Acórdão nº 78/23.9YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução31 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 26 de abril de 2023 do Tribunal da Relação de Coimbra, que autorizou a sua extradição para a República Federativa do Brasil para cumprimento das penas de 4 meses e 10 dias detenção, no regime aberto, e 7 anos, 7 meses e 27 dias de reclusão, em que foi condenado pela ... Vara de Violência Doméstica de .../..., pela prática de crimes que, verificada a dupla incriminação, correspondem, na lei portuguesa, a crimes de ofensa à integridade física qualificada, crime de ofensa à integridade física grave, de violência doméstica e de maus tratos, previstos e punidos pelos artigos 145.º, n.ºs 1, al. c) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, als. c) e d), 144.º, al. d), 152.º, n.ºs 1, al. e), 2, al. a), e 3, al. a), 152.º-A, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal.

2.

Apresenta recurso com motivação de que extrai as seguintes conclusões: «I. Com a oposição são oferecidos os elementos probatórios considerados profícuos para corroborar a discordância do pedido de extradição, nomeadamente prova testemunhal, a qual deve respeitar os termos preditos no n.º 1 e 5 do art.º 55.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto que aprovou a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal; II. O extraditando arrolou inicialmente a sua esposa, tendo procedido a dois aditamentos em sede ulterior e em pleno respeito pelo n.º 5 do art.º 55.º daquela Lei, dado que não havia sido marcada qualquer data para produção de prova; III. Quatro das seis testemunhas arroladas são colegas de trabalho do ora recorrente e de nacionalidade brasileira, incidindo o objecto do seu depoimento precisamente a de atestar a realidade brasileira, face à assimetria de condições nos estabelecimentos prisionais e ao tratamento desumano existente nos mesmos, quer por parte da administração pública e/ou privada dos EPs, quer advinda dos restantes reclusos; IV. Consideramos que o acórdão recorrendo enferma de nulidade por omissão de pronúncia, dado que desconsiderou as testemunhas indicadas a 10 de Abril de 2023, referindo-se no acórdão apenas à testemunha indicada com a oposição (ref.ªcitius 221103) e com o requerimento probatório de 21 de abril de 2023 (ref.ª citius ...14), descurando o requerimento de aditamento ao rol de testemunhas de 10 de Abril de 2023, com a ref.ª citius ...33; V. Para além de descurar o requerimento de 10 de Abril presumiu a extensão do objecto das suas declarações, considerando despicienda a sua audição e inútil o cumprimento do n.º 2 do art.º 56.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto; VI. Estamos perante uma nulidade por omissão de pronúncia e ainda por omissão de diligências que foram consideradas como profícuas para a defesa do extraditando, pelo que se requer a declaração de nulidade do acórdão recorrendo, com as legais consequências dos arts. 118.º, 120.º, n.º 2, al. d) e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, subsidiariamente aplicável ao presente caso concreto, devendo ser determinada a audição das testemunhas, nos termos do art.º 56.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto; VII. No acórdão recorrendo foi, em síntese, decidido que o pedido de extradição de AA fosse autorizado, por inexistir qualquer requisito formal e material que obste ao cumprimento do pedido de extradição; VIII. De acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 33.º da Constituição da República Portuguesa “não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física”, mas infelizmente consideramos que ao ser extraditado tal venha a ocorrer, não pela longa manus directa do Estado, mas pelo que ocorre dentro dos estabelecimentos prisionais brasileiros – não só no que concerne à sobrelotação, mas também no que se refere aos castigos corporais sofridos e, em muitos casos, à perda da vida intencional de reclusos, pela mão de outros reclusos; IX. Foi assinada a Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, na Cidade da Praia, em 23 de Novembro de 2005 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 – tendo entrado em vigor em Portugal a 1 de Março de 2010, que nos diz logo no artigo 1.º que impende sobre os Estados Contratantes a obrigação de entregar as pessoas que se encontrem nos respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujojulgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente; X. O artigo 3.º daquela Convenção dita que não haverá extradição nos casos vulgarmente conhecidos como de excepção, o que determina uma recusa definitiva de extradição e no acórdão recorrendo é feita alusão e decisão ao disposto no art.º 4.º, alínea e) daquela Convenção, dado por ser alegado na oposição a questão da revelia – mesmo que não absoluta - vem referido que “a extradição pode ser recusada se a pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente” ; XI. Em parte o Colendo Colectivo de juízes concordou com a defesa no que diz respeito à garantia de um processo justo e equitativo não poder ser expugarda de quaisquer processos de extradição, no entanto não existe coincidência de sentido no que concerne ao facto de a defesa continuar a considerar que não foram respeitadas todas as garantias de defesa do extraditando, pois é inequívoco que da instrução do pedido de extradição se retira que AA teria de ser pessoalmente, ou pelo seu mandatário, intimado pelo STJ Brasileiro no sentido de colmatar a lacuna verificada numa alegada cadeia (in)completa de substabelecimento; XII. Não ficou evidenciado nos autos que a certidão para saneamento de óbices tenha sido regulamente notificada ao requerido, ou ao mandatário subscritor do recurso, o que determinou liminarmente que o recurso fosse rejeitado – para além de o recurso ter sido remetido para o STJ Brasileiro por email, meio considerado como inidóneo para o efeito; XIII. Somos de parecer que o requerido, não teve conhecimento de todas as circunstâncias atinentes à sua condenação, dado que não foi notificado das diversas decisões e resultados das mesmas, nem tampouco dos vícios formais verificados, quer no que concerne à legitimidade do mandato do Advogado subscritor do recurso, quer no que se refere ao meio inidóneo para interposição de recurso perante o STJ Brasileiro, impossibilitando que tivesse acesso a uma defesa condigna; XIV. Quando um condenado/arguido deixa de estar representado por advogado, em qualquer fase do processo, tem de ser informado de tal circunstancialismo, com vista a poder colmatar tais falhas e poderem ser afirmadas (ou não serem negadas) as suas garantias de defesa, embora no caso em apreço tal não tenha sucedido, pelo que, se nos permitem a ousadia, estamos perante uma situação análoga à revelia; XV. Bem sabemos que face ao princípio da legalidade criminal – quer no que concerne à lei de foro substantivo, quer no que concerne à lei de foro adjectivo –a analogia é inadmissível – nomeadamente por questões de reserva de lei -, contudo, estamos perante uma situação que será mais favorável ao agente, logo aplicável; XVI. Acresce ainda que o extraditando em momento algum deu mostras de se ter tentado eximir fosse do que fosse, nomeadamente através da sua apresentação voluntária no SEF para regularizar a situação migratória do seu agregado, só então tendo conhecimento (a 23 de fevereiro de 2023) da existência de uma red notice da Interpol; XVII. Face ao supra exposto, não concordamos – embora ressalvado o devido respeito que é muito - com o entendimento do Tribunal a quo pois continuamos com a convicção de que estamos perante uma situação de recusa facultativa, dado que AA ao não ter acesso a uma notificação que podia perigar a viabilidade da demonstração da sua inocência, viu ser-lhe retirado um momento imprescindível da sua defesa.

