Acórdão nº 476/20.0PALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | JOÃO CARROLA |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.º Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.
No processo comum n.º 476/20.0PALGS do Juízo de Competência Genérica de Lagos, Comarca de Faro, foi submetido a julgamento o arguido aa depois de ter sido acusado da prática, em autoria material, um crime de tráfico de produto estupefaciente, de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, alínea a), ex vi do art.º 21º, n.º 1, ambos, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa.
Realizada a audiência, foi decidido, na parte agora relevante: “l. Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, alínea a), ex vi do art.º 21º, n.º 1, ambos, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela 1-C, anexa anexa, na pena de dois anos e três meses de prisão.” Dessa decisão condenatória veio o arguido interpor recurso, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “ - Por sentença proferida nos autos, o recorrente foi condenado pela prática do crime de Tráfico de Estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo Art. 25°, alínea a), ex vi do Art.º 21º, n. 1, ambos, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I anexa do art. 21.º n.º 1 do Código Penal na oena de dois anos e três meses de prisão.
- No humilde parecer do recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter aplicado uma pena de prisão até 2 anos, suspensa na sua execução.
- Atendendo ao tipo de actos praticados pelo recorrente, que apreciados em face da graduação e gravidade não revestem grau máximo (pouco expressiva … consideravelmente diminuta …).
-Também, ao facto de, no humilde entendimento do recorrente, o Tribunal “a quo” não ter tomado em consideração todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a seu favor, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal e as circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, nos termos do disposto no artigo 72.º do Código Penal.
- Assim, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 72.º do Código Penal.
- Pois, fez prevalecer, de forma absoluta, a finalidade de retribuição, sobre a finalidade de ressocialização do recorrente.
- Sendo que, a referida pena ultrapassa a medida da culpa, - Não tendo sido tomadas em consideração todas as referidas circunstâncias de supra - Depois do ao ano de 2020, não são conhecidos quaisquer outros actos ilícitos, da mesma ou de outra natureza, que tenham sido perpetrados pelo recorrente; - Desde 2020, mantém o recorrente boa conduta; - A dinâmica relacional na família constituída é avaliada como satisfatória, com sentido de entreajuda nos aspectos mais funcionais da vida doméstica.
- No humilde parecer do ora recorrente, a pena aplicada (dois anos e três meses) (atendendo aos critérios subjacentes à determinação da medida da pena)) deveria ter sido suspensa; - Os factos reportam-se Agosto de 2020, portanto há quase 3 anos; - O arguido encontra-se desempregado, mas está integrado, aufere rendimento social de inserção, no montante de seiscentos e quarenta euros mensais.
- Mora com quatro filhos e a companheira, em casa camarária.
- Encontram se reunidas condições para execução da pena em meio livre, como alias sempre estiveram, nomeadamente desde a constituição de arguido, e no decorrer da pendência dos autos.
- Face ao exposto, o recorrente entende que a aplicação de uma pena de prisão até 2 (cinco) anos, suspensa na sua execução, é mais ajustada e equilibrada dando deste modo resposta às necessidades de prevenção geral e às exigências de prevenção especial ressocializadora.
- Pelo que, deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que aplique ao recorrente uma pena de prisão até 2 (DOIS) anos, suspensa na sua execução, por ser proporcional às finalidades de prevenção geral e especial das penas, sendo, portanto, a mais adequada e fiel ao espírito e letra dos normativos dos artigos 40.º, 71.º e 72.º do Código Penal.” A este recurso veio responder o M.º P.º, resposta em que conclui: “- 1. O recurso interposto tem por objecto a sentença proferida nos autos em referência que condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, al. a), ex vi do art.º 21º, nº 1 ambos do D.L. nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa na pena de dois anos e três meses de prisão.
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O arguido recorreu da decisão condenatória, em síntese, impugnando a decisão, por um lado no que concerne à medida da pena, considerando-a excessiva, entendendo que o tribunal a quo deveria ter fixado uma pena de prisão até dois anos, e por lado deveria ter aplicado a suspensão da execução da pena de prisão.
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A culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio dos quais se há-de construir o modelo de medida da pena, sendo estes dois vectores temperados com as demais circunstâncias que rodearam o crime e que estão exemplificativamente enunciadas no nº 2 do referido art. 71º que nos hão-de dar a medida da pena, sendo certo que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
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In casu, o arguido conta no seu registo criminal com 9 condenações, 3 das quais da natureza do crime em apreço, na verdade se atentarmos à condenação sofrida no âmbito do Processo 285/16.0PALGS, verificamos que foi a prisão suspensa na sua execução, tendo contudo, o arguido voltado a incorrer na prática do mesmo ilícito, pelo que se considera que a condenação não se lhe serviu de advertência, não tendo o mesmo interiorizado o carácter desvalioso da sua conduta.
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A culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto] (Figueiredo Dias - Ob. Cit. 245).
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Assim, salvo melhor opinião, entendemos que o Tribunal a quo valorou todos os critérios explanados nos arts. 40º, nº 2, 71º e 72º, todos do CP, ao condenar o arguido na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, não devendo a mesma ser reduzida conforme pugna o recorrente.
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No que concerne à alegada suspensão da a execução da pena de prisão, entende o Ministério Público ser inteiramente justa e ajustada a opção pela não suspensão de execução da pena de prisão.
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Encontra-se preenchido o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão, porquanto foi o recorrente condenado numa pena de prisão não superior a cinco anos.
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A questão que se impõe é se se encontra preenchido o pressuposto material da aplicação desta pena substitutiva, ou seja, se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão. E a resposta só pode ser negativa, pois o recorrente já sofreu 9 condenações, cfr. resulta dos factos 11 a 19 dados como provados, sendo 3 pela prática de ilícitos da mesma natureza.
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A forma reiterada como têm vindo a praticar crimes da mesma natureza, e a por si demonstrada inoperância das diversas penas em que já foi condenado, penas de multa e penas de prisão, suspensas na sua execução e efectivas, são reveladores de uma personalidade refratária a uma normal convivência social e em respeito pelas normas de direito.
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Na verdade, o recorrente tem-se mostrado indiferente a todas as sanções que lhe foram aplicadas e malbaratou sistematicamente todas as oportunidades que lhe foram concedidas para, em liberdade, demonstrar que havia interiorizado a necessidade de observar as regras jurídicas que disciplinam a vivência em sociedade em geral.
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Entende o Ministério Público que bem andou o Tribunal a quo, ao concluir que “o arguido demonstrou-se incapaz de reconhecer em pleno a gravidade da sua conduta, persistindo na empreensão de comportamento proibido, não obstante haver já conhecido, por factos de igual natureza condenação com pena suspensa (…)”.
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A suspensão da execução de uma pena de prisão mesmo que sujeita a regime de conduta e prova, desacreditaria as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, não serviria os imperativos de prevenção geral e frustraria as finalidades da punição.
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Assim, atenta as exigências de prevenção geral e especial, não...
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