Acórdão nº 2863/21.7T8CBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução16 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, * Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral 2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo * (…) * Recorrente …………………..

AA Recorrido…………………… BB * I. Relatório

  1. O presente recurso insere-se num processo especial de inventário subsequente ao divórcio entre recorrente e recorrido e vem interposto do despacho que decidiu a reclamação apresentada pela recorrente AA contra a relação de bens apresentada pelo recorrido enquanto cabeça de casal.

    Nos termos sintetizados na decisão recorrida, a reclamação é dirigida, além do mais, à verba n.º 1, alegando-se que não é bem comum, pois é uma conta bancária titulada pela interessada e os dinheiros ali depositados advieram-lhe por doação de sua mãe, primeiro, e por óbito daquela, depois, cumprindo ainda subtrair €6.800,00 euros aí depositados pela recorrente já depois de instaurada a ação de divórcio.

    Além disso, a Reclamante alegou que a relação de bens omitia dois créditos que o património comum tinha sobre o cabeça de casal, pois este procedeu ao levantamento/transferência da quantia de €15.138,30 duma conta bancária comum existente no Banco 1..., com o n.º ..., que fez inteiramente sua e usou em seu exclusivo interesse e benefício. Acresce ainda que entre junho e dezembro de 2020, o cabeça de casal pagou parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no montante total de € 1.500,00, através da referida conta bancária.

    A decisão que recaiu sobre esta reclamação foi a seguinte: «Desta forma, improcede a reclamação à relação de bens, devendo ser corrigida a verba n.º 1 da relação de bens, passando a constar com a seguinte redacção: Verba n.º 1 Conta bancária de depósito com o IBAN ...47 da “Banco 2..., S.A.”, que à data de 21.08.2020, apresentava um saldo de € 27.765,54.

    Relativamente à falta de relacionamento de dois créditos do património comum sobre o cabeça de casal, do levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco 1..., com o nº ..., da quantia de € 15.138,30 e de € 1.500,00.

    A conta bancária referida é um bem comum.

    Não houve lugar a produção de prova testemunhal sobre estes factos.

    Dos documentos juntos aos autos não nos é permitido concluir que o cabeça de casal fez tais transferências para uma conta própria.

    Logo, a interessada deveria ter feito prova que os valores ali depositados não eram bens comuns e não o fez.

    Como tal, presumindo a lei a comunicabilidade dos bens móveis – artigo 1725º do Código Civil - improcede a reclamação à relação de bens.

    Custas do incidente pela interessada reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s (artigo 527º do Código de Processo Civil).» b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte de AA, cujas conclusões são as seguintes: «A. A única testemunha ouvida nestes autos disse, a propósito da transferência de dinheiros para a conta da aqui recorrente, sua irmã, que existia na Banco 3... uma conta bancária da mãe de ambos mas que, para que a pudessem movimentar se algo acontecesse à mãe, era também titulada por estes seus dois filhos (e seus únicos herdeiros), na qual de tempos a tempos depositava algumas economias daquela a seu pedido. Que nunca ali depositou qualquer quantia sua ou da sua irmã, aqui recorrente. E acrescentou que por óbito da mãe transferiu a totalidade do saldo para uma conta sua e, daí, metade de tal quantia para a conta da sua irmã, aqui recorrente – cfr. a gravação deste depoimento (no ficheiro informático com a designação 20230209095242_2957088_2870715.wma) nomeadamente nas passagens compreendidas entre os minutos 00:01:40 e 00:02:02, entre os minutos 00:03:28 e 00:06:12, e entre os minutos 00:17:24 e 00:21:31.

    1. Daí que a esse propósito na sentença recorrida se tenha deixado consignado que esta testemunha “explicou que o dinheiro existente na conta bancária por si titulada, juntamente com a sua irmã e mãe, sempre foram as poupanças da mãe, que este próprio depositava a pedido da mãe. Nunca a irmã, aqui interessada, lhe pediu ou efectuou depósitos nesta conta com dinheiro dela. Só depois do falecimento da mãe é que dividiu o dinheiro com a irmã, transferindo o dinheiro para a sua conta e posteriormente metade para a irmã”, acrescentando-se, de seguida que “Não se duvida da veracidade destas declarações”.

    2. Do confronto dos talões “Multibanco” juntos à reclamação da relação de bens como Docs. 5 a 10 (confirmados pela referida testemunha) e dos extractos aí juntos como Docs. 11 e 12 com a descrição feita pelo cabeça-de-casal, na relação de bens, da “Verba 1” constata-se que em todos o IBAN da conta é o ...47. Ou seja, a conta para a qual foram feitas aquelas transferências é a conta indicada na relação de bens como “Verba 1”.

