Acórdão nº 486/21.0GCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ GUERRA
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1.

… * 1.3.

Realizada a audiência de julgamento, … veio a ser proferida sentença, em 17.01.2022, na qual se decidiu: “ 3.2.

Condenar AA pela prática, em autoria material e forma consumada, e em concurso efetivo: de um crime de violência doméstica nos termos do disposto do art. 152.º, n.ºs 1 al. a) e n.º 2, al. a) Código Penal numa pena de 3 (três) anos de prisão um crime de violação em trato sucessivo, p. e p. nos termos do art. 164.º, n.º1 e n.º3 do CP, na pena de (dois) anos de prisão; Operar o cumulo jurídico condenado o arguido na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, ficando tal suspensão da execução da pena condicionada ao cumprimento das seguintes regras de conduta: o a) frequência de Programa para autores de crimes no contexto da Violência Doméstica (cfr. art. 2.º al. f) da Lei n.º 112/2009 de 16.09o qual constitui uma resposta estruturada dirigida a agressores de violência doméstica que visa promover a consciência e assunção da responsabilidade do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, com as seguintes componentes estratégicas: Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; Permitir o confronto do arguido com as suas ações e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências; Procurar o confronto do arguido com os eventuais problemas de que possa padecer, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar; Promover a consciência e assunção da responsabilidade do comportamento violento e impulsivo e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, devendo ainda o mesmo sujeitar-se, durante o período de suspensão de execução da pena a todas as ações deste género que a DGRSP lhe proponha; o b) durante 2 anos não contactar a ofendida, por qualquer meio, seja presencial, seja telefónico, via internet ou outro, não se deslocando à casa que a mesma habita, não podendo ainda frequentar cafés, restaurantes nem sedes de associações na ... (salvo restaurante da sua própria irmã) nem passar propositadamente em locais onde sabe que a mesma se encontra; aplicando-se ainda a pena acessória de proibição de uso e porte e arma por 2 anos.

3.2.

Condenar a arguida BB, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, nº1, als. x) e p)-ii), art. 3º, nº2, al. l), art. 2º, nº 3, als. p) e ac), 3º, nº1, art. 2º, nº1, al. ap) e art. 3º, nº 2, al. e), art. 2º, nº1, al. m) e 3º, nº2, al. ab), art. 3º, nº2, f), e art. 86º, nº1, als. c) e d), do Regime Jurídico das Armas na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), num total de € 2.000,00 (dois mil euros); 3.3.

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por CC parcialmente procedente por parcialmente provado, condenando AA no pagamento à demandante de indemnização que se fixa em €6.000,00 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora civis, à taxa legal de 4% desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento; 3.4.

Declaro as armas apreendidas perdidas a favor do Estado (art. 109.º do C.P.), devendo proceder-se, após trânsito, nos termos do art. 78.º da Lei n.º 5/2006 de 23.02.” * 2.

Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos AA e BB … 2.1.

Do recurso do arguido AA: “ 1. Foi o arguido condenado pelo crime de violência doméstica e violação em trato sucessivo.

… 3. Salvo o devido respeito, entende o recorrente que é errada a conformação jurídica da douta decisão que se baseia exclusivamente nas declarações de memória futura prestadas pela ofendida. Aliás, 4. No caso sub judice, inexiste fundamento para autonomizar os dois crimes em questão, punindo o recorrente pela sua prática já que a ofendida nas suas declarações para memória futura refere que muitas das vezes teve relações sexuais contra a sua vontade mas que havia relações Sexuais consentidas, mas que sobretudo quando o arguido a tinha tratado mal,(…), negava essas relações mas o arguido não tinha em conta a sua vontade dizia o que interessava era despeja-los… Refere que não resistia fisicamente, mas dizia que não e virava-se de costas mas o arguido não aceitava a sua recusa e ela desistia e estava ali nas relações sexuais… 5.

Por outro lado, e no que à “ofensa sexual” diz respeito, dada como provada, pela douta sentença recorrida, no caso sub judice, entende o recorrente que não praticou nenhuma ofensa sexual na pessoa da ofendida, já que as relações para si foram sempre consentidas. Assim, … 8. A ofensa sexual exige imputação a título de dolo, e para que se verifique o elemento intelectual do dolo é necessário que o recorrente (agente) tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática da cópula.

9. O que no caso em apreço, não se verificou, pese embora, o Tribunal “a quo” tenha irrelevado, nessa parte, as declarações do recorrente que : “ refere ter ocorrdo com o consentimento da vítima após sua insistência, vencendo uma relutância inicial da mesma”.

… … 12. Existe aqui, e é por demais evidente, uma grosseira, violação do princípio in “dúbio pro Reo”, como supra já se mencionou.

