Acórdão nº 090/22.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução24 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo 783/2020-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida A... - SUCURSAL EM PORTUGAL, melhor sinalizada nos autos, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 413/2020-T. CAAD, por a decisão recorrida ter decidido que as correcções efectuadas pela Requerente aos valores de stock no final dos exercícios fiscais cumprem os requisitos essenciais para serem consideradas um custo fiscalmente dedutível, bem como, que a fundamentação da AT da correcção proposta não respeita as normas aplicáveis a ajustamentos feitos por preços de transferência.

Inconformada, a recorrente DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

  1. Entre as doutas decisões em causa, a fundamento e a recorrida, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber se é legal a correção efetuada pela AT face a ajustamentos efetuados em inventários decorrentes de erros/lapsos relativos ao registo contabilístico de mercadorias em trânsito e, da contagem anual de stock, efectuada no final de cada exercício, e tendo em conta os artigos 23º, 26º e 28º do CIRC, bem como o regime dos preços de transferência, foi decidida diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.

  2. Verifica-se a identidade de situações de facto, e tendo presente que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais, porquanto: C) Quer na decisão fundamento quer no Acórdão recorrido constata-se que está em causa a mesma empresa que faz parte do B..., sendo a sucursal em Portugal da A..., com sede na Holanda.

  3. Constata-se, igualmente, que a mesma foi objeto de uma inspeção relativa aos anos de 2014 e 2015 ( decisão recorrida) e anos de 2016 e 2017 (decisão fundamento).

  4. Em ambos as inspeções estiveram em análise os ajustamentos feitos em inventários.

  5. Em ambos os casos subjacentes às decisões, recorrida e fundamento, a AT considerou a mesma fundamentação para efetuar as correções, isto é, que a A... em Portugal tem uma estrutura simples, sendo que a sua actividade decorre essencialmente - conforme referido pelo sujeito passivo - das decisões tomadas a nível central pelo B....

  6. Foi considerado, igualmente, que os gastos relevados decorrentes das regras de preços de transferência não são mais que uma transferência de resultados intra-grupo, sem que o sujeito passivo demonstre de forma inequívoca que os mesmos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, desde logo porque não foi possível com rigor aferir a sua natureza, a que acresce o facto de que não existe suporte documental adequado, nomeadamente nota de débito emitida pelo fornecedor no caso a "casa-mãe".

  7. E isto face ao facto de, em ambos os exercícios em causa, a requerente invocar lapsos/erros contabilísticos decorrentes de divergências entre os valores registados na conta respectiva e os valores apurados na contagem anual de stocks. Erros esses decorrentes de lapsos relativos ao registo contabilístico de mercadorias em trânsito e, da contagem anual de stock, efectuada no final de cada exercício.

  8. Mais, em ambos os processos a requerente sustentava, com base no RIT que a AT baseava as correcções no entendimento de que «os ajustamentos efetuados nas contas objeto de correção pela equipa de inspeção visam a transferência de resultados intra-grupo» e que estavam em causa correções efetuadas com base em preços de transferência.

  9. Não há dúvida, pois, até porque no Acórdão arbitral recorrido esteve em causa a mesma prova, que foi aproveitada, do Proc. 413/2020 (Acórdão fundamento), que o procedimento adoptado pela requerente em todos os exercícios relativamente a erros/lapsos em inventários quanto à contagem dos stocks e mercadorias em trânsito foi semelhante.

  10. E que, ambas as decisões em confronto analisaram o mesmo procedimento por parte da AT, com fundamentação semelhante em ambos os RIT, e a mesma prova produzida em Tribunal.

  11. Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, sendo basicamente as mesmas correções efetuadas com base nos mesmos fundamentos pela AT, apenas divergindo quanto aos anos em causa, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, afrontaram primeiro a questão de saber se a correção tinha sido feita com base no regime dos preços de transferência, em segundo lugar, afrontaram a questão da contabilização como perda dos lapsos relativo ao registo contabilístico de mercadorias em trânsito e dos valores registados de perdas em stock apurados na contagem anual e se os mesmos cumpriam os requisitos legais, designadamente, dos artigos 26º e 28º do CIRC.

  12. Contudo, Acórdão fundamento e Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.

  13. Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão recorrido e do fundamento, não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.

  14. E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma foi entendida e decidida de forma diferente, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

  15. Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152º nº 1 do CPTA e 27º nº 1 al. b) do ETAF.

  16. Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do art. 63º do CIRC, dos artigos 23º, 26º e 28º do CIRC, aos factos.

  17. Tal como foi considerado no Ac. fundamento não foi, pela AT e em sede de procedimento inspetivo, escrutinada a política de preços de transferência adoptada e definida ao nível do grupo.

  18. Efectivamente, a atenção dos SIT incidiu sobre os procedimentos de gestão de inventários, em ordem a apreender os reais motivos que conduziram ao surgimento de perdas tão significativas, só detectadas por contagem física, já que todos os procedimentos e, no fundo, toda a actividade desenvolvida na esfera da Sucursal obedecem às orientações e determinações rígidas impostas pelas sociedades do B..., que inclui a elaboração da contabilidade segundo o referencial dos Estados Unidos (...).

  19. Por isso, ao considerar que a AT deveria seguir os procedimentos relativos aos preços de transferência o Ac. Arbitral recorrido labora num erro, pois, nenhuma conclusão concreta e fundamentadora das correcções promovidas é extraída da política de preços de transferência e da análise do respectivo dossier.

  20. Donde, em primeiro lugar, o ac. recorrido ao ter considerado com base nos mesmos fundamentos em que assenta a correção, espelhados nos RIT quanto aos anos em causa 2014/15 e 2016/17, que existe violação dos artigos 63º do CIRC e, em particular, do cumprimento das condições fixadas no artigo 77º, especialmente no seu nº 3, da LGT, fez uma errada interpretação e aplicação de tais normativos legais não se podendo manter.

  21. Em segundo lugar, considerou também o Ac. recorrido que não existe violação dos artigos 23º, 26º e 28º do CIRC, quanto aos ajustamentos efectuados aos valores de stock no final do exercício de 2014 e 2015.

  22. Ora, nos termos no paragrafo 9.º da NCRF 18 os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável liquido, dos dois o mais baixo.

  23. E, nos termos do paragrafo 34.º, quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido e qualquer ajustamento dos inventários para o valor realizável liquido e todas as perdas de inventários devem ser reconhecidas como um gasto do período em que o ajustamento ou perda ocorra.

  24. Estes critérios de mensuração dos inventários e de reconhecimento dos gastos e perdas, previstos na normalização contabilística, vieram a ser acolhidos no Código do IRC nos artigos 26.º a 28: º. Sendo os mesmos dedutíveis na determinação do lucro tributável, nos termos das alíneas a) e h) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

  25. Ora, como se diz no Ac. recorrido, não se está perante perda por imparidade fiscalmente relevante para efeitos do artigo 28.º do CIRC, pois não se está em situação em que o valor realizável líquido seja inferior ao custo de aquisição (n.º 1 deste artigo).

    Sendo, assim, não se encontra nesta norma contabilística suporte para atribuir relevância como gasto ao ajustamento efectuado pela Requerente baseado no invocado erro do sistema, gerador de inflação do valor dos stocks.

    O mesmo sucede com o artigo 26.º do CIRC que, como se referiu, remete genericamente para as normas contabilísticas e não contém qualquer disposição que atribua relevância fiscal como gastos à correcção de erros do tipo dos referidos pela Requerente.

    A

  26. Donde, a decisão arbitral recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação...

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