Acórdão nº 1194/22.0T8MMN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No recurso de contra-ordenação que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Évora - Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo, J2 - com o número supra indicado, AA que havia sido condenada, por decisão de 19-08-2022, pela Câmara Municipal de Vendas Novas, pela prática, de 1 (uma) contraordenação prevista no artigo 30.º e 34.º do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas - RSDAMVN - Regulamento n.º 350/2012, de 9/8), punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma e ainda nas custas do processo (processo n.º 30/2021), impugnou judicialmente a decisão invocando: - Adquiriu a residência em 1993 ou 1994, já com o contador de água instalado; - Nos últimos anos deixou de residir na casa apenas indo a Vendas Novas de vez em quando, habitualmente ao fim de semana, fazendo curtas visitas; - Só em 2021 é que a arguida voltou a residir regularmente na sua casa de Vendas Novas; - Nas suas ausências, a casa estava desabitada, estando fora de questão a arguida ou alguém da sua família ter manipulado o contador.
Interposto recurso e verificando-se a existência de uma alteração não substancial dos factos deu-se cumprimento ao disposto nos artigos 358.º, n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Penal ex vi artigo 41.º do RGCO nada tendo sido requerido quanto à alteração prosseguindo os autos.
Realizada a audiência de julgamento, veio o tribunal recorrido a decidir – por sentença de 09-01-2023 - julgar improcedente o recurso de impugnação interposto pela recorrente AA, e, em conformidade, condenar a recorrente AA, pela prática de 1 (uma) contraordenação prevista e punida pelo disposto nos artigos 30.º e 34.º do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas - RSDAMVN - Regulamento n.º 350/2012, de 9/8), punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma na coima de € 1500,00 (mil e quinhentos euros).
* Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso pedindo seja concedido provimento ao mesmo no sentido de revogar a decisão recorrida, com as seguintes conclusões: 1. As questões trazidas ao conhecimento deste Venerando Tribunal assentam essencialmente em erro notório na apreciação da prova, ao abrigo da al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
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De acordo com o disposto no n.º1 do art.º 124.º do CPP, “Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido…” 3. Por sua vez, dispõe o art.º 127.º do CPP, “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência…” 4. Neste caso, não foram considerados os factos juridicamente relevantes para a inexistência da contraordenação.
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Assim como a prova não foi apreciada segundo as regras da experiência.
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A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo foi o culminar de vários erros cometidos ab initio no processo administrativo, quer aquando da intervenção dos serviços da Câmara Municipal de Vendas Novas, quer na produção de prova após o recurso/impugnação judicial e, finalmente, na fase na apreciação da prova produzida em julgamento aquando da prolação da sentença.
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Foi sustentada em factos que não podem ser dados como provados, nem são relevantes ou suficientemente indiciários para levar a uma indubitável condenação.
Se não, vejamos: 8. Os factos relevantes remontam a 23 de setembro de 2021, quando o assistente operacional, BB, que desempenhava funções de canalizador, foi verificar o contador.
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Segundo aquele assistente operacional, o contador estava colocado a funcionar em sentido inverso ao do normal funcionamento, tendo sido por ele instalado, nesse momento, em sentido normal de funcionamento.
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Porém, não cuidou de mostrar a dita anormalidade a quem estava na habitação, nem a qualquer outra pessoa, efetuando a operação sem que a mesma fosse presenciada por alguém.
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Não efetuou qualquer teste, tendente a verificar se o contador estava a contar, uma vez que não pediu a ninguém para abrir torneiras no interior da habitação, de modo a confirmar tal facto.
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Também não comunicou previamente aos serviços de fiscalização da Câmara Municipal para fazerem a recolha da prova.
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Apenas relatou ao fiscal municipal, CC, aquilo que diz ter visto e feito no local da instalação do contador, quando regressou às instalações da Câmara Municipal, entregando-lhe a fotografia que consta na participação.
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A Câmara Municipal não retirou o contador, nem o submeteu a qualquer peritagem.
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No que respeita à manipulação do contador, não foram produzidas quaisquer provas que possam sustentar uma decisão condenatória.
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Tal como também não foi provado, que a instalação do contador em sentido inverso ao do seu normal funcionamento gerou contagem negativa e deturpação nos consumos favoráveis ao consumidor/utilizador.
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É das regras da experiência que a uma contagem negativa corresponde um valor inferior ao anteriormente contado.
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Pois se um contador de água for instalado ao contrário, conta, forçosamente ao contrário e esse registo não foi comprovado com números concretos.
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Nos mapas de consumo não há valores negativos das contagens.
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Os baixos consumos, ou ausência de consumo, não podem ser usados como prova a uma eventual manipulação do contador e muito menos quando a casa esteve vários anos desabitada, ocorrendo apenas visitas casuais.
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Apesar de não ter residido em permanência entre 2014 e 2021, a recorrente pagou sempre água.
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O aumento da contagem de água a partir de janeiro de 2022 deveu-se ao facto da recorrente ter passado a residir na habitação em questão com mais 3 filhos.
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O Tribunal a quo errou na apreciação da prova e fê-lo de forma notória na extensa motivação de facto, onde é evidente o realce dado às declarações das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e a relativa desvalorização das declarações das testemunhas apresentadas pela recorrente.
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Utiliza reiteradamente frases menos precisas, como, por exemplo, “interior da habitação”, referindo-se ao sítio onde está colocado o contador, dando a entender que o mesmo estava em local só acedido pelos residentes, quando ficou bem claro que estava dentro da propriedade, mas colocado no exterior da habitação.
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Da prova produzida não resulta, sem margem para dúvidas, que o contador foi manipulado pela recorrente ou por qualquer pessoa da sua família.
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Por essa razão, devia o Tribunal a quo ter absolvido a recorrente por falta de prova, admitindo-se, contudo, em face das circunstâncias, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Termos em que deve o presente recurso ter provimento e em consequência ser revogada a decisão, absolvendo-se a recorrente por falta de prova.
Caso assim não se entenda, deverá ser aplicado o princípio in dubio pro reo.
* O Digno Procurador da República respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, com as seguintes conclusões: 1. A sentença proferida no dia 09 de Janeiro de 2023, julgou improcedente o recurso de impugnação interposto, condenando a Recorrente pela prática de uma contraordenação, prevista pelo disposto nos artigos 30.º e 34.º, ambos do Regulamento do Serviço de Distribuição de Água do Município de Vendas Novas – RSDAMVN, Regulamento n.º 350/2012, de 09 de Agosto, e punível nos termos do artigo 65.º do mesmo diploma, na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
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A Recorrente invoca, como fundamento para o seu recurso, o erro notório na apreciação da prova, adindo, que, “apesar do n.º 1 do art.º 75º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, de acordo com o n.º 2 do art.º 410º do CPP, aplicável ex vi art.º 41º do referido Decreto-Lei, “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, designadamente, o “Erro notório na apreciação da prova”.” 3. De facto, de acordo com o artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, referido pela Recorrente, “(…) a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”, o que impossibilita, neste conspecto, o recurso, dito, amplo, da decisão sobre a matéria de facto.
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O Tribunal da Relação, face ao disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, pode ser confrontado, no âmbito contraordenacional, com os vícios e nulidades aí mencionados, contudo, a invocação de tais vícios não pode ser utilizada para, de forma encapotada, recorrer da decisão sobre a matéria de facto.
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Os vícios da sentença, enunciados no artigo 410.º, do Código de Processo Penal têm de se manifestar expressamente do texto da decisão recorrida, sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior à mesma (como sejam, por exemplo, quaisquer meios de prova carreados para os autos).
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A Recorrente AA limita-se a invocar o vício de erro notório na apreciação da prova, fazendo alusões abstractas ao conceito, sem, contudo, explicitar de que forma entende que, em concreto, o dito vício inquina a sentença recorrida 7. Constata-se, da leitura da motivação do recurso a que ora se responde, que a Recorrente não se atém ao texto da decisão recorrida, para demonstrar que, da mera leitura da mesma, resulta que o tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, como se impunha que fizesse, o que afasta liminarmente a existência do mencionado vício decisório.
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A Recorrente socorre-se da prova oralmente produzida em audiência, pelo que se conclui que, o que a Recorrente questiona, é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que fez do princípio da livre apreciação da mesma, o que lhe é vedado, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.
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Considera-se que há...
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