Acórdão nº 62/18.4T9FAL-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório 1. Nos autos de inquérito com o n.º 62/18.4T9FAL, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de …, na comarca de …, investiga-se a eventual prática de crime de poluição (artigo 279.º do Código Penal), com referência às condições de laboração da instalação fabril da sociedade comercial arguida AA, S.A., em Lugar de …, concelho de …, designadamente no que respeita às respetivas emissões atmosféricas poluentes, resíduos e partículas que, segundo as denúncias, se depositam nas habitações, terrenos, plantas e culturas circundantes, causam mau cheiro, impedem a população de desfrutar do meio ambiente e afetam a sua saúde e bem estar

Nesse âmbito, atenta a especificidade técnica subjacente à matéria sob investigação, o Ministério Público determinou a realização de perícia, tendo para tanto nomeado um perito, na circunstância um técnico da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT)

Notificado o despacho de nomeação aos arguidos, nos termos previstos no artigo 154.º, § 4.º CPP, a sociedade comercial arguida AA, S.A., apresentou requerimento dirigido ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, suscitar a recusa da intervenção do perito nomeado

Sequentemente o Ministério Público remeteu os autos ao Juízo Local de Competência Genérica de …, promovendo o indeferimento do requerido por falta de competência do Juiz de Instrução Criminal e, subsidiariamente, alinhou razões para o indeferimento da recusa invocada

Apresentados os autos ao M.mo Juiz de Instrução Criminal, este considerou não ser competente para apreciar o apresentado requerimento de recusa, devolvendo os autos ao Ministério Público

2. Inconformado com tal decisão a sociedade comercial arguida/impetrante interpôs o presente recurso, extraindo-se da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): «A. O presente recurso versa sobre a decisão proferida em 19.01.2023

  1. Na fase de inquérito, não só a lei impõe que os incidentes de recusa sejam decididos e dirigidos ao tribunal ou ao juiz de instrução, como, na verdade, a decisão que sobre eles recair é definitiva, o que apenas é apreensível e se afigura aceitável caso seja decidido por um Juiz (seja de julgamento, seja de instrução), e não pelo Ministério Público, que, de resto, foi quem nomeou o perito em causa

  2. Só é compreensível que tais incidentes sejam “apreciados e imediata e definitivamente decididos” caso os mesmos sejam sujeitos à tutela jurisdicional

  3. A referência expressa “ao tribunal ou ao juiz de instrução perante os quais correr o processo”, constante do artigo 47.º/2 do CPP, não permite concluir, sem mais, que, na fase de inquérito, correndo o processo termos perante o Ministério Público, se encontra afastada a possibilidade de ser um Juiz a decidir o incidente

  4. Compete ao Juiz de Instrução exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos do artigo 268.º do CPP

  5. Especificamente quanto aos incidentes de recusa da intervenção de perito nomeado na fase de inquérito, estamos perante ato que a lei expressamente prevê que seja praticado por juiz – artigo 47.º, n.º 2, do CPP

  6. É a própria lei que se refere expressa e inequivocamente ao tribunal ou juiz de instrução e não, como seria o caso se o legislador tivesse idêntico entendimento ao plasmado no despacho em crise, a autoridade judiciária – vide artigo 1.º, alínea b), do CPP

  7. A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine que o Juiz de Instrução aprecie e decida do pedido de recusa da intervenção do perito em causa ou, inclusivamente, que tal incidente seja decidido nesta sede

  1. A decisão recorrida violou o estatuído nos artigos 47.º, n.º 2, 153.º, n.º 2, 268.º, n.º 1, alínea f), do CPP

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem revogar o despacho recorrido e, em consequência, determinar que o Juiz de Instrução aprecie e decida do pedido de recusa da intervenção do perito em causa ou, inclusivamente, que tal incidente seja decidido nesta sede.» 3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, concluindo, no essencial, do seguinte modo: «1.º - Os presentes autos encontram-se na fase processual de inquérito, cabendo a sua direção do Ministério Público, nos termos do disposto nos arts. 262º, nº 1 e 263º, nº 1, do Cód. Proc. Penal

  1. - A estrutura acusatória do processo penal, consagrada no art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, impõe uma delimitação de funções entre o Ministério Público, o Juiz de Instrução Criminal e o Juiz de Julgamento

  2. - Na fase de inquérito, o Juiz de Instrução Criminal apenas intervém nos atos que lhe estão legalmente incumbidos, de acordo com o disposto nos arts 268º, nº 1, do Cód. Proc. Penal (atos que lhe compete praticar em exclusividade) e 269º, nº 1, do mesmo código (atos que lhe cabe ordenar ou autorizar)

  3. - Entre esses atos não se integra a decisão acerca do incidente de recusa de perito, em concreto, nos autos, do incidente de recusa de perito suscitado pela sociedade comercial arguida AA, S.A., na sequência da nomeação efetuada pelo Ministério Público

  4. - Embora a redação da norma contida no art. 47º, nº 2, do Cód. Proc. Penal, possa, num primeiro momento, levar o intérprete a atribuir ao Juiz de Instrução Criminal a competência para decidir acerca do incidente de recusa de perito, uma interpretação mais ponderada exclui, em nosso entender, essa conclusão

  5. - Apesar da norma dispor que “a declaração de impedimento e o seu requerimento, bem como o requerimento de recusa e o pedido de escusa, são dirigidos ao tribunal ou ao juiz de instrução”, acrescenta “perante os quais correr o processo em que o incidente se suscitar…” 7.º- Este último segmento da norma, segundo a interpretação por nós defendida, leva a excluir da competência do Juiz de Instrução a decisão acerca de pedido de recusa de perito efetuado em sede de inquérito, eventualmente com a ressalva dos incidentes relativos aos peritos nomeados pelo Juiz de Instrução Criminal ao abrigo do disposto no art. 154º, nº 3, do Cód. Proc. Penal, na medida em que decorrem de ato que lhe está legalmente atribuído ordenar ou autorizar

  6. - Nesta fase processual, o processo não corre perante o Juiz de Instrução, mas sim perante o Ministério Público, titular do processo na fase processual de inquérito, pelo que, em nosso entender, cabe ao Ministério Público e não ao Juiz de Instrução Criminal decidir a questão da recusa do perito

  7. - Embora a norma termine com a expressão “…e são por eles apreciados e imediata e definitivamente decididos, sem submissão a formalismo especial”, tal não leva a alterar a referida interpretação, cabendo a decisão, imediata e definitiva, do incidente ao Ministério Público, ao Juiz de Instrução ou ao Juiz de Julgamento, consoante a fase processual em que o processo se encontra, respetivamente, na fase de inquérito, na fase de instrução ou na fase de julgamento

  8. - Também a norma contida no nº 3 do referido art. 47º do Cód. Proc. Penal, quanto à designação do substituto do perito recusado não afasta a aludia interpretação, na medida em que esta norma surge na sequência da norma do referido nº 2 do preceito legal e, consequentemente...

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