Acórdão nº 125/22.1T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução05 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação / processo nº 125/22.1T8AVR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2 Recorrente: AA Recorrida: A..., Lda.

_____ Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1.

AA propôs ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra A..., Lda., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

Realizada a audiência de partes e frustrada que se mostrou a conciliação, a Entidade empregadora veio apresentar articulado motivador do despedimento, invocando, muito em síntese, que ocorre justa causa para o despedimento, fundamentado em comportamento culposo da trabalhadora, por se ter apropriado de valores em dinheiro que não lhe pertenciam, com a consequente quebra de confiança na mesma, o que torna impossível a manutenção da relação laboral existente, por ter violado os deveres de “zelo e diligência e de boa-fé, zelo e custódia, devendo esta sua conduta ilícita ser considerada grave, em si própria, porque consubstanciada num ilícito criminal, independentemente do prejuízo patrimonial”. Mais solicita que seja excluída a reintegração da Autora.

A Trabalhadora apresentou contestação, na qual, mais uma vez em síntese, começando por invocar, a titulo de exceção, a ilegalidade das imagens como meio de prova, impugna depois especificadamente todos os factos e a matéria alegada pela Empregadora que constitua facto controverso e que contra ela possa ser usado, mais referindo que não trabalhou nos dias 29 e 30 de setembro de 2021 e no dia 1 de outubro de 2021 saiu às 13 horas, razão pela qual nega os factos ocorridos nessas datas. Invoca ainda que sempre pautou a sua conduta onde labora, e fora do local de trabalho, pelo respeito e correção para com todos quantos trabalham consigo, incluindo os seus superiores hierárquicos e clientes e que não violou nenhum dos deveres a que está adstrita como trabalhadora, nem houve da sua parte qualquer comportamento ilícito, inexistindo, assim, justa causa, para o despedimento. Por fim, refere que, embora tenha direito à reintegração no seu posto de trabalho, opta pela indemnização, em montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude.

Termina, requerendo que seja declarado ilícito o despedimento por não ter violado nenhum dos deveres a que estava obrigada.

Respondeu a Empregadora, concluindo, no essencial, pela improcedência da exceção invocada.

Proferido despacho saneador, invocando-se o disposto no n.º 3 do artigo 49.º e n.º 1 do artigo 62.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), o Tribunal recorrido dispensou a audiência prévia e absteve-se “de proferir o despacho previsto no artigo 596º do Código de Processo Civil (de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova)”.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Face ao exposto, decide-se: » Declarar lícito e regular o despedimento da autora AA e, nessa medida, absolver a ré empregadora A..., Lda. do pedido Custas a cargo da autora/trabalhadora (artigo 527º, n.

os 1 e 2 do Código do Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).

Valor da acção: atribuo à acção o valor de €2.000,00 (artigo 98º-P, n.º2 do Código de Processo do Trabalho) Registe e notifique.” 2.

Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Trabalhadora requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as seguintes conclusões: “I – Salvo o devido respeito por melhor opinião, a prova produzida nos presentes autos não sustenta a posição doutamente assumida pelo Tribunal a Quo II - Na sentença o Juiz a Quo declara lícito e regular o despedimento da Recorrente e, nessa medida absolve a Recorrida empregadora do pedido condenando a Recorrente no pagamento em custas III - Ora, não se pode aceitar que todos os factos imputados à Recorrente e que constituíram fundamento de despedimento tenham sido adquiridos com recurso ao visionamento de imagens de videovigilância IV - Estes factos, por terem sido levados ao processo de forma ilícita, não podem servir de fundamento para a decisão de despedimento V - As imagens, que decorrem da câmara de vigilância e, que despoletaram o procedimento disciplinar e a prova testemunhal obtida no processo, extraída integralmente na sequência da prova ilícita, ou seja, com as filmagens clandestinas, tais depoimentos, por constituírem prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indireta, não poderão em caso algum ser usados contra a Recorrente, sendo prova ilícita por derivação VI - Resulta da CRP que é nula a prova obtida mediante “abusiva intromissão na vida privada” regra com acolhimento no artigo 126.º do CPP.

VII - A nulidade da prova inquina a prova mediata, ou seja, a prova que deriva é nula como decorre da teoria dos frutos da árvore envenenada VIII - Trata-se de proibir a produção de prova, e consequente valoração por parte do julgador; que seja moralmente ilegítima, designadamente porque a sua obtenção constitui um ilícito penal IX - Mais, em momento algum, o Tribunal a Quo deu como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local se encontrava sob vigilância X - Na verdade, o Tribunal a Quo referiu na sentença que: “Efetivamente, a existir tal placa, desconhecemos o local onde a mesma foi aposta, se estaria visível ou não.

O que sabemos é que a autora não a terá visto, até porque negou a sua existência e provavelmente se a tivesse visto teria procedido e agido de forma diferente” (com sublinhado nosso) XI - Pelo que, não foi feita sequer prova da existência dessa mesma placa nem de que a Recorrida tinha informado a Recorrente da sua existência de câmaras no estabelecimento comercial XII - As testemunhas da Recorrida também não referiram ter visto uma placa que mencionasse que o local se encontrava sob videovigilância XIII - Aliás, BB, sócia da Recorrida, menciona por duas vezes, tanto no minuto 23:27 como no minuto 23:28 de que não foi comunicado à Recorrente que estava a ser gravada, para o efeito refere: “Não, não comunicámos” XIV – E, a testemunha CC no seu depoimento no minuto 07:57 refere a inexistência das mesmas: “Alertei o Sr. DD (agente da PSP) dizendo: “Por favor, isto não está nada identificado como câmaras” XV - Salvo melhor entendimento, o Tribunal a Quo deveria ter concluído que a Recorrida não informou a Recorrente da existência de câmaras de videovigilância no local de trabalho e, que não afixou informação de que o local se encontrava sujeito a videovigilância como se encontra estatuído no art 20.º n.º 3 do CT XVI - Nesta medida, e por tudo o atrás alegado, as imagens obtidas são um meio de prova proibido não podendo ser utilizadas no âmbito do processo disciplinar e judicial com vista a provar que foram praticados factos ilícitos pela Recorrente e, concomitantemente havendo lugar à aplicação de sanção disciplinar de despedimento XVII - A Recorrida nem fez prova da existência formal de processo crime contra a Recorrente no qual esta última tenha sido constituída Arguida XVIII - Isto, porque a Recorrente nunca foi constituída Arguida, caindo assim por terra a tentativa de legitimar que a aludida câmara foi colocada no estabelecimento comercial da Recorrida por forma a assegurar a finalidade prevista no art 20.º n.º 2 do CT 2009, como afirma o Tribunal a Quo XIX - Vem ainda indevidamente, o Tribunal a Quo afirmar que a gravação realizada por aquela câmara poderia ser utilizada uma vez que se “apurou que a ré instaurou um processo crime contra a autora” como se encontra estabelecido no n.º 5 do art 28.º da LPDP, o que é falso e não corresponde à verdade XX - No caso sub judice, era imperativo que o juiz desse como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local estava sob vigilância XXI - Pois, a sua omissão enferma a sentença numa nulidade nos termos art 615.º n.º 1 d) 1.ª parte do CPC “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” XXII - Trata-se de um facto essencial para a boa decisão da causa, sem o qual o juiz não poderia formar a sua convicção, sem se ter pronunciado sequer sobre a legitimidade deste meio de prova, e a prova daí adveniente XXIII - O que aliás a recorrente logo ab initio requereu desentranhamento, ainda de ter sequer sido junta, sem qualquer despacho da parte da Senhora Juiz XXIV - E, ainda que assim não se entenda, é igualmente nula a sentença por a Senhora Juiz a Quo ter tomado conhecimento de questões que não podia tomar conhecimento XXV - Muito em virtude de se tratar de a prova obtida por intermédio do sistema de videovigilância ser prova ilícita XXVI - Estes factos, carreados aos autos por gravações ilícitas, sem aviso à recorrente, sem sinalização no local, sem existência concreta de processo crime, e por terem sido levados ao processo de forma ilícita, como se supra explicou, não podem servir de fundamento a uma decisão de despedimento XXVII - A senhora Juiz do Tribunal a Quo deveria por isso ter-se abstido de formar convicção, por total inexistência de prova capaz de suportar a legitimidade deste despedimento XXVIII - Que subsiste baseado em prova nula XXIX - Motivo pelo qual, é nula a sentença nos termos do art 615.º n.º 1 d) 2.ª parte CPC XXX - Ainda relativamente à prova, uma das duas únicas testemunhas existentes no processo, era o Senhor Juiz Conselheiro, que foi inquirido no âmbito do disposto no art 503.º do CPC XXXI - Para o efeito, a Advogada da Requerida elaborou em requerimento junto aos autos, as questões a que o Senhor Juiz Conselheiro deveria responder XXXII - O Tribunal, ao invés de...

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