Acórdão nº 6761/22.9T8GMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução17 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

No processo comum (tribunal coletivo) nº 6761/22.9T8GMR do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por acórdão proferido em 31.01.2023, decidiu-se realizar cúmulo jurídico entre as penas parcelares aplicadas ao arguido AA, nos processos ali identificados 1089/13...., 839/12...., 438/07.... e 1203/11.... (que constituíam a certidão que deram origem aos autos onde foi realizado o cúmulo jurídico), sendo o mesmo condenado na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.

Inconformado com essa decisão, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos): 1) Estão em concurso 4 conjuntos de factos, para efeitos de operação de cúmulo jurídico, factos compreendidos entre Setembro de 2007 e Maio de 2013.

2) Assim, no caso, sob o ponto A, os factos delituosos tiveram lugar entre os dias 4 e 6 de Setembro do longínquo ano de 2007, há 16 anos e o recorrente foi condenado nas seguintes penas parcelares: i) - 7 anos de prisão e ii) - 7 anos de prisão por dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, nº 2, al. a), 23º , nº 1, nº 2, 73º, nº 1, als. a) e b), 131º, 132º, nº 1, nº 2, als. f) e j), do CP iii) - 9 anos de prisão por um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, nº 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº 2, als. a) e f), do CP, iv) - 2 anos e 6 meses de prisão; v) - 2 anos e 6 meses de prisão; vi) - 2 anos e 6 meses de prisão, por três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 132º, nº 2, al. f), e 146º, nº 1, nº 2, do CP, vii) - 1 ano de prisão por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1 0, al. c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, e viii) - 9 meses por um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. a), e nº3, do CP.

3) O ponto B do acórdão, os crimes cuja prática se mostram em concurso ocorreram em 27 de Dezembro de 2011 e as penas parcelares encontradas neste processo foram as seguintes: i) - 3 anos e 4 meses de prisão por um crime de burla qualificada p. e p. artigo 217º, 218º, nº 1 por referência à alínea a) do artigo 202º todos do Código Penal ii) - 3 anos de prisão por um crime de falsidade de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 al. a), c) e e) e 3 do Código Penal; iii) - 3 anos de prisão por um crime de falsidade de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 al. a) c) e e) e 3 do Código Penal.

4) O ponto C do acórdão dá nota que os factos ocorreram em 25 de Maio de 2013 e as penas parcelares foram assim fixadas: i) - 1 ano e 6 meses de prisão, de um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelos 14º, nº 1, 26º e 158º, nº 1 do CP, ii) - 1 ano e 6 meses de prisão de um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos 14º, nº1, 22º, nº1 e nº2, al. a), 23º, nº 1 e 2, 26º, 73º, nº1, als. a) e b) e 154º do CP.

5) Por fim, o ponto D do acórdão, traz-se à colação factos remontam a 26 de Setembro de 2011, sendo as penas parcelares as seguintes: i) - 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº 1 do CP, ii) - 3 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança, p.p. pelo artigo 205º, n.º 1 e 205º, n.º 4, al. a) do Código Penal.

6) A decisão ora recorrida decidiu o acórdão fixar a pena única de 19 anos e 6 meses de prisão, pena que o recorrente aponta como sendo pena demasiado onerosa.

7) Há assim que fazer uma nova recomposição de penas já que na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas.

8) Portanto, começa-se do princípio, sem a marcante pena de 18 anos que antes trazia e com base na análise dos actos praticados em apenas dois anos (“no espaço temporal de dois anos, um número elevado de crimes”).

9) Quanto ao momento histórico importa notar que temos um conjunto de factos reportados a Setembro de 2007; depois a prática de crimes em 2011 (Setembro e Dezembro) e, por fim, em Maio de 2013 e, depois em 2013, daí até então não pendem quaisquer processos contra o recorrente.

10) No primeiro caso, o notoriamente mais grave, os factos são praticados em co-autoria e atingem bens de natureza eminentemente pessoal; os que se situam em 2011 são de natureza diferente pois que são de natureza patrimonial, com recurso ao crime de falsificação e os situados em 2013, apesar de praticados em co-autoria, encontram uma atenuação pela tentativa no crime de coação.

11) Como quer que seja, merece ponderação o quantum da pena única de 19 anos e 6 meses de prisão, pena que o recorrente aponta como sendo pena demasiado onerosa.

12) Concorreram para a fixação daquela pena uma menção ao que antes fora reconhecido no acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico de penas no processo 1089/13...., por referência a uma tendência criminosa do recorrente.

13) Sem questionar a gravidade dos ilícitos, os factos indiscutivelmente graves ocorreram em Setembro de 2007.

