Acórdão nº 1043/21.6T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Relator: Carlos Moreira 1.º Adjunto: Rui Moura 2ª Adjunto: Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
AA requereu contra BB a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à filha de ambos CC.
Alegou: O requerido não cumpre o decidido em sentença, não pagando a prestação de alimentos nem o regime de contactos fixado e impondo a sua vontade, aparecendo, sem aviso prévio, pondo em causa o planeamento do agregado familiar onde CC se insere, mas também o desta, não cumprindo as datas fixadas e chegando até a deixar a filha à espera, sem aparecer, sem avisar ou avisando sem antecedência, tudo em claro prejuízo desta e levando a que seja a mãe que há mais de 10 anos, na prática, assuma sozinha a prestação de cuidados à filha, tomando as decisões da vida corrente, mas também as de particular importância.
Assim sendo pediu: Seja alterada a cláusula 1.ª da atual regulação, no sentido de competir à mãe em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da filha; Seja alterada a cláusula 2.ª, no sentido de o aviso prévio à mãe das visitas do pai passar a ser feito com 1 (uma) semana de antecedência; Seja alterada a cláusula 3.ª no sentido de as visitas aos fins de semana deixarem de ter periodicidade quinzenal para passarem a ser quando o pai desejar, nunca com regularidade semanal e com aviso prévio de pelo menos 1 (uma) semana de antecedência, indo buscá-la à sexta feira ao fim da tarde ou sábado de manhã e entregando-a na casa da mãe pelas 19h00 de Domingo.
Na conferência a que alude o artº 35º do RGPTC, aplicável ex vi do citado artº 42º antes mencionado, nela não foi possível alcançar resolução amigável para o litígio.
Nos termos do disposto no art.º 23º e 38º do RGPTC, foram os pais remetidos para audição técnica especializada por um período até 2 meses.
Por não terem, também, nessa fase sido alcançado consenso, por inutilidade foi dispensada continuação da conferência nos termos do nº 1 do artº 39º do RGPTC, foi determinada a notificação nos termos do nº 4 do citado diploma legal.
Ambos proferiram alegações.
Foram solicitados inquéritos sociais.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento.
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Seguidamente foi proferida sentença na qual foi decidido: «1. Alterar o decidido quanto ao exercício das responsabilidades parentais referentes a CC nas suas cláusulas 1 e 2 do regime antes fixado nos seguintes termos: “ 2. O pai poderá e deverá ver e estar com a menor sempre que isso lhe seja possível, sem prejuízo dos períodos normais de alimentação, descanso e estudos da filha, com aviso prévio de uma semana de antecedência à mãe.
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Não obstante, terá a filha consigo no primeiro fim de semana de cada mês para o que a virá buscas e levar a casa da mãe entre as 19h e as 20h de sexta-feira e idêntico horário de Domingo.
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Sempre que o dito em 3. não possa ser cumprido, por motivo ponderoso dos próprios progenitores ou da CC, isso será comunicado com a antecedência possível, em todo o caso em regras com uma semana de antecedência, sem o impedimento for previsível, transferindo-se o período de contactos para o fim de semana imediatamente seguinte ou para qualquer outro do mesmo mês, neste último caso apenas no caso de ambos nisso consentirem.” 2. No restante, julgar improcedente o pedido de alteração apresentado, mantendo o regime antes fixado.» 3.
Inconformada recorreu a requerente.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso visa obter a alteração do segmento decisório que recaiu sobre o pedido formulado pela Requerente/Recorrente de atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades quanto às questões de particular importância da vida da filha menor CC, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal a quo.
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Salvo melhor opinião, a decisão recorrida padece de erro de julgamento efetuado sobre a matéria de facto e que é determinante para a correta apreciação da presente alteração, especificamente no que se refere à apreciação do pedido de atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades quanto às questões de particular importância da vida da filha menor CC.
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Face à prova testemunhal produzida nos autos e cujas passagens gravadas foram acima devidamente transcritas, impõe-se uma diferente fixação da matéria de facto, em que se dê como provado, acrescentando-se à referida fixação, os seguintes factos: “Desde a data da decisão da regulação em 19/04/2012 até ao presente, o Requerido pai raramente cumpriu com o regime de visitas estipulado, contactando maioritariamente com a menor por telefone e nas férias.” “Nos últimos 6 anos, o Requerido pai não compareceu nas festas de aniversário da menor, não compareceu nas duas entregas de prémios de mérito que a menor recebeu na escola em ..., nem compareceu nas festas da escola da menor.” “Nos últimos 5 anos, o Requerido pai não acompanhou a menor a nenhuma consulta médica.” 4. Dando-se como provados os factos atrás elencados e fazendo-se a subsunção dos factos ao direito, é seguro concluir que a Recorrente fez prova que o Requerido é um pai ausente, desinteressado, não colaborativo e não cumpridor do seu dever de assistência à menor.
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De resto e sem prejuízo do ante alegado, caso assim se não entenda, o que se considera sem conceder, sempre à mesma conclusão se chegaria mesmo que este Tribunal superior entenda não alterar a matéria de facto dada como provada.
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Ora, é precisamente nestas situações de grande litigiosidade entre os progenitores, entre as quais se contam as acimas relatadas de falta de diálogo e incapacidade de os progenitores se relacionarem entre si, desinteresse por parte do progenitor com quem o filho não reside habitualmente e a recusa ou atraso injustificado e repetido do pagamento da pensão de alimentos para o menor, que os vários Autores nesta matéria defendem a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais.
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Por conseguinte, e ao abrigo do disposto no artigo 1906.º, n.º 2 do Código Civil, deve o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha CC ser julgado contrário aos interesses desta, determinando este Douto Tribunal que essas responsabilidades sejam exercidas apenas pela Recorrente.
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A sentença recorrida deve assim ser parcialmente revogada, proferido este Tribunal ad quem decisão que determine que, no superior interesse da menor, seja alterada a cláusula 1.ª da atual regulação da criança CC, no sentido de competir à mãe em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da filha.
Contra alegou o Digno Magistrado do Mº Pº pugnado pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: 1. A recorrente invoca a sua discordância relativamente ao segmento decisório que recaiu sobre o pedido formulado quanto à atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança; 2. Contudo, tal invocação padece de fundamento, visto que a transcrição de alguns dos excertos dos depoimentos das testemunhas que considera relevantes para a modificação pretendida, não levariam a outra decisão.
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É que, confrontando a fundamentação apresentada com uma análise cuidada de todos os elementos constantes dos autos e com a audição do depoimento integral das testemunhas, não resulta que outra devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal "a quo".
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Na verdade, tudo ponderado, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto no caso concreto, designadamente que a convicção do tribunal "a quo" tenha assentado em raciocínios contrários às regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, convicção essa que o tribunal "a qud' não deixou de fundamentar, e bem, de acordo com o disposto no art.º 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil.
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Por outro lado, não obstante o incumprimento pontual do regime de contactos e do pagamento da prestação de alimentos, tal incumprimento não justifica o afastamento do regime regra do exercício conjunto da parentalidade para as questões de particular importância para a vida de criança; 6. Dado que o progenitor tem estabelecido laços de relevo com a filha, pretendendo até aumentar os contactos existentes, o que é igualmente correspondido pela cnança.
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Pelo que a ponderação do superior interesse da criança, porquanto é este que releva, conduz ao resultado da atribuição a ambos os pais do exercício das responsabilidades parentais paras as questões de particular importância, já que a prossecução deste interesse passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que, eventualmente, ocorram entre os progenitores e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afetivo contínuo com ambos 8. Pelo que a douta decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, em conformidade com as respetivas normas legais aplicáveis, não padecendo de qualquer erro de julgamento, sendo de manter nos seus precisos termos, não merece qualquer reparo.
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Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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– Procedência, in totum, da ação.
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Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.
Perante o estatuído...
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