Acórdão nº 059/22.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução24 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 158/2021-T no dia 28 de Fevereiro de 2022 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou procedente o pedido arbitral formulado pela requerente, ora recorrida A..., S.A., a qual anulou as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) relativas aos anos de 2017, 2018 e 2020, no valor global de € 1.127.520,21, vem dela interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Supremo Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do nº 2, do artigo 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) por considerar que o referida decisão arbitral colide como acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul lavrado no processo nº 744/11.1BELRA, proferido no dia 27/05/2021 e já transitado em julgado.

II. A Recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 3 a 79 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: A. O Recurso para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litigio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, ii) haja identidade na questão fundamental de direito iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, cuja leitura se remete.

  3. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

  4. Tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento, o ponto, em ambos os acórdãos, é idêntico: a discussão, assente na factualidade, sobre a necessidade emissão de facturas sob a forma legalmente exigida e o cumprimento e preenchimento dos elementos patentes no artigo 36º do CIVA, a fim de que possam servir de base à dedução de IVA suportado pelos sujeitos passivos, nos termos e para os efeitos do artigo 19º do CIVA.

  5. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  6. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  7. Ora, e ao contrário do evocado pelo Tribunal arbitral, o que estava em causa em ambos os processos aferir não era o facto de as operações materiais tributadas em sede de IVA serem ou fraudulentas ou se subsumirem a uma conduta de má-fé do sujeito passivo, mas antes o de aferir se é legitima a exigibilidade do cumprimento dos elementos mínimos referentes as obrigações relativas ao processamento de facturas para efeitos de direito à dedução de IVA, nos termos do artigo 19º e 36º do CIVA, quando o respectivo descritivo não permite, tal como o Tribunal deu como provado no ponto G, da matéria assente, quantificar nem estimar ao certo as operações relativas ao serviço de abate de animais e a aquisição dos respectivos couros, sob pena de esse vicio formal se transformar em substantivo e impedir o exercício à dedução do imposto.

    I. O Tribunal arbitral de cuja decisão se recorre entendeu que a questão decidendas se fixava :« A questão controvertida nos presentes autos é de direito e respeita à possibilidade de dedução de IVA por parte da Requerente relativamente às aquisições de couros realizadas às mesmas entidades que lhe solicitaram serviços de abate de animais (cujos couros foram adquiridos), operações recíprocas e inequivocamente onerosas e, portanto, não segmentáveis apenas para determinados efeitos e não para outros. Tal deve-se ao facto de que, em cada transação, existiu um único documento emitido pela Requerente para titular e identificar o valor de ambas as operações (a prestação de serviços de abate e a venda dos couros) e, sendo estas de montante equivalente, essa compensação resultou em faturas de “valor zero” A divergência assenta na admissibilidade de um único documento poder titular ambas as operações e, nessa sequência, poder servir de base à dedução de imposto pela Requerente, pois, segundo a Requerida na sua Resposta, os requisitos formais estabelecidos no Código do IVA para sustentar essa recuperação de imposto, em particular nos artigos 19.º e 36.º, não admitem tal possibilidade. Ao contrário, a Requerente entende que, não obstante a incorreção formal ocorrida ao nível da emissão dos documentos que titulavam as operações, a mesma não pode ser suficiente para comprometer o exercício do direito à dedução de IVA, preconizando que os preceitos relevantes para este efeito devem ser interpretados de acordo com a jurisprudência emanada do TJUE e de outras instâncias judiciais nacionais e em observância dos respetivos princípios aí consagrados.» J. Julgou aquele Tribunal arbitral de cuja decisão se recorre que: «O facto de ter a Requerente concentrado em si a emissão dos documentos representativos das transações, substituindo-se ao alienante dos couros nessa tarefa, seguindo as práticas e costumes do setor, e resultando desses documentos “faturas de valor zero” (pois compensaram-se os valores identificados para ambas as operações), constituiu uma simplificação não expressamente prevista nas disposições estabelecidas no Código do IVA relativas à emissão de documentos, particularmente nos artigos 19.º e 36.º deste diploma.

    Contudo, tais normas não são alheias a algum nível de simplificação, ou até mesmo a concentração no adquirente das responsabilidades formais atinentes à emissão de documentos representativos de transações, em particular quando o número 11 do artigo 36.º estabelece a possibilidade de as partes numa determinada transação recorrerem ao instituto da autofaturação (em que é o adquirente a emitir os documentos representativos das operações mediante o cumprimento de certas formalidades específicas), quando os pressupostos e circunstâncias do negócio a isso recomendarem.

    Por outro lado, importa referir que, na maior parte das situações em causa no presente processo, foi alegado pela Requerente - e não contestado - que estiveram envolvidos sujeitos passivos de imposto, ainda que ao Tribunal não tenham sido fornecidos elementos por qualquer das Partes que permitissem alguma quantificação exata dessa proporção. Assim, o imposto envolvido nessas operações de valor simétrico, associado aos serviços de abate e à aquisição dos couros, calculado tal como previsto nos citados preceitos do artigo 16.º do Código do IVA, acabaria por não resultar em entrega líquida de IVA ao Estado mesmo que emitidos por cada entidade em documentos autónomos, pois aquilo que uma das partes liquidaria a outra deduziria. Ao contrário, nas situações de contrapartes não sujeitos passivos, simples particulares, já teria ocorrido uma entrega líquida de imposto ao Estado, visto que a Requerente liquidaria o IVA relativo ao serviço de abate prestado, mas este nunca poderia ser compensado com um putativo IVA liquidado pelo particular, o qual, por não ser entidade que desenvolvesse operações económicas com caráter de habitualidade, não teria obrigação nem forma de liquidar imposto. Assim, mesmo admitindo ter ocorrido uma incorreção de natureza formal por parte das entidades envolvidas nas transações em causa, ao concentrar-se de comum acordo na esfera da Requerente o cumprimento da obrigação de emissão da documentação relevante e fazendo esta refletir num único documento ambas as transações (quer o serviço por si prestado, quer a aquisição dos couros), a verdade é que não foi invocada pela Requerida a ocorrência de fraude ou má-fé das Partes na adoção, concretização ou repetição habitual deste procedimento.

    Aliás, o procedimento, apesar da sua imperfeição formal, não constituía propriamente um caso isolado ou de aplicação exclusiva pela Requerente e suas contrapartes, sendo antes - incorretamente - aplicado pela generalidade dos intervenientes neste setor de atividade económica, seguindo uma praxe comercial cujo início no tempo não é possível concretizar, concentrando-se nos matadouros essa obrigação de emissão e simplificação documental, facto não desconhecido pela Requerida.» (…) Não seria assim se existisse fraude ou má-fé das Partes, as quais comprometeriam os alicerces em que se pode fundar um correto e legítimo exercício do direito à dedução.

    De facto, numa situação de fraude, má-fé ou simulação ou adulteração de operações, a proteção que é concedida ao agente económico no sentido da sua desoneração do IVA incorrido cairia pela base, visto que esse putativo agente económico se converteria afinal numa entidade diversa. Já não lhe interessaria a venda de bens ou serviços com caráter de habitualidade, no exercício de uma legítima atividade económica, mas sim defraudar o sistema tributário, equivocar as autoridades tributárias ou mesmo iludir a sua contraparte numa dada operação, não sendo meras coimas suscetíveis de serem suficientes perante uma conduta com essa gravidade.

    Compreende-se bem a opção do TJUE ao excecionar esse caso de fraude, em que lança...

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