Acórdão nº 00404/22.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução02 de Junho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «AA», residente na Rua ..., ... Coimbra, instaurou processo cautelar contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Av. ..., ..., ... ..., pedindo que seja declarada a suspensão da eficácia do ato que determinou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por se encontrarem verificados os requisitos do art.º 120.º do CPTA.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em antecipação do juízo sobre a causa principal, foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões: A) De acordo com o n.° 2 do artigo 178.° da LTFP, prescreve o direito de instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico; B) Deste modo, em 29 de dezembro de 2020, facto dado como provado em 16) quando foi proferido o despacho a determinar a instauração do processo disciplinar, o exercício do direito já tinha caducado; C) Dado o recorrente estar a faltar Desde o dia .../.../2020, facto dado como provado em 13).

D) Em 24 de setembro de 2020, a Superior Hierárquica imediata oficializou comunicação ao recorrente, facto provado em 16) com decisão de existência de faltas injustificadas; E) Como também há havia oficializado em agosto de 2020, facto provado em 14).

F) Ou seja, a Diretora do Agrupamento deixou terminar o ano letivo de 2019/2020, permitiu-se iniciar o ano letivo de 2020/2021, e só no final do primeiro trimestre e já em período de férias de Natal é que deliberou instaurar processo disciplinar.

G) É consabido que a invocada prescrição do procedimento disciplinar assume a natureza de prazo de caducidade do exercício do direito dos órgãos com poderes disciplinares na tomada de decisão do procedimento que lhes compete instaurar.

H) Assim, sendo a caducidade do exercício deste direito de conhecimento oficioso, deverá ser objeto de pronúncia e ser positivamente decretada, conduzindo ao arquivamento do processo disciplinar em apreço.

I) Acresce que a passividade e a inércia do R. em agirem quanto à abertura de processo disciplinar é sinal de que a ausência do recorrente não foi vista como um comportamento de tal forma grave que pudesse sustentar a mais tarde propalada inviabilidade da manutenção da relação laboral.

J) Ainda que o Tribunal não possa em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida de poder disciplinar, apenas, podendo reservar a sua intervenção aos casos em que a sanção aplicada, revele erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção decidida e a falta cometida, neste caso as faltas injustificadas; K) Pode, contudo, no âmbito do erro grosseiro, o tribunal apreciar se houve violação do princípio de proporcionalidade (art. 266, n.° 2 da CRP), na medida em que este princípio necessariamente preside ao exercício de poderes discricionários da Administração, funcionando como seu limite interno (cfr. Ac. do STA de 20-10-1994, no Proc. n.° 032172).

L) Não se verificou um comportamento que atinja um grau de desvalor que quebre definitivamente a confiança que deve ligar o Trabalhador e o Serviço, neste caso uma qualquer escola, onde por força da movimentação dos professores fosse colocado.

M) O recorrente solicitou deferimento para a sua ausência, constando no seu primeiro pedido, conforme provado em 9): Assim sendo, certo que se encontra substituído na respetiva escola, de onde resulta que não ocorrerá qualquer perturbação de natureza científico-pedagógica e de continuidade de docência quanto aos alunos de educação especial que acompanharia, 8.º - Assim, ao abrigo do disposto no artigo 107.º do estatuto da carreira docente e tendo em conta o disposto na portaria n.º 281/2012 de 14 de setembro, requer a Vossa Excelência a título vincadamente excecional que seja deferido o seu pedido de licença de longa duração por 3 anos com início no dia 1 de janeiro de 2020 e termo em 31 de agosto de 2022” (cfr. doc. de fls. 93 do processo administrativo).

N) Pelo que ficou provado que anteriormente à ausência, o recorrente comunicou, tomou diligencias e partiu convicto de que a sua licença sem vencimento seria deferida.

O) Assim, atento o contexto em que o docente se ausentou, a sua própria circunstância de vida e a sua inserção numa Ordem religiosa à qual também deve obediência, os sucessivos pedidos que efetuou para a sua ausência, o facto de ausentado para uma missão que foi considerada naquele momento como necessária; P) O facto de o ano letivo ter decorrido sem perturbação, a ausência do professor não ter motivado a contratação de outro professor, deveriam ter sido fatores a ponderar quer pelo Ministério da Educação, quer pelo próprio Tribunal, como indícios de que não se preencheu o conceito de inviabilização da relação laboral, ao que acresce não ter ficada provada a inidoneidade do recorrente para o exercício de funções docentes.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso proceder e ser declarada a caducidade do direito de exercer o processo disciplinar, por violação do n.º 2 do artigo 178.º da LTFP com a consequência de arquivamento; Caso assim não se entenda, ser declarada ilegal a sanção disciplinar de despedimento por violação do princípio da proporcionalidade.