    3. Terá, pois, sido por lapso ou por falta de compreensão do que foi dito por aquela testemunha que na sentença recorrida se tenha questionado que a conta para a qual foram transferidas as verbas por aquela testemunha seja a conta que o cabeça-de-casal identifica como “Verba 1” da relação de bens que apresentou. Ou que se tenha referido (salvo o devido respeito, sem que tal faça qualquer sentido) que “Não se provou qualquer facto em concreto que permita concluir que em tal conta (a mencionada como “Verba 1” da relação de bens) eram depositadas poupanças da mãe, que lhe competia provar. Aliás, muito se estranhava que a interessada partilhasse a conta bancária em que recebe o seu vencimento com a conta bancária da mãe e irmão, o que é de todo inverosímil” – o que nunca ninguém sustentou; nem mesmo aquela testemunha.

    4. A mencionada testemunha não referiu que depositava as economias da mãe na conta da sua irmã (aqui recorrente), na qual esta recebia o seu salário! O que disse (e a Meritíssima Juiz a quo não terá percebido) foi que a pedido da mãe depositava as suas (dela, mãe) poupanças numa conta desta mas que, par que pudesse ser movimentada caso algo acontecesse à mãe, era também titulada por ele e pela sua irmã (aqui recorrente). Conta essa que era da “Banco 3...” (logo, não podia ser a conta da irmã identificada como “Verba 1” uma vez que esta é da “Banco 2...”) e que após o óbito da sua mãe transferiu a totalidade do saldo dessa conta para uma conta sua (dele, depoente) e desta transferiu metade desse valor para a conta da sua irmã – a referida conta identificada como “Verba 1” da relação de bens aqui apresentada.

    5. Em absoluta conjugação com o depoimento daquela testemunha estão também os documentos juntos à reclamação da relação de bens sob os números 5 a 12 – os talões “Multibanco” comprovativos dessas transferências e dois extractos dos quais as mesmas constam.

    6. Provado ficou também que a soma dos valores de cada uma dessas transferências conduz ao valor total transferido nesse dia de €14.417,00 – é o que, uma vez mais, resulta quer dos mencionados documentos 5 a 12 quer do depoimento da testemunha em causa, que confirmou tais documentos.

    7. Assim, ao invés de não ter dado como provado que “Os dinheiros depositados na conta referida em 3. advieram de doação da mãe de AA e da herança, após a sua morte” a decisão recorrida deveria ter dado como provado que “Dos dinheiros depositados na conta referida em 3., a quantia de € 14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efectuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela”, devendo aquela decisão sobre a matéria de facto ser alterada em consonância.

      I. Estando-se, assim, no que toca àqueles € 14.417,00, perante bens que advieram à ora recorrente já depois do casamento em virtude de sucessão, por óbito da sua mãe (ou, quando assim se não entendesse e na pior das hipóteses, por doação do seu irmão), então esses quantitativos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 1722.º do Código Civil, são bens próprios dela, interessada e aqui recorrente, não podendo ser partilhados e devendo, por isso, ser excluídos da “Verba 1” daquela relação de bens.

    8. A ora recorrente alegou, no requerimento que apresentou de reclamação à relação de bens, que já após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio (ocorrida em 26 de Janeiro de 2020), depositou na (ou transferiu para a) sua conta identificada como “Verba 1” da relação de bens, as quantias sucessivas de €3.200,00 (em 22 de Novembro de 2020), de €2.000,00 (em 1 de Dezembro de 2020) e de €1.600,00 (em 30 de Janeiro de 2021).

    9. Para prova de tal facto a ora recorrente juntou então, como Doc. 13, um “Comprovativo de Movimentos de Conta” emitido pela Banco 2..., S. A. (Banco da conta em causa) que ilustra precisamente e sem margem para dúvidas, tais movimentos, seus valores e datas.

      L. A um tal documento foi atribuído, pelo Tribunal a quo, crédito e valor probatório bastante para dar como provado que “A conta referida em 3. (isto é, a conta de que aqui se fala e à qual se reporta aquele documento) tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de €27.765,54”, pois que foi com base num tal documento que foi fundada a convicção para dar este facto como provado.

    10. Se àquele documento foi dado crédito (valor probatório) bastante para que se dessem como provados aquele factos, não se vê por que razão não lhe haja de ser dado valor probatório bastante para que se dê como provado que, conforme oportunamente se alegou, “Já após .../.../2020 – data da entrada em juízo do processo de divórcio – a interessada AA depositou ou transferiu para a sua conta indicada na relação de bens apresentada como “Verba 1”, a quantia total de €6.800,00” – razão pela qual deve o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 662.º do Código de Processo Civil, aditar também esse aos factos tidos por provados na decisão de que aqui se recorre.

    11. Tendo aquele valor de €6.800,00 sido auferido pela aqui recorrente após a data de entrada em juízo da acção de divórcio e retrotraindo-se os efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges à data da...

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