XVIII. Ora, sendo obscura a cadeia de acesso à informação que permite a existência de um processo equitativo, revela-se que foram perigadas as suas garantias de defesa, subsumindo-se o entendimento do extraditando a uma situação de revelia, logo, de recusa facultativa de extradição, nos termos da al. e) do art.º 4.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP; XIX. O Tribunal a quo, referiu, e bem, que apenas em casos de recusa de extradição é que seria cogitada a possibilidade de cumprimento de pena em Portugal, não sendo aplicável ao caso em apreço antes de se verificar tal recusa, em virtude de ser um procedimento que cumpre uma metodologia diferente e que, tal como resulta do art.º 95.º, n.º 1, 96.º e 99.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto; XX. Mas de facto é relevante salientar que o requerido pretende cumprir a pena a que foi condenado em Portugal, caso a mesma tenha de facto transitado em julgado, dado que tem a sua esposa em Portugal e já estabeleceu uma vida condigna aqui, podendo retomá-la, uma vez que fosse libertado; XXI. Em suma, considera-se que estamos perante uma situação que em nada vai perigar as nossas relações diplomáticas com a República Federal do Brasil, uma vez recusado o pedido de extradição para pelos motivos supra enunciados – de cariz material e formal –, pelo que deverá AA cumprir a pena em que tiver sido condenado a título definitivo em Portugal e não no Brasil, nos termos conjugados de recusa al. a) do n.º 1 do art.º 6.º al. b) e g) do n.º 1 do art.º 23.º e al. c) do n.º 2 do art.º 44.º; n.º 2 e 3 do art.º 31.º, 95.º, 96.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, só assim se fazendo ao vossa acostumada.» 3.

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