O Requerido juntou contra-alegações e concluiu: A. O recurso interposto tem efeito meramente devolutivo, e não suspensivo, nos termos do art.° 121.° n.° 2 do CPTA, uma vez que a sentença em apreço se trata da antecipação do juízo da causa principal, de acordo com o art.° 121.° n.° 1 do CPTA.

B. Em sede de procedimento disciplinar, foram dados como provados 640 dias de faltas injustificadas, de 08.01.2020 até 08.10.2021, dos quais 359 dias no ano civil de 2020, e 281 dias no ano civil de 2021, violando os deveres gerais de assiduidade, de prossecução do interesse público, zelo e lealdade.

C. O recorrente encontrava-se mesmo ainda nessa situação de faltas injustificadas quando o despacho de instauração do procedimento disciplinar foi exarado, e mesmo para além dessa data, nada se tendo alterado desde que deixou de justificar as faltas.

D. Encontrava-se, assim, a incorrer em infração continuada, uma vez que estamos perante a verificação da pluralidade de atos singulares unificados pela mesma disposição exterior das circunstâncias, considerando a aplicação do disposto no art.° 30.° n.° 2 do Código Penal.

E. O que implica que que só com a cessação da infração continuada, neste caso a ausência injustificada ao serviço, tem lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.

F. Pelo que carece de fundamento qualquer alegação de prescrição da instauração de procedimento disciplinar, uma vez que o recorrente pretende agora ignorar que se encontrava em situação de faltas injustificadas por mais de dois anos, em infração continuada, factos que confirmou ao logo de todo o procedimento.

G. O recorrente pretende fazer-se valer apenas da data de início das suas faltas injustificadas para contar os prazos de instauração do procedimento disciplinar, o que é manifestamente improcedente, uma vez que permanecia em infração continuada.

H. Mesmo que assim não se entenda, o que desde já se contesta, o regime da nulidade do art.° 203.° n.° 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas atesta as nulidades supridas quando não sejam objeto de reclamação pelo trabalhador até à decisão final, no caso em concreto, até ao despacho do Sr. Ministro com o despedimento disciplinar.

I. Até essa data, e de resto, até este presente recurso, nada foi invocado nesse sentido, pelo mesmo que se considerasse qualquer nulidade, ela considerar-se-ia suprida nos termos da lei.

J. Considerando que este regime especial de nulidade suplanta o regime geral do CPA, não estamos perante qualquer nulidade de conhecimento oficioso, em virtude do seu suprimento.

K. Pelo que o recorrente vem agora apresentar, apenas em sede de recurso, um pedido que não tinha feito na Petição Inicial e por isso não apreciado pela sentença do tribunal a quo, nomeadamente um pedido de arquivamento do procedimento disciplinar pela sua caducidade.

L. Vem agora fazer esse novo pedido em violação do princípio do pedido e princípio dispositivo, pelo que também por esses motivos o Réu entende que não deve ser procedente.

M. Não houve qualquer erro de julgamento na sentença recorrida, uma vez que resulta dos factos apreciados em sede de procedimento disciplinar que estes consubstanciam circunstâncias impeditivas de manutenção do vínculo de trabalho público e um desrespeito profundo pelo serviço onde o ora recorrente se inseria, o que deve impedir o desempenho destas mesmas funções, nos termos da lei, salvo respetiva reabilitação.

N. A atividade missionária que foi desempenhar, em abandono total e injustificado das suas funções docentes, nunca obteve qualquer deferimento por parte da entidade competente (Direção-Geral da Administração Escolar) para atribuir licença sem vencimento.

O. Não sendo de qualquer forma relevante o carácter optativo da disciplina que lecionava para qualificação da infração nem tal poderá servir de atenuante à medida disciplinar aplicada.

P. O docente recorrente lesou a comunidade educativa, prejudicando os alunos e restantes docentes que tiveram sobrecarga de trabalho, efeitos que poderia ter previsto muito tempo antes de ter começado a dar faltas injustificadas.

Q. Que a sua conduta se demonstrou objetivamente incompatível com a manutenção do seu exercício de funções, conduzindo a uma evidente insegurança no ambiente escolar e académico, já que se permitiria que se mantivesse em funções alguém que demonstrou um elevado e sério grau de indiferença e de desinteresse pelas funções que estava incumbido de desempenhar.

R. Pelo que existem condições objetivas que inviabilizam a relação funcional, pela ausência injustificada e prolongada que o ora recorrente teve relativamente ao serviço...

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