Acórdão nº 112/22.0T8ALD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução30 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa, com processo comum (impugnação judicial de escritura de justificação notarial), contra BB e mulher, CC, também com os sinais dos autos, pedindo que: «

  1. Se considerem impugnados para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura de celebrada no dia 17.01.2022, por os Réus não terem adquirido o prédio nela identificado – art.º 1.º, 2.º e 3.º da P.I. – por usucapião.

  2. Se declare ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os Réus não possam através dela registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado (art.164) e objecto de impugnação.

  3. Se ordene o cancelamento do registo operados com base no documento aqui impugnado, nomeadamente a inscrição na Conservatória de Registo Predial e a inscrição do prédio na matriz a favor da Réus.

  4. Se declare que o prédio identificado na escritura de justificação e no art. 1.º, 2.º e 3.º da Petição Inicial, ainda por partilhar, pertence à herança aberta e ilíquida de DD e se condene os Réus a reconhecer esse direito e a abster-se de qualquer acto turbador desse exercício.

  5. Se condenem os Réus a pagar indemnização por danos não patrimoniais no valor de 3 500,00 €, e indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.».

    Para tanto, alegou, em síntese, que: - os factos que os RR. fizeram constar da aludida escritura de justificação notarial são falsos; - o imóvel ali identificado pertence à dita herança ilíquida e indivisa, posto que era propriedade de EE e FF – que o possuíam em vida –, avós do A., herança essa de que são herdeiras as três filhas (daquele casal), GG (cabeça de casal), mãe do aqui A., HH e II (cfr. art.º 12.º da petição); - o pai do A., JJ, falecido em 2009, e sua mãe, GG, pouco depois da morte de DD, concretamente no ano 1995, doaram verbalmente ao A. a parte do prédio que lhes cabia por herança, e os restantes herdeiros prometeram-lhe que o prédio lhe seria doado ou adjudicado por partilha (art.º 22.º da petição); - esta situação está a causar aborrecimentos, tristeza e preocupação ao A. e restantes herdeiros.

    Os RR. contestaram, invocando, quanto ao que importa ao recurso, verificar-se a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, para o que aduziram assim: - o A. alega que o prédio em causa, levado à justificação notarial, integra a herança indivisa deixada pelos seus avós, da qual são herdeiras as três identificadas filhas (GG, HH e II), motivo pelo qual, não sendo o A. herdeiro da herança deixada pelos seus avós, não é ele parte legítima; - ademais, o A. é parte ilegítima por litigar desacompanhado da herança e dos respetivos herdeiros, para além de existir falta de interesse em agir por parte daquele.

    No exercício do contraditório, o A. respondeu que é parte legítima e tem interesse em agir, pelos factos alegados na petição inicial, defendendo que o recurso à ação de impugnação da justificação notarial não está limitado a quem afirma ser proprietário do imóvel e invoca direito real em colisão, sendo reconhecido interesse em agir àqueles que invocam direito diverso do de propriedade ou outro direito real cujo exercício possa ser afetado.

    Sem realização de audiência prévia – por se considerar a matéria já debatida nos autos –, foi proferido saneador-sentença, conhecendo da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, âmbito em que foi proferida decisão com o seguinte teor: «Face ao exposto, julga-se procedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa invocada e, em consequência, decide-se ABSOLVER os réus da instância.».

    Inconformado, vem o A. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([1]): «1. O tribunal recorrido no despacho saneador proferiu decisão que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, invocada pelos Réus, e absolveu os Réus da Instância.

    1. Não atendeu o tribunal recorrido à matéria alegada pelo Autor.

    2. O Autor interpôs a presente acção peticionando que se declare ineficaz e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial, celebrada em 17.01.2022, por os Réus não terem adquirido o prédio urbano - inscrito na matriz sob o art. ...64.º da freguesia ..., concelho ... - nela identificado, por usucapião.

    3. Os Réus na Contestação que deduziram, admitiram que os factos que declararam na escritura de justificação não são verdadeiros, reconheceram que não adquiriram o prédio na data indicada na escritura mas, por compra verbal efectuada em Outubro de 2021; 5. Pelo que todos os intervenientes na escritura de justificação notarial celebrada, agindo de comum acordo, declararam falsamente factos não verdadeiros e cometeram o crime de falsas declarações.

    4. O Autor é parte legítima na presente acção como sempre afirmou nos seus articulados.

    5. Existe um interesse e direito do autor incompatível com o declarado na escritura de justificação.

    6. O Autor encontra-se impedido de utilizar o prédio, o que lhe causa dano, pelo que peticionou, também, a condenação dos Réus no pagamento de indemnização a seu favor.

    7. O prédio urbano identificado na Petição Inicial era propriedade dos seus avós DD (também conhecido por DD) e de FF.

    8. FF faleceu em .../.../1989.

    9. DD faleceu em .../.../1993.

    10. Os avós do Autor deixaram à sua morte três filhas: GG, mãe do Autor, HH e II.

    11. GG, casou canonicamente, sob o regime de comunhão geral, com JJ (pai do Autor) em 26 de Junho de 1957, conforme doc. 7 junto aos autos.

    12. O pai do Autor, JJ faleceu, depois dos seus avós, mais precisamente em .../.../2009, como foi referido pelo Autor e consta dos documentos juntos aos autos.

    13. Pelo que o Autor é herdeiro, por morte do pai, de 1/18 da herança dos avós, da qual faz parte o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ...64.º.

    14. Mesmo considerando que a doação verbal feita ao Autor pelos pais, da parte do prédio que lhes cabia por herança é nula, não deixa o Autor de ser herdeiro e de ter portanto legitimidade interesse para propor a presente acção e impugnar a escritura de justificação celebrada pelos Réus.

    15. Com a morte do pai, JJ, passou o Autor a ser herdeiro.

    16. O tribunal recorrido errou na interpretação e na aplicação do direito aos factos, designadamente, quanto à legitimidade do Autor, violando o disposto 101.º do Código do Notariado e art. 30.º do C.P.C, bem como, o art.s 590.º, 591.º, 592.º do C.P.C.

    17. O tribunal recorrido deveria ter considerado que o Autor é parte legítima e os autos prosseguirem seus termos.

    Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser o douto despacho recorrido substituído por douto Acórdão que declare o Autor parte legítima e determine o prosseguimento dos autos. Assim se fará justiça».

    Foi junta contra-alegação de recurso, concluindo a contraparte pela total improcedência da apelação.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber, apenas, se incorreu a sentença em erro de julgamento de direito, devendo agora julgar-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, para prosseguimento da normal...

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