13. Estamos aqui, sem dúvida, perante uma errada decisão sobre a matéria de facto … … 18. No que tange ao crime de violência doméstica, sempre se diz que o arguido foi condenado por este crime apenas e só por apelidar a ofendida de puta, vaca, ovelha e por supostamente levar amantes para casa… … … 23. Mais uma vez e reitera-se não foi feita qualquer tipo de prova que permita concluir que foi o arguido autor do crime de violação e de violência doméstica.

24. Com a consequente condenação de não frequentar cafés, restaurantes nem sedes de Associações na ... durante dois anos.

25. Igualmente não se compreende tal limitação até porque a freguesia ... é das maiores do Distrito ..., não se compreendendo o alcance de tal medida, (completamente inconstitucional).

… * 2.2.

Do recurso da arguida BB: “… 3.

Entendeu o Tribunal classificar as armas em apreço em conformidade com o artigo 86º n.º 1 alíneas c) e d) do art. 86º, nº1, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, tendo a Meritíssima Juiz entendido ainda que a arguida deveria ser punida apenas por um crime, no caso em apreço o mais grave. No entanto, 4.

Salvo melhor opinião, o Tribunal classificou erradamente as armas detidas pela arguida … * 3.

A Exma. Procuradora da República na primeira instância respondeu aos recursos interpostos por ambos os arguidos … * 3.3.

Da resposta da assistente ao recurso interposto pelo arguido AA: … * 4.

Ambos os recursos foram admitidos.

* 5.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

* 6.

Cumprido o disposto no Art. 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta ao aludido parecer.

* 7.

Colhidos os vistos legais, os autos foram a conferência.

* II- Fundamentação A) Delimitação do objecto dos recursos … as questões a decidir nos presentes recursos são as seguintes: - Do recurso do arguido AA: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto; - O incorrecto enquadramento jurídico-penal relativamente aos crimes de violência doméstica e de violação e a infundamentada autonomização dos mesmos.

- A inconstitucionalidade da regra de conduta atinente a não frequentar cafés, restaurantes nem sedes de associações, na ... ( salvo restaurante da sua própria irmã ), durante 2 anos, imposta como condição à suspensão da execução da pena de prisão.

- Do recurso da arguida BB: - O incorrecto enquadramento jurídico-penal relativamente ao crime de detenção de arma proibida; - A excessiva medida da pena de multa aplicada.

* B) Da decisão recorrida Para a apreciação dos recursos, importa ter presente o que consta da decisão recorrida, que, na parte relativa à factualidade provada e não provada e à motivação, se passa a transcrever: a) Nela foram considerados provados e não provados os seguintes factos: “ 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Factos Provados … 1.

No dia 20/07/1974, CC casou com o arguido AA.

2. Deste casamento, nasceram três filhos, todos maiores de idade, a saber, DD, EE e FF, e um outro filho, que veio a falecer, com 4 meses de idade.

3.

CC sempre dependeu economicamente do arguido, o que a tornava mais dependente dele e frágil relativamente a ele.

4.

Desde há 38 anos, o casal passou a viver, juntamente com os filhos, na Rua ..., em ... (...).

5.

Poucos dias depois de casarem e diariamente, o arguido dirigia-se à vítima nos seguintes termos: “És uma puta, uma vaca, uma ovelha”; 6.

Durante todo o casamento, o arguido nunca respeitou a vítima e sempre lhe foi infiel, não se coibindo de trazer mulheres para o interior da residência comum do casal; 7. Nessas ocasiões, o arguido aproveitava-se da ausência de CC do interior da residência, para levar para casa as suas “amantes” para casa.

8.

No entanto, o arguido acusava a vítima de ter amantes e de andar a trair com outros homens, o que nunca sucedeu nem corresponde à verdade.

9.

Durante o casamento, por várias vezes, o arguido forçou CC a manter com ele relações sexuais de cópula completa, sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

10.

Nessas ocasiões, mesmo perante a recusa manifesta da mulher, o arguido deitava-se na cama ao lado dela, mesmo contra a sua vontade, colocava-se em cima dela e introduzia o pénis, tanto na vagina, como no ânus de CC.

11. Em consequência, CC sentiu dores e sentiu-se humilhada, escorrendo-lhes as lágrimas pelo rosto, fruto da humilhação e das dores que sentia.

12.

Em dezembro de 2019 (perto do natal), no interior da residência comum do casal, o arguido dirigiu-se a CC, nos seguintes termos: “És uma puta, uma vaca, uma cabra, uma ovelha ranhosa”; 13.

Em finais do ano de 2018, o arguido colocou CC para fora do quarto do casal, não a deixando dormir na cama de ambos, alegando que ela ressonava muito.

14.

Em...

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