14) Aí, sim, faz sentido a referência à “ousadia criminosa do arguido, revelada na sua atuação, pelo destemor, pela intensidade, reiteração e persistência da vontade criminosa”, apesar de ser notório o descontrolo dos acontecimentos mais graves.

15) Já os crimes em concurso situados em 2011 e em 2013, são de actuação menos violenta ou temerária, sendo que os praticados nestes anos têm na sua base a desorganização pessoal e económica, mormente nos que se relacionam com automóveis.

16) Por isso, importa analisar a invocada “tendência criminosa”, para perceber se não é antes uma pluriocasionalidade.

17) Na verdade, os crimes ocorridos em 2011 ligam-se, ambos, a negócios dentro do ramo automóvel e em 2013, em situação algo distinta, temos de facto um sequestro, mas outro crime, o de coacção sob a forma tentada.

18) Numa situação e noutra o factor económico não esteve alheio, na primeira (2011) são negócios mal resolvidos, mal acabados e mal enquadrados sob o ponto de vista legal, sendo que num redundou em prejuízo pois comprou e pagou um veículo (factos sob B) o recorrente despendeu (mal) 18.000,00 euros).

19) Ora a operação de cúmulo não pode afastar a visão do conjunto, a visão global dos factos e da personalidade e devendo o recorrente cumprir a condenação traduzida numa pena de prisão fixada entre os 9 e os 25 anos, não pode ver hipotecado o seu processo de integração social.

20) As circunstâncias que rodeiam os factos importam e importa também a personalidade; ainda que demostre ser portador de uma personalidade “azougue”, não se pode deixar escapar que os últimos factos pelos quais foi condenado, uns ocorreram há mais de 10 anos e os últimos ocorreram há quase 10 anos.

21) Se, por um lado, existem aspectos desvaliosos, as suas condições de vida atuais, demonstram uma realidade mais favorável.

22) O arguido beneficia de suporte familiar consistente por parte da progenitora e da companheira, o que constitui o baluarte da integração social do recorrente quando, a seu tempo, for restituído à liberdade.

23) Digno de nota é o investimento ocupacional do recorrente.

24) No seu comportamento disciplinar, regista dois “castigos”, por violação das regras intra-muros, uma referência a agressão a recluso e outra por posse de telemóvel.

25) Não sendo tais averbamento disciplinares abonatórios, a posse de telemóvel, nos dias que correm e face à criação e implementação de mais meios de comunicação dos reclusos com o exterior (maioritariamente família e entes próximos), mereceuma ponderação que atente nesta realidade.

26) Naturalmente que ter um telemóvel dentro da cadeia viola uma regra, mas em meio exterior a visão é distinta.

27) Naturalmente que a agressão referida deve ter um peso diferente, mas já não a adjectivação de que se reveste, ante a total falta de prova.

28) Assim, há que lançar mão do artigo 77º, nº 1 e 40º do CP.

29) O recorrente reconhece o valor da análise vertida no acórdão quanto às necessidades criminógenas.

30) Concorda que beneficiaria com a frequência de programas psicoeducativos ministrados em contexto prisional.

31) Problema é que a realidade mostra à saciedade que são esparsos e não acessíveis à grande maioria da população reclusa nacional por grande parte das vezes não estarem criadas as condições não só para a criação de tais programas, como para abarcarem a população reclusa.

32) E é muito por isso que o presente acórdão merece a impugnação que ora se faz em se de recurso, já que não se pode colmatar aquela falha com mais anos de reclusão.

33) Reconhecidamente esta via hipoteca o futuro de vida de um homem em sociedade, o que não é o que se pretende, como é pacificamente defendido.

34) Importa com isso caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, a par da valoração do ilícito global perpetrado, o que vale por dizer que se analise se estamos perante média ou alta gravidade.

35) E aqui, importa que se faça o percurso histórico dos factos até hoje e perceber se o espaçamento de 2007, 2011 e 2013 é um percalço ou se, pelo contrário, é a continuação se uma senda violenta.

36) Claro que a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do autor, mas a invocada “visão unitária do conjunto dos factos” permita aferir que os ilícitos são fruto de circunstâncias que nada têm que ver com a personalidade tendencialmente distorcida e criminosa.

37) Com efeito, os lapsos de tempo em que as condutas se manifestam e a natureza dos crimes é o que nos faz tirar tal conclusão: as últimas condenações em concurso são o resultado de circunstâncias da sua vida desorganizada que o motivaram a fazer dois negócios com carros em 2011e que o impeliram em 2013 com mais duas pessoas a cometer um crime de sequestro e outro de coacção na forma tentada.

38) É...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT