Acórdão nº 49/21.0JAEVR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução06 de Junho de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo comum n.º 49/21.0JAEVRdo Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Comarca de Évora, o arguido AA veio recorrer do despacho de que indeferiu o pedido de realização de perícia médico-legal, na área de psiquiatria forense, do próprio recorrente.

Apresentou motivação da qual extraiu as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem como objeto, o despacho judicial que indeferiu o pedido de prova pericial colegial do recorrente, na área de psiquiatria, de modo a se poderem avaliar as características de personalidade do mesmo; em concreto, se padece de alguma patologia comportamental que justifique os factos constantes da acusação e se estamos no âmbito da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída.

  1. O tribunal recorrido fundamenta o despacho recorrido no merecimento dos autos que o arguido apresentou na contestação, i.e., que quanto às diligências probatórias requeridas, o recorrente nada veio fundamentar que permitisse aferir da substância material do requerido.

  2. O Tribunal recorrido fundamenta tal indeferimento com a opinião do Professor Doutor Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque que no seu Código de Processo Penal comentado à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de referir que “Com a contestação o arguido pode juntar o “rol de testemunhas” e a lista das demais provas, isto é, os meios de prova e de obtenção de prova cuja produção ou exame são requeridos e os factos que através deles se espera provar. Com efeito, qualquer pedido de produção ou exame de meios de prova e de meios de obtenção de prova deve ser acompanhado da respetiva justificação, isto é, da indicação do facto que se pretende provar, para os efeitos do artigo 340.º, n.º 4.” 4. Ou ainda o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/11/2016, em que foi Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Dra. Maria Pilar de Oliveira, proc. n.º 204/14.9JAGRD.C1.

  3. O fundamento do indeferimento, apenas assenta num Código de Processo Penal anotado e de jurisprudência que não plasmam a situação do caso concreto, afastando a realização de prova mais que justificada perante o tipo de crime de que o arguido, aqui recorrente, vem acusado.

  4. Fundamenta o despacho recorrido, ou tenta fundamentar, o seu indeferimento com o facto de nada ser aduzido na contestação que permita ao Tribunal descortinar o desiderato prosseguido com a perícia, não se mostrando carreado para os autos qualquer elemento que permita suspeitar que o arguido padece de qualquer anomalia psíquica (nem este a invoca).

  5. Considera o despacho recorrido que não se descortina a razão para sustentar um juízo de necessidade de realização de uma perícia.

  6. O Recorrente discorda totalmente com os fundamentos dados no despacho recorrido.

  7. A bem da sua defesa, o arguido pode entender não querer explicitar na contestação os factos que pretende ver provados em sede de discussão e julgamento, não devendo, nem podendo ser prejudicado por isso até porque a contestação em processo-crime, nos termos do art.º 311-B do C.P.P. não está sujeita a formalidades especiais e a sua falta não importa a confissão dos factos.

  8. Tal não obsta a que o Tribunal deva diligenciar, para a descoberta da verdade, a realização das diligências necessárias à boa decisão da causa, estando assim adstrito ao preceituado no art.º 340.º do CPP.

  9. No direito processual penal do arguido, devem ser-lhe asseguradas as garantias de defesa com tutela constitucional – art.º 32.º da C.R.P., competindo-lhe decidir sobre a sua defesa, escolhendo como e quando se quer defender, se antecipando na contestação a sua posição sobre os factos da acusação, ou relegando-a para a audiência de julgamento.

  10. Nos termos do art.º 311-B do CPP, o recorrente requereu a prova que lhe permitirá ou poderá permitir demonstrar que a factualidade vertida na acusação não corresponde à realidade e para isso, requereu a audição das testemunhas.

  11. O arguido não pode ser coartado dos meios que entenda adequados à sua defesa, não podendo ser prejudicado pelo facto de ter apresentado uma contestação sem as formalidades especiais.

  12. Ao contrário do que refere o despacho recorrido, o recorrente justificou os motivos que estiveram na base do requerimento da “perícia médico-legal, na área da psiquiatria forense a realizar pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, com o objetivo de serem avaliadas as características da personalidade do mesmo e, em concreto, se porventura padece de alguma patologia comportamental que possa justificar os factos constantes da acusação e se se estaria no domínio da inimputabilidade ou de uma inimputabilidade diminuída.” Dos elementos constantes dos autos mostra-se indiciado o pressuposto da imprescindibilidade da realização de perícia para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio, na medida em que a “prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial” 15. O recorrente apresentou o conjunto de quesitos que pretenderia ver respondidos para se poder avaliar acerca da sua eventual inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída, concretizando os actos relativos á necessidade da realização da perícia, absolutamente essencial para a efetivação dos seus direitos de defesa e para a descoberta da verdade material e efetiva aplicação da justiça.

  13. O arguido cumpriu o ónus de especificar as questões que pretendia ver resolvidas com estas perícias e fê-lo quando apresentou os quesitos com o requerimento probatório na contestação 17. Estas evidências processuais não necessitam de ser alegadas especificadamente pelo arguido na contestação, resultando notoriamente dos autos a potencial existência de anomalia psíquica, ou, no mínimo, de uma afetada condição psíquica/psicológica do arguido que pode influir decisivamente nas suas ações, pois não é normal, para o homem médio, que um rapaz de 16/17 anos tenha qualquer interesse sexual por crianças de 8 ou 9 anos ou por rapazes de 13/14 anos. É aliás do senso comum.

  14. O requerimento de perícia consubstancia-se no n.º 1, do art.º 159.º do Cód. De Proc. Penal, uma vez que o recorrente, pretende ser sujeito a uma perícia médico-legal de modo a se poder determinar se o mesmo enferma de alguma patologia que o possa fazer-se considerar como inimputável ou com uma imputabilidade diminuída.

  15. O recorrente marcou consultas psiquiátricas, no sentido de se poder determinar se sofre de alguma patologia, ou se tem algum comportamento ou distúrbio a nível de personalidade que possa justificar alguns dos atos que vêm referidos na acusação, no entanto, por indisponibilidade de recursos humanos e de meios materiais, o estabelecimento prisional onde aquele se encontra preso preventivamente, nunca conseguiu permitir que o mesmo se deslocasse a essas consultas, o que o impediu de, na fase de inquérito de solicitar a intervenção do IMLCF.

  16. Com apresentação de contestação, decidiu o aqui recorrente não expor qualquer tipo de factualidade que viesse a contrariar os factos constantes da acusação, requerendo uma perícia médico-legal na área da psiquiatria (nos termos do art.º 159.º do CPP), bem como uma avaliação acerca da sua personalidade (nos termos do art.º 160.º do CPP).

  17. Existe uma diferença clara entre a perícia psiquiátrica médico-legal, prevista no art.º 159.º, n.º 6 do CPP, que serve o propósito de avaliar da existência de alguma causa patológica de inimputabilidade (art.º 20.º, n.º 1 do CP) ou inimputabilidade diminuída (art.º 20.º, n.º 2 do CP), quer para averiguar da passibilidade de culpa, quer relevando na determinação da medida da pena – e a perícia de personalidade, prevista no art.º 160.º do CPP – que tem como fito avaliar as características psíquicas independentes de causa patológica, bem como o grau de socialização.

  18. No caso concreto suscita-se a necessidade de averiguar tanto as características da personalidade do...

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