Acórdão nº 9163/20.8T9LSB-B.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução31 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Nos autos n.º 9163/20.8T9LSB-B.L1, a correr termos no Tribunal da Relação de Lisboa, Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, a Autoridade da Concorrência interpôs recurso de fixação de jurisprudência, por considerar que o acórdão ali proferido em 11.01.2023, transitado em julgado, está em contradição com o acórdão (fundamento) proferido em 7.04.2022 no processo n.º 8121/19.0T9LSB-B, transitado em julgado, igualmente da Relação de Lisboa, Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, sobre a mesma questão fundamental de direito e no âmbito da mesma legislação.

  1. Os presentes autos n.º 9163/20.8T9LSB-B.L1-A.S1 revestem a natureza de processo contraordenacional, relacionando-se com matérias respeitantes a atos de busca e apreensão de correio eletrónico levados a cabo pela Autoridade da Concorrência, no âmbito da Lei da Concorrência.

  2. Assim, na sua motivação de recurso a Autoridade da Concorrência (AdC), apresenta as seguintes conclusões (transcrição, sem negritos, nem itálicos): A. A AdC interpõe o presente recurso para fixação de jurisprudência, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 437.º e do n.º 1 do artigo 438.º, ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis por remissão sucessiva do artigo 83.º da Lei da Concorrência e do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (“RGCO”).

    1. Fá-lo em razão da contradição que se verifica, quanto à mesma questão fundamental de Direito, entre o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 8121/19.0T9LSB-B.L2, em 07.04.2022, pela Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa – doravante, Acórdão fundamento -, e o Acórdão proferido pela mesma secção, em 11.01.2023, no âmbito do processo n.º 9163/20.8T9LSB-B.L1- doravante, Acórdão recorrido.

    2. O Acórdão Recorrido não é passível de recurso ordinário, atendendo ao disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP, uma vez que o mesmo não conheceu a final do objeto do processo contraordenacional.

    3. Tanto o Acórdão recorrido como o Acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, isto é, a Lei da Concorrência na sua redação conferida pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio.

    4. Verifica-se o trânsito em julgado quanto a ambos os Acórdãos, tendo o Acórdão fundamento transitado em julgado em momento anterior ao trânsito do Acórdão recorrido.

    5. O processo que deu origem ao Acórdão recorrido teve por objeto a impugnação da validade do ato de apreensão de mensagens de correio eletrónico levado a cabo pela AdC, no quadro de diligências de busca e apreensão realizadas em sede do processo de contraordenação (referência interna PRC/2020/4), entre os dias 4 e 18 de novembro de 2020, a coberto de um mandado emitido pelo MP.

    6. Impugnação esta apresentada pela Vodafone (apesar de não ter sido esta a destinatária das diligências de busca, exame e apreensão), junto do Tribunal de Instrução Criminal ....

    7. Por despacho datado de 17.06.2022, o Tribunal de Instrução Criminal ... declarou-se materialmente incompetente para conhecer e decidir de nulidades arguidas pela Vodafone referentes a diligências de busca e apreensão autorizadas pelo MP e levadas a cabo pela AdC.

      I. Entendimento que secundou o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 07.04.2022, no âmbito do processo de Inquérito n.º 8121/19.0T9LSB – o (aqui) Acórdão fundamento.

    8. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, através do Acórdão Recorrido, revogou o referido despacho, fundamentando a sua decisão no entendimento segundo o qual as nulidades e irregularidades decorrentes das diligências de busca e apreensão determinadas por autoridades judiciárias devem ser arguidas perante tais entidades, no caso, o Juiz de Instrução Criminal, entidade que o Tribunal recorrido entende ser a competente para autorizar a apreensão de correio eletrónico, mesmo em sede processo contraordenacional da concorrência.

    9. Tendo mesmo afirmado que “Por via da tutela e da dignidade constitucional conferida aos direitos, liberdades e garantias conexionadas com a protecção da vida privada, do domicílio, de correspondência ou das telecomunicações, foi atribuída competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma às autoridades judiciárias com competência em matéria criminal para as diligências de busca e apreensão de documentos de visadas no âmbito do NRJC.”.

      L. Tal decisão encontra-se em oposição com o Acórdão fundamento, que teve por objeto a impugnação da validade tanto do mandado emitido pelo MP que autorizara as diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC.

    10. Esta impugnação foi também apresentada junto do Tribunal de Instrução Criminal ..., por uma empresa visada no processo de contraordenação que correu termos na AdC sob a referência interna 2019/4.

    11. No âmbito desse processo, em 24.02.2020, o Juiz de Instrução Criminal, considerando-se competente para tanto, proferiu despacho indeferindo os vícios arguidos pela recorrente, que, inconformada, interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, em 30.06.2020.

    12. Por Acórdão de 07.04.2022 (Acórdão fundamento), a Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que a arguição de nulidade do ato de busca e apreensão emitido pelo MP no âmbito de um processo de natureza contraordenacional em matéria da concorrência, de acordo com os poderes que a LdC lhe atribui, deve ser suscitada perante o próprio MP e dessa decisão caberá recurso hierárquico.

    13. Mais afirmou que: “Uma vez que ao Juiz de Instrução Criminal não está atribuída por lei qualquer competência material para decidir sobre nulidades dos actos de busca e apreensão levados a cabo pela AdC, sob mandado emitido pelo Ministério Público, nos termos da Lei da Concorrência, tendo o Juiz de Instrução Criminal proferido decisão a esse respeito, em vez de se ter declarado incompetente para o efeito, imiscui-se numa área de competência que não é a sua, enfermando a sua decisão de nulidade insanável, enunciada no art. 119.º alínea e) do CPP”.

    14. Verifica-se, deste modo, contradição entre Acórdão recorrido e Acórdão fundamento, porquanto, para o primeiro, as nulidades e irregularidades decorrentes das diligências de busca e apreensão de correio eletrónico devem ser arguidas perante o Juiz de Instrução Criminal – órgão que, segundo assevera, é o competente para a autorização deste tipo de diligência, mesmo em processo contraordenacional da concorrência.

    15. Ao invés, para o Acórdão fundamento...

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