Acórdão nº 747/22.0T9PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO a. No termo do inquérito o Ministério Público considerou não terem sido reunidos indícios suficientes da prática de crimes que haviam sido denunciados contra AA, determinando em conformidade o respetivo arquivamento

Sequentemente a queixosa BB, constitui-se assistente e, nessa qualidade, requereu abertura de instrução, por, ao contrário do decidido pelo Ministério Público, considerar conterem os autos indícios suficientes da prática pelo denunciado, de dois crimes de violência doméstica, previstos no artigo 152.º, § 1.º, als. d) e e) e § 2.º do Código Penal (CP), pretendendo a pronúncia deste pelos referidos crimes

Recebidos os autos no 1.º Juízo (1) de Instrução Criminal de …, o Mm.o Juiz não admitiu a abertura da fase de instrução, por considerar que o requerimento não reunia os requisitos necessários, rejeitando-o por inadmissibilidade legal (falta de objeto – por não conter a «acusação alternativa»), nos termos do artigo 287.º, § 2.º e 3.º CPP

b. Inconformado com tal decisão a assistente interpôs o presente recurso, extraindo-se da respetiva motivação as seguintes conclusões (2) (transcrição): «1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Mm.o Juiz de Instrução que, depois da Recorrente ter requerido a abertura de instrução após (um segundo) arquivamento pelo Ministério Público (o primeiro, apreciado e decidido em sede de intervenção hierárquica, e que ordenou a continuidade e realização das diligências requeridas pela Assistente), o que fez/requereu aquela com a observância dos requisitos previstos nos artigos 287.°, nº 2 e 283.°, n..º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, muito mal andou o despacho recorrido ao concluir e decidir que no requerimento para abertura de instrução da Recorrente não consta uma " ... narração dos elementos objetivos e é insuficiente quanto à dimensão subjetiva do tipo legal de crime em análise" ", e que, por isso, mal, lá acaba por " ... rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, por inadmissibilidade lega!"

  1. Fica a Recorrente sem alcançar por que razão se entendeu ser o seu requerimento de abertura de instrução insuficiente, que o mesmo preenche, sem mácula, as disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, e os factos e o direito da "proclamada acusação alternativa" no essencial até surgem a sublinhado no articulado da Recorrente

  2. Sendo certo que o requerimento para abertura de instrução nem sequer carece de formalidades especiais, o mesmo, para além das razões da discordância, clara e manifestamente, narra os factos perpetrados pelo Arguido/Recorrido de forma livre e intencional sobre os Ofendidos, CC e DD, e subsume esses mesmos factos ao direito aplicável e/ou ao preenchimento dos elementos de punibilidade em relação ao tipo legal a que correspondem os 2 (dois) crimes imputados àquele de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.? 2 do CP (máxime nos arts. 4.°,5.°,7.°,8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°,112.°,113.°,119.°,122.°,123.°,124.°, 125.°, 126.°, 127.° do Rai), sendo também referidas as disposições legais aplicáveis

  3. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente ainda concretiza os factos geradores de responsabilidade criminal do Arguido/Recorrido no tempo (pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Recorrente e o Arguido/Recorrido se separaram - e até à data (de 2022) da apresentação do Rai), no lugar da sua prática (essencialmente no recato do lar do Arguido/Recorrido, mas também em situações em que o mesmo estava sozinho com os Ofendidos), e a possível motivação do Arguido/Recorrido para a sua prática (a difícil aceitação da separação com a Recorrente, e a sua vontade de molestar os Ofendidos para atingir aquela), 5. sendo ainda indicados os atos de instrução que a Recorrente pretenderia que o Mm.o Juiz de Instrução levasse a cabo, mormente, no que aos meios de prova respeita (requerendo-se a inquirição de testemunhas), e bem assim os meios de prova que não foram diligenciados na fase de inquérito (v. g. a audição de uma testemunha requerida, "EE", e que não foi inquirida mesmo após determinação do Superior Hierárquico do Mm.o Magistrado do Ministério Público titular do processo em decisão proferida em sede de intervenção hierárquica que a impunha) e ainda os meios de prova que não foram considerados e/ou que foram insuficientemente valorados (v. g. a não audição da referida testemunha, mas especial e decisivamente o teor das inquirições, coerentes, unânimes e por isso credíveis dos próprios Ofendidos, CC e DD, mas também a prestada pelo do irmão destes, FF)

  4. Entende também a Recorrente que o despacho recorrido viola o disposto no artigo 97.°, n.º 5 do CPP padecendo o mesmo do vício de falta de fundamentação bastante (que é genérico, e não são especificados, em concreto, de forma percetível, quais os reais motivos de facto e de direito que sustentam a decisão), sendo a decisão em causa invalida (cf. art. 123.° do CPP)

  5. Indiciam suficientemente os autos a prática pelo Arguido/ Recorrido de 2 (dois) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.º 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos

  6. E assim é porque o Arguido/Recorrido, em datas não concretamente apuradas, mas nas semanas em que está com os Ofendidos em cumprimento do regime de convivência fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais, pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Recorrente e o Arguido/Recorrido se separaram - e até à data (de 2022) do envio do requerimento de abertura de instrução, no recato do lar do Arguido/Recorrido e/ou em situações em que está(/ava) sozinho com os menores, inflige(/iu) sobre os Ofendidos CC e DD maus tratos físicos e psíquicos, o que fez aquele por diversas vezes, através de palmadas e nomes que lhes chamava, e isso mesmo decorre da inquirição dos menores 9. Tratam de maus tratos físicos e psíquicos frequentemente infligidos pelo Arguido/ Recorrido sobre cada um dos Ofendidos - mais ao Ofendido DD - que são seus descendentes (vd. art 152.°, n. ° 1, al. e) do CP) e pessoas particularmente indefesas em razão da sua idade (vd. art 152.°, n. ° 1, al. d) do CP), com a agravante de que essas ofensas físicas e psíquicas eram perpetradas na presença de menor e na casa comum ou da vitima, o que, pela reiteração, faz com que os Ofendidos fiquem constrangidos, intimidados, com medo do pai (como decorre das suas declarações, e assim também o disse a testemunha FF) e tudo isso afete o normal desenvolvimento da personalidade de cada um deles

  7. Em fase de inquérito, estando o autor material do crime indiciado (de violência doméstica) perfeitamente identificado, decorridas as diligências necessárias que visavam investigar a existência de crime(s) (que apenas se deram, e mesmo aí nem todas, após douta decisão pelo Superior Hierárquico em sede de intervenção hierárquica que a este foi apresentada pela Recorrente), descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação (que foram várias, em especial os depoimentos dos Ofendidos CC e DD, e o prestado pelo irmão destes, FF), viria então o Ministério Público, mas mal, e numa segunda vez, a arquivar de novo o inquérito

  8. Não conformada, a Recorrente viria a requerer a abertura da fase processual de instrução, o que fez por requerimento, e desde logo tratou de arguir a nulidade do despacho de arquivamento, nos termos do artigo 120.°, n.º 2, aI. d) do CPP em razão da insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e/ou ter havido omissão de diligências requeridas e tidas como essenciais pela Recorrente - e, assim se deve entender, também pelo Mm. Procurador da República, que determinou essa mesma re-inquirição - para a descoberta da verdade

  9. Certo é que a Recorrente, a final, no seu pedido expresso formulado no requerimento de abertura de instrução, aí nem sequer peticionou o reconhecimento e declaração dessa nulidade por insuficiência do inquérito

  10. Concatenados todos os elementos de prova constantes dos autos, entendia-se (e entende-se) estarem manifesta e suficientemente indiciados os 2 (dois) crimes imputados ao Arguido/ Recorrido, tendo o requerimento de abertura de instrução da Recorrente sido feito no estrito cumprimento dos requisitos legalmente impostos para a sua apresentação previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, donde, se quisermos também, a "proclamada" falta de acusação alternativa pela Recorrente sempre haverá de improceder, porquanto, os factos e o direito que no essencial a compõem até surgem a sublinhado no articulado da Recorrente

  11. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente, e sendo certo que este nem sequer carece de formalidades especiais, ai se descrevem as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação do Arguido/Recorrido, e que constam, em especial, dos artigos 6.°, 8.°, 10.°, 11.°, 49.°, 68.°,93.°,100.°,101.°,110.°,111.°,113.°, 114.°, 115.°, 117.°, 118.°, 119.°, 120., 128.°, 129.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente (cf. art. 287.°, n.º 2, primeira parte, do CPP)

  12. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente procede à indicação dos atos de instrução que a Recorrente pretenderia que o Mm.o Juiz de Instrução diligenciasse, tendo sido requerida para a fase processual de instrução, a tomada de declarações à Recorrente, e ainda a audição das testemunhas CC e DD (ambos Ofendidos, e testemunhas essencialíssimas), FF (irmão daqueles, e também essencial, desde logo porque tem conhecimento direto de agressões físicas e psíquicas aos Ofendidos), GG, e ao...

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