Acórdão nº 017/23.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório AA e BB, melhor identificados nos autos, notificados da Decisão Arbitral proferida no Processo 411/2022-T, datada de 09-01-2023, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na versão actualizada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 735/2020-T, de 27/07/2021 (processo eleito entre os três inicialmente apresentados como fundamento) também do CAAD, estando em causa a divergência no que se reporta à interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 52.º do CIRS.
Inconformados, os recorrentes AA e BB formularam alegações, que terminaram com as seguintes conclusões: A. A questão fundamental de direito na decisão arbitral recorrida é a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 52.º do CIRS – que conforme veremos mais adiante, existem, pelo menos, três decisões do CAAD sobre a mesma questão fundamental de direito em sentido diverso da decisão arbitral recorrida.
-
De acordo com o n.º 2 do artigo 25.º do RJAT e n.º 1 do artigo 152.º do CPTA, nos 4 processos em causa – a decisão recorrida mais 3 decisões fundamento – estamos perante a mesma questão fundamental de direito que é a aplicação do disposto no artigo 52.º do CIRS, sendo que as 3 (três) decisões fundamento estão em manifesta contradição com a decisão recorrida, motivo pelo qual, deve ser admitido o presente recurso, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT e n.º 1 do artigo 152.º do CPTA C. Na decisão recorrida, a Recorrida decidiu, após um procedimento inspectivo, corrigir a liquidação de IRS dos Recorrentes, alegando existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real.
-
No que concerne à factualidade, importa ter em consideração que os Recorrentes alienaram as 4.463 acções da ..., em 26.12.2018, pelo valor de € 5.000,00.
-
A Recorrida invoca três métodos de avaliação, cujos resultados são diferentes entre si, sem nunca afirmar, então, sendo as divergências fundadas qual foi afinal o valor real da transmissão, invertendo assim o ónus da prova, forçando a que os Recorrentes provem o facto negativo da inexistência de divergências.
-
A Recorrida no processo em crise, não procedeu a diligências instrutórias complementares para poder fundamentar/provar as divergências, isto é, podia ter pedido o levantamento do sigilo bancário para fundamentar/provar o que alegou.
-
Não está em causa quantos métodos de avaliação são utilizados mas sim as diligências destinadas a comprovar as divergências apontadas na utilização dos diferentes métodos de avaliação.
-
No processo n.º 812/2019-T (doc. ...), estávamos perante um contrato de compra e venda de acções, o que também sucedeu no processo aqui em crise, como o valor de alienação das acções foi o valor nominal, enquanto no processo em crise, o valor de venda de cada acção foi 12 cêntimos superior ao valor nominal, ou seja, a factualidade é bastante idêntica.
I. No processo n.º 812/2019-T (doc. ...), a Recorrida utilizou a avaliação pelo método do Balanço, o que também se verificou no caso em crise, motivo pelo qual, as factualidades são idênticas e a Recorrida não trouxe elementos adicionais de prova, conforme resulta da decisão fundamento.
-
Face ao exposto, estamos perante factualidades bastante idênticas entre a decisão recorrida e a decisão fundamento constante do processo n.º 812/2019-T e, por conseguinte, encontra-se preenchido o n.º 2 do artigo 25.º do RJAT conjugado com o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, motivo pelo qual, deve ser admitido o presente recurso.
-
Mas mais, no processo n.º 323/2020-T (doc. ...), estávamos perante um contrato de compra e venda de acções, o que também sucedeu no processo aqui em crise.
L. No processo n.º 323/2020-T, o valor de alienação das acções foi o valor nominal, enquanto no processo em crise, o valor de venda de cada acção foi 12 cêntimos superior ao valor nominal, ou seja, a factualidade é bastante idêntica e a Recorrida utilizou a avaliação pelo método do Balanço, o que também se verificou no caso em crise, motivo pelo qual, as factualidades são idênticas.
-
Face ao exposto, estamos perante factualidades bastante idênticas entre a decisão recorrida e a decisão fundamento constante do processo n.º 323/2020-T e, por conseguinte, encontra-se preenchido o n.º 2 do artigo 25.º do RJAT conjugado com o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, motivo pelo qual, deve ser admitido o presente recurso.
-
No processo n.º 735/2020-T (doc. ...), estávamos perante um contrato de compra e venda de acções, o que também sucedeu no processo aqui em crise e o valor de alienação das acções foi o valor nominal, enquanto no processo em crise, o valor de venda de cada acção foi 12 cêntimos superior ao valor nominal, ou seja, a factualidade é bastante idêntica.
