, de acordo com a Lei, para obter a sua rápida conclusão.

    22- A causa de pedir do presente pedido de indemnização não é o atraso da tramitação do processo de insolvência, mas sim do processo de impugnação pauliana que por virtude da Lei foi apensado àquele. A apensação não obsta a que o Tribunal administrativo aprecie, para efeitos de cômputo do atraso, a tramitação do processo apensado.

    23- A apensação em nada impedia, antes pelo contrário dada a urgência que passou a ter e que antes não tinha, que a tramitação do processo n.º 1056/04.2TBCTX se processasse com a normalidade desejada.

    24- Assim, o período decorrido entre 12 de Junho de 2008 e 15 de Fevereiro de 2011, sem que o processo tenha sido objecto de qualquer acto ou movimento, tem de ser imputado à Administração da Justiça, para efeitos de cômputo do atraso verificado no processo n.º 1056/04.2TBCTX. O atraso a imputar ao Réu foi de 983 dias.

    25- A ilicitude não emerge da ultrapassagem do prazo de três anos de atraso imputável à Administração da Justiça, como defendem as instâncias. A administração da Justiça não age ilicitamente apenas quando o atraso seja superior a três anos. Se o atraso for de dois anos e onze meses continua a ser considerado ilícito. Tudo o que ultrapasse o tempo considerado razoável é ilícito.

    26- À totalidade do tempo que em que consiste o atraso não podem ser retirados mil e noventa e cinco dias que passam a ser lícitos, como fizeram as instâncias, pelo que o atraso a imputar ao Estado é o que foi apurado de 1639 dias, sem prejuízo do resto de tempo de atraso conforme aqui se pugna.

    27- O tempo considerado razoável pelo TEDH para que uma acção judicial tenha sentença em primeira instância é de três anos, salvo situações excepcionais.

    28- A acção nº 1056/04.2TBCTX do Tribunal da Comarca do Cartaxo não era complexa, não tinha muitas partes, durante o seu decurso não existiram incidentes e a prova consistia apenas em documentos e cinco testemunhas, pelo que nada justifica que tivesse demorado mais do que os três anos considerados razoáveis para a sua conclusão.

    29- Todo o tempo que excedeu os três anos de duração deve ser considerado como tempo de atraso imputável ao Estado Réu e pelo qual ele responde pelos prejuízos que esse atraso causou.

    30- Seguindo o raciocínio seguida nas instâncias e procedendo à alteração das suas premissas de acordo com o que aqui se defende, teríamos: - Ao atraso injustificado na conclusão do processo em violação do direito da A. a obter justiça em prazo razoável que a douta sentença fixou em 544 dias deveriam ser aditados 390 dias correspondentes ao atraso na citação do ali Réu AA, 985 dias correspondentes ao período em que o processo esteve apensado à acção de insolvência sem ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT