Acórdão nº 00748/14.2BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | Paulo Ferreira de Magalhães |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO [SCom01...] S.A, Co-Ré na acção intentada por «AA», inconformada com a decisão do TAF do Porto proferida em sede de audiência prévia, pela qual as Rés [SCom02...] S.A e [SCom03...], S.A. [todas devidamente identificadas nos autos, com anterior denominação social], foram absolvidas da instância, inconformada, veio interpor recurso de Apelação.
* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES 1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida na audiência prévia, de absolvição da instância das seguradoras [SCom02...] S.A e [SCom04...] S.A.
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Na sobredita decisão o tribunal a quo entendeu que as seguradoras são partes ilegítimas na medida em que, tratando-se de seguros de natureza facultativa, as seguradoras apenas poderiam intervir na causa enquanto intervenientes acessórias e não a título principal e que, não tendo sido chamadas pelas RR. seguradas, devem ser absolvidas da instância.
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Fundamentou para o efeito que não estando em causa a possibilidade de demanda direta das seguradoras nem a existência de negociações entre estas e o lesado que pudessem justificar a sua intervenção a título principal, impõe-se a sua absolvição da instância por serem partes ilegítimas.
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A legitimidade processual afere-se pela forma como o autor configura a sua causa de pedir e respetivo pedido (arts. 9.º, n.º 1, 2ª parte e 10.º, n.º 1, do CPTA e art.º 30.º, n.º 3, do CPC). De modo que a legitimidade do réu se confere pelo interesse direto que tem em contradizer, traduzindo-se este no prejuízo que dessa procedência advenha.
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Assim, na falta de indicação da lei em contrário, os titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade são os sujeitos da relação controvertida, tal como a configura o autor - artº 30º, nos 1, 2 e 3 do CPC.
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Por conseguinte, para efeitos de aferição da legitimidade processual, ativa ou passiva, releva apenas a forma como o autor configura a sua pretensão, quer quanto ao objeto, quer quanto aos sujeitos da relação material controvertida, sendo, para este efeito, irrelevante se, a final, se vier a verificar que um daqueles sujeitos nunca teria, à luz do direito material, qualquer interesse substantivo relevante.
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No caso em apreço, foi alegada a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo celebrado entre as 2.ª e 5.ª RR e entre as 3.ª e 4.ª RR, respetivamente.
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O A. demandou os alegados “lesantes” (segurados) e também, diretamente, as respetivas seguradoras, porquanto após ter apresentado a sua reclamação de danos, lhe foi comunicada pelas RR. seguradas a existência de contratos de seguro e identificação das respetivas seguradoras para as quais tinham transferido a sua responsabilidade civil, na sequência do que foram então estabelecidos contactos (ainda que através da administração de condomínio) tendo em vista, com razão ou sem ela, o ressarcimento dos alegados danos.
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O tribunal recorrido afastou linearmente a situação contemplada no n.º 3 da Lei do Contrato de Seguro (RJCS), aprovada pelo Decreto-Lei no 72/2008, de 16 de Abril, por entender que “… de acordo com as disposições que se encontram previstas nos artigos 1430.º e seguintes do Código Civil, a administração de condomínio não dispõe de legitimidade para prosseguir e tutelar interesses pessoais e individuais de cada um dos condóminos, e da exclusiva esfera patrimonial destes, mas apenas aqueles interesses que digam respeito às partes comuns de um imóvel constituído em propriedade horizontal”, para assim concluir que não tendo a administração de condomínio legitimidade para intervir em representação do A., soçobra a legitimidade processual das seguradoras.
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Ora, salvo o devido respeito, no caso sub judice não está em causa a aferição (também) da legitimidade processual ou de representação da administração de condomínio, porquanto no caso dos autos e tendo em consideração que o evento causador dos danos afetou todos os veículos que se encontravam estacionados nas garagens dos edifícios (e não apenas o veículo do aqui Autor), a administração de condomínio encetou efetivamente contactos com todas as seguradoras, tendo em vista a resolução conjunta de todas as situações, fazendo-o por uma questão de economia de gestão.
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Para o caso em apreço, não interessa aferir se na esfera de atuação de uma administração de condomínio está ou não prevista a possibilidade de esta representar apenas o condomínio enquanto universalidade das partes comuns do edifício, ou se age também em representação dos próprios condóminos em situações desta natureza. O que interessa é antes apurar se, bem ou mal, efetivamente o fez.
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E, por conseguinte, deve ser considerada integrada a previsão do n.º 3 do art.º 140º do RJCS, ainda que a representação do A. tenha sido efetuada por terceiro, sendo irrelevante para esse efeito aferir da conformidade legal dos poderes de representação desse terceiro.
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Por outro lado, é evidente que a aqui Recorrente tem todo o interesse que a seguradora para a qual transferiu o risco da sua atividade esteja presente nos presentes autos a fim de, também ela, se poder defender e a decisão que a final vier a ser proferida possa produzir efeitos também quanto a ela, por razões óbvias de economia processual.
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Sendo evidente que a única razão pela qual a aqui Recorrente não requereu a intervenção acessória provocada da sua seguradora foi pelo facto de a mesma já estar a ser diretamente demandada pelo A. ab initio a título principal, e ainda, subsidiariamente, a título acessório.
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A intervenção principal provocada encontra o seu âmbito definido no art.º 316.º do CPC, do qual resulta que é admissível quando qualquer das partes queira chamar a juízo um interessado com direito a intervir na causa (litisconsórcio necessário ou voluntário), seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
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Ora, tendo as seguradoras sido chamadas diretamente pelo A. a título principal e estando a possibilidade de deduzir o chamamento pelas RR. limitada à fase dos articulados (art.º 322.º CPC) e, por outro lado, tendo a decisão de absolvição da instância das seguradoras sido proferida (apenas) em sede de audiência prévia, de forma totalmente “desprevenida”, vê-se agora a Recorrente na contingência de não poder nesta fase processual chamar a sua seguradora à demanda, não podendo assim alargar os efeitos do caso julgado à seguradora para a qual transferiu a responsabilidade civil extracontratual da sua atividade.
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De resto, e salvo o devido respeito, ao invés de ter absolvido da instância as seguradoras, o que o tribunal a quo deveria ter feito era, atento o dever de gestão processual, consagrado no artº 7.º-A, n.º 2 do CPTA e os princípios da cooperação processual, gestão inicial do processo e da adequação formal, estabelecido nos arts 7º, 590º e 547º, todos do CPC, ter ordenado a intervenção das seguradoras a título acessório ou, pelo menos, ter convidado as RR. seguradas a pronunciar-se sobre o seu interesse processual.
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Para tanto bastaria, previamente à prolação da decisão objeto deste recurso, ter convidado as partes a pronunciar-se sobre o propósito ou não de estas exercerem o direito previsto no art.º 322.º do CPC, tendo em consideração as circunstâncias concretas deste caso.
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Por conseguinte, tendo a. demandado as seguradoras a título principal, com as quais, previamente à instauração da ação, encetou negociações através da administração de condomínio, devem as mesmas ser consideradas partes legitimas na ação.
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Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os art.º 143.º, n.º 3 do Decreto-Lei no 72/2008, de 16 de Abril, arts. 316.º e 322.º do CPC e arts. 10º e 12º do CPTA.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere as RR. seguradoras partes legítimas na ação.
Assim decidindo, como é de lei, Vossas Excelências farão inteira e costumada JUSTIÇA.” ** A Recorrida [SCom02...], S.A. apresentou Contra Alegações, tendo a final enunciado as conclusões que para aqui se extraem como segue: “CONCLUSÕES: 1. Analisada a douta petição inicial constata-se que apenas foi alegado que por contrato de seguro celebrado entre a 3ª R. e a 4ª R., aquela transferiu para esta a sua responsabilidade civil emergente da obra em causa, pelo que a Companhia de Seguros é parte legítima nos presentes autos, uma vez que tem interesse direto em contradizer, face ao facto de ser igualmente responsável pelo pagamento da indemnização devida ao A.
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O contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a recorrente e a ora recorrida é de natureza facultativa, o que é aceite pela apelante.
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No âmbito do seguro facultativo, ao invés do que sucede no seguro obrigatório, o terceiro lesado não pode, em princípio, demandar diretamente a seguradora, o que apenas ocorrerá nas situações previstas no artigo 140.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
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No n.º 2 remete-se para a previsão contratual a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora; no n.º 3, tal possibilidade depende de o segurado ter informado da existência do contrato de seguro e de no seguimento dessa informação o lesado tenha iniciado negociações diretas com a seguradora.
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O contrato de seguro foi junto aos autos pela aqui recorrida e dele resulta não estar prevista a possibilidade de propositura da ação diretamente pelo lesado, tal como foi reconhecido na douta sentença recorrida.
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O autor apenas invoca a existência do contrato de seguro, pelo que a sua alegação é manifestamente insuficiente para preencher a factualidade necessária à aplicação do artigo 140.º, nº 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
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Não tendo sido alegado que a recorrente tenha informado o...
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