-
No processo n.º 735/2020-T (doc. ...), a Recorrida utilizou a avaliação pelo método do Balanço, o que também se verificou no caso em crise, motivo pelo qual, as factualidades são idênticas.
-
Em 4 casos, a Recorrida, com os mesmos factos e com a mesma conduta, viu as liquidações ser anuladas por serem ilegais, motivo pelo qual, por uma questão de certeza, de segurança jurídica e de licitude da conduta da Recorrida, importa que o presente recurso seja admitido, por estarem reunidos todos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT e n.º 2 do artigo 152.º do CPTA.
-
Antes do mais, contrariamente ao versado na decisão arbitral para demonstrar que os acórdãos fundamento não se aplicam à mesma situação de facto, cumpre referir o seguinte.
-
No processo n.º 812/2019-T (também aqui decisão fundamento) consta que “no entendimento deste Tribunal, considera-se que a AT não tem base jurídica para fundamentar a existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão ao ter tomado como critério, além do mais único, aquele que, nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 52.º do Código do IRS, serve de base à presunção do valor de realização, ou seja, ao adoptar como critério o «último balanço».” S. Porém, a decisão arbitral para tentar fugir ao que é o entendimento de toda a jurisprudência do CAAD tentar alegar que no caso em concreto, a Recorrida promoveu avaliação do último balanço, do EBITDA e do Imposto do Selo – o que não ocorreu no acórdão fundamento.
-
Pois bem, deveria o julgador-árbitro ter continuado a ler o parágrafo seguinte ao que transcreveu da decisão arbitral no processo n.º 812/2019-T, isto é, consta da referida decisão “caberia à Requerida promover as diligências que considerasse adequadas para confirmação da divergência apontada, designadamente à junção ao processo dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros associados à operação entre comprador e vendedores, ainda que, para o efeito, a AT necessitasse de se socorrer do procedimento de abertura do sigilo bancário; a audição, por escrito, do adquirente, sobre os termos e condições em que realizou o negócio; a análise das contas da sociedade cujo capital as ações alienadas representavam, visando a verificação da existência de créditos ou de débitos dos vendedores sobre a sociedade e que, por via da alienação das ações, estivessem a ser transferidos para o adquirentes, sem que o respetivo valor se refletisse no preço.” U. Da mesma forma decidiu-se nas decisões arbitrais nos processos n.º 735/2020-T e 323/2020-T.
V. Assim, independentemente do método escolhido para quantificar o valor das acções (n.ºs 2 e 3 do artigo 52.º do CIRS) é fundamental cumprir o primeiro requisito que é fundamentar e provar (com meios de prova concretos e palpáveis) a existência de divergência (n.º 1 do artigo 52.º do CIRS), motivo pelo qual, a decisão arbitral recorrida em nada é diferente das decisões fundamento.
-
A alienação das participações sociais e respectivo contrato encontram-se registados na contabilidade, pelo que gozam de presunção de veracidade, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária e, por conseguinte, o relatório a Recorrida não ilidiu a referida presunção, cujo ónus lhe competia, conforme veremos nos acórdãos fundamento do presente recurso.
X. Aqui, andou mal a decisão arbitral recorrida ao impor aos Recorrentes a inversão do ónus da prova, isto é, forçando que estes fizessem a prova do facto negativo de inexistência de divergências.
-
Logo, andou mal a Recorrida, como andou mal a decisão arbitral ao ter admitido, ilicitamente, a inversão do ónus da prova, exigindo aos Recorrentes a prova negativa da inexistência de divergência, motivo pelo qual, deve a decisão arbitral recorrida ser revogada e substituída por outra que anule a liquidação controvertida, pois neste sentido já existiram, pelo menos, três decisões do CAAD em sentido favorável aos Recorrentes.
-
São três as decisões transitadas em julgado em manifesta oposição arbitral, em igual matéria de facto e sobre a mesma questão fundamental de direito.
AA. Com efeito, concordando com a posição dos arestos citados, cumpria à Recorrida confirmar a divergência apontada, nomeadamente através de documentos complementares de prova, designadamente junção de documentos comprovativos dos fluxos financeiros associados à transmissão das participações sociais, mesmo que a Recorrida cujo capital as acções representavam por forma a visar a existência de créditos ou de débitos dos Recorrentes sobre a sociedade e, que por via dessa alienação, estivessem a ser transferidos para os adquirentes das participações sociais e sem que o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO