Acórdão nº 173/21.9T8OAZ-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução05 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto APELAÇÃO n.º 173/21.9T8OAZ–B.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis, em que AA, viúva, e BB, estudante, nascida em .../.../2007, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, demandam A... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, e B..., LDA, em 09-09-2022, por estas foi apresentado articulado superveniente, invocando o disposto no artigo 28.º, n.º1 e 3 e 60.º, n.º3 do Código de Processo do Trabalho, com pedido de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir.

O conteúdo do articulado em causa é o seguinte: -«1.º Tal como alegado na petição inicial apresentada nestes autos, no dia 08-01-2021, cerca das 10:35 horas, em Vale de Cambra, CC foi vítima de acidente, 2.º O qual consistiu em, quando desenvolvia trabalhos no interior de uma obra, sita no gaveto da Rua ... com a Rua ..., em ..., Vale de Cambra, ao nível do piso térreo, a parte superior da parede exterior/nascente da obra derrocou para o interior atingindo-o, o que lhe causou lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas, 3.º As quais, direta e necessariamente, lhe provocaram a morte que veio a ocorrer no dia 09-01-2021, no Centro Hospitalar ....

  1. O sinistrado CC trabalhava então, como pedreiro, sob as ordens, direção e fiscalização de B... Lda, R. empregadora, 5.º Como referido na petição inicial, aquando da tentativa de conciliação a R. seguradora declarou que entendia que o acidente resultava da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, existindo assim atuação culposa da entidade empregadora, de acordo com o art.º 18, n.º 1 da Lei 98/2009 de 4 de setembro.

  2. Em consequência, mas apenas na sua contestação, veio a ré seguradora dar a conhecer os factos que sustentavam esta conclusão obtidos através das diligências de averiguação e investigação do sinistro que realizou e que integram violação de regras de segurança por parte do empregador.

  3. Apenas nesse momento e, já após a apresentação da petição inicial, como decorre dos autos, tomaram as AA/ beneficiárias conhecimento dos seguintes factos: 8.º A parede acima aludida em 2.º compreendia cerca de 90% da sua porção acima da cota do piso do andar elevado, tendo, ao colapsar, e porque o interior e cobertura do edifício em que ocorria a obra tinham sido inteiramente demolidos e retirados, rodado ao longo da linha de separação dos dois pisos, coincidente com o alinhamento dos pontos de encastramento do vigamento do soalho que havia sido removido, projectando-se sobre o interior da edificação onde se encontrava o sinistrado.

  4. A parede em causa (alçado) comportava um muro por gravidade (pedra mole justaposta e argamassada por barro.

  5. Os vãos das janelas eram ladeados (ombreiras/padieiras e soleiras) por cantaria de granito, exceto o alçado colapsado.

  6. No momento em que ocorreu o acidente acima descrito, o único ponto de ancoragem situava-se no travamento dos alçados Este/Oeste, existindo pontos de vazamento das paredes dos alçados por ausência de pedra.

  7. Existia apenas outro ponto de amarração de uma verguinha de 8 mm numa trave de madeira que, após o acidente, ficou caída no local.

  8. De facto, não existia projeto de escoramento dos alçados ou de contenção provisória das fachadas, tendo a empregadora afirmado que tinha garantida a estabilidade dos mesmos do seguinte modo: - com “verguinhas de 8 mm suportadas por peças de madeira colocadas pelo exterior dos vãos da janela do piso 2 (próximas das padieiras), impediam a rotação das paredes mais compridas para o exterior”; - “escoras de 4 m, reforçadas na sua extensão para 8 m, por ferros de 20 com 1,0 , de comprimento, soldados ao corpo das escoras, garantiam o travamento interior das mesmas paredes.

  9. Porém, não era isso que sucedia, nomeadamente: - a extensão total das escoras perfazia 6,88m e não 8 metros; - os pilares não encastravam toda a sua secção nas paredes preexistentes; - o número de barrotes de ancoragem das verguinhas que serviam de tirantes não correspondia à totalidade dos vãos das janelas possíveis de usar na sustentação das paredes.

  10. Acresce que, as escoras utilizadas no escoramento não tinham os vergalhões de 20 e 16 mm colocados no seu interior soldados e as escoras apoiavam entre si através das patelas de apoio ao piso.

  11. Para além disso, o modelo adotado “contenção interior” não foi o adequado face à tipologia das paredes e seu distanciamento não, dado que não teve em conta: - A geometria do edifício; - O sistema da fundação; - O estado de conservação dos vários elementos que compõem o edifício; - Os materiais que compõem o edifício; - As cargas actantes de caminhos de carga.

  12. Nem foi o mesmo complementado com testes e ensaios que permitissem fornecer dados sobre: - O nível de degradação do edifício; - As características dos materiais; - A capacidade de carga e estado de tensão.

  13. Não ocorreu qualquer intervenção sobre a condição das paredes, nomeadamente com a aplicação de argamassas de consolidação de superfícies com vazios/sem material desintegrados de reduzida coesão e resistência, vazios esses que efetivamente ali existiam.

  14. Não foi feita distribuição dos esforços por áreas mais alargadas das paredes, como exigia o estado das mesmas, mas apenas de forma pontual.

  15. Não foi efetuado o reforço dos vãos das janelas e portas, o que era exigível face à presença de diferentes materiais com massas diferenciadas.

  16. Não foi previsto qualquer sistema de monotorização do comportamento das paredes e que pudesse dar indicações no decurso da obra de movimentações indesejáveis e de risco.

  17. A estrutura de suporte não deve apoiar diretamente nos elementos que contem, como sucedia, não utilizando o apoio da estrutura numa malha linear ou outro mecanismo de distribuição de cargas (perfis IPE ou meios fios madeira), o que era aconselhável.

  18. Na ligação destes mecanismos aos elementos retidos, optou-se pela solução de ligação direta pontual, quando se aconselhava ligação contínua ou semi-contínua.

  19. Optaram, no que concerne à solução de travamento interior das paredes para resistir ao impulso gerado pela tração das mesmas por via da tensão nas verguinhas e influência do peso próprio dos materiais de contenção, por usar vão de 6,88 m de escoras de escoramento preparadas para escoramento individualizado e não interligadas em quatro pontos.

  20. Seria aconselhável a construção de uma coluna treliçada de tubo com secção de 60x60 e nas superfícies de contacto com as paredes colocados estrados de tábuas para distribuição das cargas por uma superfície mais alargada, e não simplesmente a descarregar nas ombreiras dos vãos da janela, como sucedia.

  21. Estes factos, isto é, em suma: - a ausência de projeto de contenção das fachadas elaborada por engenheiro; - a ausência de preparação atempada das paredes aumentando-se a coesão dos materiais empobrecidos, colmatando vazios e uniformizando a resistência das mesmas; - solução de contenção inadequada na conceção e dimensão; - Interferência na estabilidade da parede conferida pela estrutura resistente em construção; - montagem do sistema de monotorização podia ter denunciado a necessidade de correção da contenção, evitando o sucedido; foram causa da ocorrência do acidente acima mencionado.

  22. Acresce que, apesar de a Ré entidade patronal ter na sua ficha de procedimentos de segurança “Escoramento de paredes”, verificou-se que não foram cumpridas todas as medidas de segurança previstas: O ponto 1 “Caracterização” da FSS 04.09 identifica a necessidade de escoramento com a “colocação de estruturas de carácter provisório (suporte horizontais/diagonais, prumos), mas não foi efetuado qualquer escoramento com suporte diagonal.

  23. Os factos acima descritos são agora aqui alegados por cautela de patrocínio, dado que os mesmos constam já do objeto deste processo tal como fixado no despacho saneador proferido nestes autos, por terem sido alegados pela ré/seguradora, constando da sua contestação e integrando o tema de prova 2. Para além do agora exposto, 29.º apenas após a junção aos autos, na sequência do despacho proferido após audiência de partes no dia 02.02.2022, da perícia realizada no processo crime, as AA. tomaram conhecimento dos seguintes factos que reforçam os anteriores sendo parcialmente coincidentes: 30.º A obra teve início a 12.03.2020, os trabalhos de demolição iniciaram-se a 25.11.2020 e a 17.12.2020 foi definida a alteração ao projeto de estabilidade à supressão de uma viga de fundação (VF1) que seria compensada pelo aumento de sapatas e pilares.

  24. No exterior da estrutura do edifício existia um andaime ao longo de todo o comprimento da parede que sofreu a derrocada, com amarrações ligeiras do andaime à parede no alinhamento da derrocada, amarrações estas que seriam apenas para o travamento e estabilização do andaime e não para o suporte lateral da parede.

  25. No local existia grua que servia o edifício.

  26. Encontrava-se em curso cofragem de vigas.

  27. Não existiam quaisquer escoras horizontais de travamento lateral das paredes das fachadas nascente e poente.

  28. Não existia no nível do rés-do-chão quaisquer tirantes a ligar as duas paredes das fachadas.

  29. Apenas existia um tirante constituído por varão de aço com 8 mm de diâmetro ao nível do primeiro piso, instalado à cota da padeira da janela central das fachadas nascente e poente. Como acima referido, 37.º as quatro paredes de fachada ao nível do primeiro piso encontravam-se descalçadas em cerca de um terço a metade da sua espessura.

  30. Esta redução de espessura das paredes na base do piso elevado, altera o comportamento estruturas das mesmas, o que associado a um escoramento transversal deficiente ou à falta do mesmo, colocou em causa a integridade estrutural das paredes de fachada e potenciou o seu derrube para o interior.

  31. Aquando do momento do acidente o balde/tina preso à grua terá embatido...

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