Acórdão nº 0314/21.6BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Junho de 2023

Data15 Junho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO AA, devidamente identificado nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF) a presente acção administrativa contra a ORDEM DOS MÉDICOS, doravante OM, com vista à impugnação da decisão do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, de 27 de Outubro de 2020, que lhe aplicou a pena disciplinar de 30 dias de suspensão, ao abrigo do disposto no artº 64º do EOM [Lei nº 117/2015 de 31.08], pedindo seja: “- declarado prescrito o procedimento disciplinar instaurado ao A. quanto aos actos praticados em 5 de Maio de 2016 e, em consequência, declarar-se a anulação da decisão do Conselho Superior da Ordem dos Médicos de 27 de Outubro de 2020; ou, quando assim se não entenda, - declarada anulável a decisão do Conselho Superior da Ordem dos Médicos de 27 de Outubro de 2020, que aplicou ao ora A. a pena de suspensão por 30 dias, por falta dos pressupostos legais; ou, quando assim se não entenda, - alterada aquela sanção aplicada para mera advertência.”*O TAF de Sintra por decisão datada de 2 de Março de 2022, com fundamento na prescrição do procedimento disciplinar, julgou procedente a presente acção e, em consequência, anulou o acto impugnado de 27/10/2020.

*Inconformada, a OM interpôs recurso jurisdicional de apelação para o TCA SUL tendo este, por acórdão proferido a 2 de Novembro de 2022, concedido provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, julgando improcedente a presente acção, e, absolvendo o réu do pedido.

*É desta decisão que o recorrente AA, inconformado, vem interpor o presente recurso de revista, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «I.

Trata-se de uma questão controversa como resulta, desde logo, pelo facto de terem existido, no mesmo processo, decisões contraditórias do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e do Tribunal Central Administrativo Sul, II.

E de relevância jurídica e social, porque põe em causa a hermenêutica jurídica, a hierarquia normativa e princípios e garantias constitucionais.

III.

O prazo prescricional do procedimento disciplinar não é uma questão que diga respeito apenas ao recorrente e a este processo, mas interessa a todos os trabalhadores a quem seja ou venha a ser instaurado procedimento disciplinar e pode, mesmo, criar alarme social.

IV.

O prazo prescricional do procedimento disciplinar reveste-se de importância fundamental para todos os trabalhadores e a sua definição por este Supremo Tribunal torna-se necessária para uma melhor aplicação do direito, de acordo com princípios e garantias constitucionais.

V.

Conforme o A. alegou e não foi contrariado, quando o A. renovou a sua cédula profissional, em 20/06/2016, comunicou à Ordem dos Médicos o seu novo domicílio na Rua ..., ..., ..., ... ....

VI.

E nunca indicou qualquer endereço de correio eletrónico para notificações, conforme alegou e não foi contrariado.

VII.

Só em 3/09/2019 o A. tomou conhecimento do processo disciplinar que lhe foi instaurado.

VIII.

Os factos em causa ocorreram em 5 de Maio de 2016 e foram participados à Ordem dos Médicos em 03/08/2016 e cuja participação foi por esta recebida em 17/08/2016.

IX.

O n.º 5 do art.º 6.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos dispõe que: “O procedimento disciplinar também prescreve se, desde o conhecimento pelo órgão competente para a instauração do mesmo ou desde a participação efetuada nos termos do nº 1 do artigo 11º, não se iniciar o procedimento disciplinar competente no prazo de um ano.” X.

E, o n.º 8 do art.º 6.º/RD esclarece que: “O prazo de prescrição do procedimento disciplinar, referido nos n.ºs 1 e 5, interrompe-se com a notificação ao arguido: a) Da instauração do procedimento disciplinar; b) Da acusação.” XI.

Quando o A. foi notificado para a morada indicada à Ordem dos Médicos, na Rua ..., já tinha decorrido há muito o prazo prescricional de um ano, nos termos das citadas disposições do RD.

XII.

Por outro lado, o procedimento disciplinar iniciou-se no dia 17/08/2016, tendo sido proferida deliberação pelo Conselho Disciplinar ..., no dia de 07/01/2020, a condenar o arguido a uma pena de 30 dias de suspensão e o Acórdão final comunicado ao arguido em 06/11/2020.

XIII.

O nº 5 do artº 178.º LTFP estabelece perentoriamente que: “O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.” XIV.

Trata-se naturalmente de uma norma procedimental de garantia do trabalhador.

XV.

E, não estando prevista expressamente no Regulamento Disciplinar da O.M., aplicam-se, como direito subsidiário, as normas procedimentais da LTFP, conforme estatuído no art.º 13º do RD/OM.

XVI.

Sublinha-se, ainda, que, nos termos do art.º 11º, nº 1 da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, que aprovou a LTFP: “O regime disciplinar previsto na LTFP é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da entrada em vigor da presente lei, quando se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa.”.

