Acórdão nº 583/13.5TBCBR-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelALCINA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução24 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Alcina Ribeiro 1.º Adjunta: Cristina Pego Branco 2.º Adjunta: Maria Alexandra Guiné Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. A..., Unipessoal, Lda., melhor identificada nos autos, recorre do despacho proferido em 14 de novembro de 2022, pela Senhora Juiz (...) do Juízo Local Criminal de Coimbra, que não declarou a prescrição da coima aplicada à arguida, por sentença transitada em julgado em 13 de janeiro de 2015, formulando as seguintes conclusões: … 2ª O presente recurso vem interposto do despacho de 14 de Novembro de 2022, o qual indeferiu requerimento da arguida a requerer a declaração de prescrição da coima em que foi condenada nos presentes autos.

Ora, 3ª Atento o trânsito em julgado da decisão condenatória imposta à arguida em 13/1/2015, e independentemente das causas de suspensão do prazo de prescrição eventualmente aplicáveis ao caso (que não se aplicam, como veremos adiante), sempre a coima estaria prescrita por estar decorrido o prazo de prescrição (três anos, atento o disposto no artº 29º, nº 1, al. a) do DL nº 433/82), acrescido de metade (1,5 anos).

- Mesmo que assim não se entendesse, os processos de execução de coimas não constituem “ações para cobrança de dívidas” para efeitos do disposto no artº 17º- E do CIRE (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/4/2019, proc. nº 834/12.3TBCTB-B.C1 citado supra), pelo que não se suspendem por instauração e no decurso de um PER e, subsequentemente, não podem tais processos de PER constituir causas de interrupção da execução nos termos da al. b) do artº 30º do DL nº 433/82.

- Ao assim não entender, o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos artºs 30-A, nº 2 do DL nº 433/82 e artº 126º, nº 3 do CP, e ainda o disposto nos artºs 30º, al. b) do DL nº 433/82 e 17º-E do CIRE, pelo que deve ser revogado e declarada prescrita a coima.

Por fim, 4ª O despacho recorrido, ao interpretar o artº 30º, al. b) do DL nº 433/82 de forma a considerar um PER como causa de suspensão de execução de coima, e ignorando os limites constantes do artº 30-A, nº 2 do mesmo diploma, incorre numa interpretação materialmente inconstitucional das referidas normas, Por um lado, por violação do disposto no artº 30º da CRP, já que semelhante entendimento tornaria ilimitadas as penas e coimas imputadas aos arguidos por força de causas que não constam da própria lei, Por outro lado, não pode existir qualquer aplicação analógica ou extensiva de outras normas ao direito sancionatório de caráter restritivo, muito menos sem revestirem a natureza de Lei da A.R. (quer o DL nº 433/82 e o CIRE são decretos-lei), e/ou quando as mesmas são restritivas de direitos fundamentais no seu alcance constitucional sem respeitar o disposto no artº 18º da CRP.

- As execuções de coimas não são “ações para cobrança de dívidas” nos termos e para os efeitos do artº 17º-E do CIRE, pelo que não podem ser consideradas como uma causa de suspensão da execução de coima para o efeito da al. b) do artº 30º do DL nº 433/82, constituindo este entendimento uma interpretação materialmente inconstitucional por violação do artº 30º da CRP, já que é uma aplicação analógica, ou interpretação extensiva restritiva, do direito fundamental dos arguidos aos limites das penas.

… 2.

O Ministério Público, em primeira e nesta instância, pronuncia-se no sentido do não provimento da decisão recorrida.

  1. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.

    II. DESPACHO RECORRIDO O Despacho criticado tem o seguinte teor: Na decorrência do último despacho, por força das duas causas de suspensão ocorridas, decorreram apenas 2 (dois) anos e 18 (dezoito) dias, pelo que a coima a que a arguida «B..., Unipessoal, Lda.» foi condenada por decisão condenatória transitou em julgado em 13.01.2015 ainda não se encontra prescrita.

    Com efeito, decorre da primeira causa suspensiva, que no dia 19.12.2017 se iniciaria a contagem do prazo prescricional, nos termos dos artigos 30º, alínea a) e c) e 88º, nº1 e nº5 do Regime Geral das Contraordenações (data em que se verificou o vencimento de todas as prestações da coima).

    No entanto, resulta da informação fornecida pelo processo n.º 5245/17...., do Juízo de Comércio ... - Juiz ..., que durante a suspensão do prazo supra descrito, se iniciou no dia 30.06.2017 o processo especial de revitalização da sociedade arguida (cf. ref.ª 7033467, de 04.02.2022) o qual se encerrou a 26.03.2021 (cf. ref.ª 7570717, de 12.10.2022).

    Constituindo esta, também, uma causa de suspensão, nos termos do artigo 30.º, alínea b) do Regime Geral das Contraordenações, a suspensão da prescrição da coima não terminou a 19.12.2017, antes prosseguiu por força do curso do referido processo de revitalização.

    Nestes termos, o prazo de prescrição da coima aplicada à sociedade aqui recorrente esteve suspenso desde 17.06.2015 até 26.03.2021 - 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 9 (nove) dias) -, sendo que desde essa data até à presente data, não ocorreram circunstâncias interruptivas nem suspensivas do referido prazo.

    Face ao exposto, indefere-se o requerido pela recorrente (cf. ref.ª 7482162, de 05.09.2022) uma vez que, em virtude da suspensão operada apenas decorreram 2 (dois) anos e 18 (dezoito) dias, razão pela qual a coima a que a arguida «B..., Unipessoal, Lda.» foi condenada ainda não se encontra prescrita».

    1. OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do Recorrente, a questão a decidir consiste em saber se a pendência o Processo Especial de Revitalização (PER), constitui causa de suspensão da prescrição da coima, por ter interrompido a execução, nos termos da alínea b) do artigo 30.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, de ora em diante designado por RGCO.

    2. ACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES Com interesse para a decisão, há que ter em conta, os seguintes actos processuais: Em 17 de junho de 2015, a pedido da arguida, foi deferido o pagamento da coima de 38 526,25€ em 12 prestações mensais e sucessivas, no montante de 3 210,63,00€ (fls. 92).

    A arguida foi, ainda notificada, do dever de pagar a primeira prestação até ao dia 18 de dezembro de 2017, com a cominação de que a falta de pagamento de qualquer prestação implicaria o vencimento das restantes (artigo 88.º, n.º. 5, do RGCO).

    Como a arguida não pagou nenhuma das prestações, vencerem-se todas elas no dia seguinte, em 19 de dezembro de 2017.

    Em 9 de fevereiro de 2017, a requerimento da arguida, foi deferido o pagamento da coima em que a arguida foi condenada até janeiro de 2019. (fls. 167 a 169).

    O Ministério Público não instaurou a execução para pagamento da coima.

    Em 30 de junho de 2017, a condenada deu entrada em juízo do Processo Especial de Revitalização da sociedade arguida que correu termos pelo Juízo de Comércio ... sob o n.º 5245/17...., processo esse encerrado em 26 de março de 2021.

    No âmbito deste processo, foi proferido o despacho de nomeação de administrador provisório da arguida, em 3 de agosto de 2017 e em 10 de novembro de 2017, o Senhor Juiz recusou a homologação do acordo extra-judicial apresentado pela empresa, ao mesmo tempo, que foi concedido ao Senhor Administrador Judicial, 10 dias, para emitir parecer a que alude o artigo 17.º, G. n.º 4, aplicável por força do artigo 17.º I, n.º 5.

    Discordante, deste despacho, a condenada interpôs recurso da decisão de despacho de recusa não homologação do acordo extra-judicial, tendo sido admitido em 5 de janeiro de 2018, como apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito devolutivo.

    Em 26 de março de 2021, o Processo Especial de Revitalização foi encerrado, com extinção de todos os seus efeitos – artigo 17.º G, n.º 2 e artigo 17.º I, n.º 5, do CIRE, pelo facto da empresa não se encontrar em situação de insolvência.

    V. APRECIAÇÃO RECURSO 1.

    Enquadramento da questão Não constitui novidade afirmar-se que a prescrição da pena, da coima e das sanções acessórias (por força do artigo 31.º do RGCO), como de resto, a prescrição do procedimento criminal e contra-ordenacional, traduz-se na renúncia do Estado ao direito jus puniendi condicionado pelo decurso do tempo.

    Como vem sendo reiteradamente afirmado pela doutrina e jurisprudência, tendo por base a lição de Figueiredo Dias - As Consequências Jurídicas do Crime, página 699 a 702 – o instituto da prescrição justifica-se, por razões de natureza jurídico -penal substantiva e processual.

    Do ponto de vista substantivo, é manifesto, que se «o mero decurso do tempo sobre a prática do facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido», também se considera «que uma tal circunstância é sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção.

    Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.

    Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente...

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