XVII.

Acresce que, nos termos do art.º 3.º al. i) da LTFP, constituem normas bases definidoras do regime e âmbito do vínculo do emprego público: i) Os artigos 176.º a 240.º, sobre o exercício do poder disciplinar; XVIII.

Assim, qualquer interpretação do art.º 6.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos que não aplique subsidiariamente o prazo de prescrição do procedimento disciplinar previsto no n.º 5 da LTFP é inconstitucional por violação do art.º 112º, nº 3 da Constituição.

XIX.

Não faria qualquer sentido que o n.º 5 do art.º 6.º do Regulamento Disciplinar da O.M. estabelecesse um prazo curto de um ano para a instauração do procedimento disciplinar e, depois, a mesma norma, permitisse que o processo disciplinar se pudesse prolongar por sete anos e meio! XX.

Tanto mais que, nos termos do art. 205º, nº 4 da LTFP, o procedimento disciplinar é urgente.

XXI.

O prazo prescricional de 18 meses do procedimento disciplinar é aplicável no Regime Disciplinar da O.M., não só por se tratar de uma lei de valor reforçado, como por aplicação subsidiária, nos termos do art.º 13º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos.

XXII.

Por conseguinte, a decisão final foi proferida 4 anos depois da instauração do procedimento disciplinar! Portanto, muito depois de decorridos os 18 meses previstos no nº 5 do art.º 178º na LTFP.

XXIII.

O douto Acórdão recorrido, após elencar a matéria de facto, limita-se a transcrever, para fundamentar a sua decisão, o douto Acórdão do STA de 16/12/2021, que julgou inaplicável subsidiariamente o nº 5 do art.º 178º da LTFP, por entender que não havia lacuna no Regulamento Disciplinar da O.M.

XXIV.

Mas, o referido Acórdão foi uma decisão marginal, numa providência cautelar vez que as questões suscitadas no referido Acórdão eram as seguintes, citando: “Porém é possível enunciar as questões a conhecer no âmbito do presente recurso, que aqui vêm alegadas como erros de julgamento, da seguinte forma: i) erro quanto ao efeito atribuído ao recurso; ii) erro na apreciação das nulidades apontadas à sentença; iii) erro no que concerne à verificação dos requisitos do artigo 120.º do CPTA, em especial, a decisão quanto à não verificação de fumus boni iuris.”.

XXV.

E, trata-se, naturalmente, de uma análise “perfunctória” do fumus boni juris, num procedimento cautelar, como o próprio acórdão reconhece.

XXVI.

Não obstante se encontrar ínsito no mesmo preceito do Regulamento Disciplinar da O.M., o limite máximo da interrupção da prescrição, tem natureza diferente dos prazos de prescrição, que, aliás, no Código Penal, constam de preceito distinto (art.º 118º).

XXVII.

Uma coisa são os prazos de “prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar” (art.º 178º/LTFP), outra, os “limites máximos de interrupção da prescrição”.

XXVIII.

E, o que é facto é que o Regulamento Disciplinar da O.M. não contém nenhuma norma sobre o prazo máximo da duração do procedimento disciplinar, ao contrário do que se verifica no citado art.º 178, nº 5 da LTFP.

XXIX.

Em suma, o presente procedimento disciplinar prescreveu por força do art.º 6º, nº 5 do R.D. da OM, como, também, por aplicação subsidiária do nº 5 do art.º 178º da LTFP.

XXX.

Acresce que a interpretação do art.º 6º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos, que não aplique subsidiariamente o prazo de prescrição do procedimento disciplinar previsto no nº 5 da LTFP, é inconstitucional por violação do art.º 112º, nº 3 da Constituição.»*A recorrida apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões: «I.

O recurso de revista apresentado não deve ser admitido por não cumprir os pressupostos constantes do nº 1, do artigo 150º do CPTA, porquanto: a.

O facto do entendimento da primeira instância ter sido revogado pela segunda instância não é fundamento atendível para justificar o uso ao recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, tanto mais que, se tal fosse o caso, este meio processual que, apesar de ordinário, é excecional, seria banalizado, o que claramente não foi a intenção do legislador.

b.

Inexiste relevância jurídica e social que sustente a admissão das alegações de recurso apresentadas pelo autor, uma vez que, trata-se de uma questão jurídica, sem grande divergência jurisprudencial, tanto mais que o Recorrente não identifica nenhuma decisão em que a jurisprudência tenha subscrito a sua tese.

c.

A presente questão jurídica não é susceptível de gerar qualquer tipo de alarme social, na medida em que é uma questão extremamente delimitada no âmbito de aplicação, na medida em que se trata da prescrição aplicável apenas no regulamento disciplinar da ordem dos médicos, não sendo, como refere o Recorrente, uma questão que interesse “(…) a todos os trabalhadores a quem seja ou venha a ser instaurado procedimento disciplinar”.

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