Acórdão nº 333/14.9TELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO BRANQUINHO DIAS
Data da Resolução17 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Por acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01/06/2022, na parte que ora releva, foi decidido não conhecer da arguição da nulidade insanável invocada pelo arguido AA no requerimento que apresentou em 03/02/2022 e julgar improcedente a arguição de outra nulidade insanável invocada pelo mesmo arguido no requerimento apresentado em 21/03/2022.

  1. Inconformado, decidiu o arguido interpor, em 03/07/2022, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a respetiva Motivação da seguinte forma, que passamos a transcrever: 1.

    Desde 23 de Fevereiro de 2016 que o Recorrente sendo inocente vive num verdadeiro pesadelo, sofrimento e percorre um verdadeiro calvário.

  2. Esta, será, porventura, a última oportunidade que o ora Recorrente tem de clamar perante V. Exªs a sua Inocência e, por outro lado, será também, porventura, a última oportunidade que V. Exªs têm de corrigir um erro judiciário.

    1. DA NULIDADE INSANÁVEL ARGUIDA EM 03.02.2022 3. O ora Recorrente tomou conhecimento do requerimento de impedimento / recusa/ afastamento que o seu co-arguido BB apresentara no dia ... .12.2021 sobre a Srª Juíza Desembargadora Relatora, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.

  3. Segundo aquele último requerimento, a Srª Desembargadora Relatora tem re-lações muito próximas, profissionais e de amizade, com o Juiz Sr. Dr. CC, que presidiu ao Coletivo de julgamento dos presentes autos na 1ª instância e com quem trabalhou durante vários anos na 1ª instância, integrando o mesmo Coletivo de julgamentos.

  4. E também existem relações próximas entre a família "DD “com algumas das pessoas envolvidas diretamente nos factos em causa nos presentes autos, que assumem um papel de grande relevância, como sejam o caso do ilustre advogado Sr. Dr. EE, da sua filha Srª. Drª. FF, e do banqueiro Sr. Dr. GG, à data Presidente do ... de Administração do Banco Privado ....

  5. Entendeu-se que essas suspeitas, são extremamente graves e constituem um motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da Srª Juíza Desembargadora e que afetam, inevitavelmente, as garantias de defesa do arguido.

  6. Isto é, foi posta em causa a imparcialidade, independência e isenção na apreciação do recurso.

  7. Uma vez que quando o ora Recorrente teve conhecimento dessas suspeições já se mostravam ultrapassados os prazos previstos no artº 41º e 44º do CPP, já não seria possível requerer o impedimento ou recusa da Srª Juíza Desembargadora Relatora ao abrigo daqueles preceitos.

  8. Este foi também o entendimento do Colendo STJ, que por douto Ac. de 12.01.2022 considerou o requerimento do Dr. BB intempestivo ou extemporâneo, e por essa razão não tomou conhecimento das suspeitas que recaíam e recaem sobre a Srª Desembargadora Relatora.

  9. Sendo assim e ao contrário do que entende o Ac. de que ora se recorre, aquele Ac. do STJ apenas transitou em julgado na parte em que considerou intempestivo / extemporâneo o requerimento do co-arguido Dr. BB para afastamento / impedimento da Srª Juíza Desembargadora Relatora, pois quanto às fortes suspeitas que recaem sobre esta última não tomou conhecimento nem decidiu de mérito.

  10. Temos a certeza absoluta que num Estado de Direito como é o nosso, não é admissível que recaiam fortes suspeitas sobre a imparcialidade de uma juíza que participa num Coletivo, ademais de um tribunal de recurso, e que essa participação, que afeta a nobre função de julgar, não seja susceptível de impugnação.

  11. Estando ultrapassados os prazos para essa impugnação previstos nos artºs 41º e 44º do CPP, como é o caso, entendeu-se que essa situação apenas pode ser enquadrada no disposto no artº 119º, al. a) do CPP: violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal de recurso.

  12. Seria inconcebível que uma situação dessas passasse incólume, não fosse passível de impugnação e, por outro lado, se admitisse qualquer outra consequência para tamanha gravidade que não fosse uma nulidade insanável.

  13. Analisando o elenco de nulidades insanáveis prevista no artº 119º do CPP apenas conseguimos enquadrar a suspeita em apreço na al. a) do referido normativo legal.

  14. Na nossa leitura, “as regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição “, tem um duplo alcance: por um lado, abrangem as normas referentes à distribuição dos processos e à organização interna do tribunal e, por outro lado, exige, obviamente, que o tribunal seja composto por juízes independentes, isentos e imparciais 21. É óbvio que não há nenhuma norma que diga expressamente que os juízes devem ser independentes e imparciais, como parece pretender o tribunal recorrido ao perguntar: qual é a regra preterida ou violada relativa à composição do tribunal? 22.

    A imparcialidade dos juízes é pressuposto da validade do processo.

  15. Este pressuposto, dada a sua importância, tem carácter universal e consta do artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem aplicável “ ex vi “ do artº 8º da CRP : “ Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. “ 24. Por outro lado, este princípio da imparcialidade dos juízes decorre da independência dos tribunais e é assegurada, em concreto, através de um sistema de impedimentos, escusas e recusas que permite afastar de um processo o juiz que, em virtude de certas circunstâncias particulares, possa ver afetada a credibilidade da sua imparcialidade - cfr. artº 203º e 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

  16. Esse sistema de impedimentos, escusas e recusas vem previsto nos artºs 39º a 47º do CPP, e entende-se que quando se verifique uma situação ali prevista, mas o interessado apenas tomou conhecimento ultrapassados os prazos previstos nos citados preceito, esse vício só pode ser subsumível na composição do tribunal porque recai sobre um dos seus elementos essa suspeição.

  17. Por outro lado, é óbvio que admitir-se o absurdo da intervenção de uma Juíza suspeita num Coletivo, estariam a ser também violadas as garantias de defesa do Arguido, ora Recorrente, previstas no artº 32º, nº 1 da CRP.

  18. Demonstrada que está a existência da referida nulidade insanável vamos agora ver o seu regime no qual estamos em total desacordo com o tribunal recorrido.

  19. A nulidade insanável por nós invocada está prevista no artº 119º, al. a) do CPP e não uma das nulidades dependentes de arguição, previstas no artº 120º do CPP.

  20. De tal modo é a sua gravidade que não é passível de arguição; 30. Só as nulidades dependentes de arguição, previstas no artº 120º do CPP, devem ser arguidas no prazo de 10 dias por força do disposto nos artº 105º do CPP “ podendo ainda socorrer-se do disposto no artº 107º-A do CPP “.

  21. Às nulidades insanáveis previstas no artº 119º do CPP, como é o caso, devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento.

  22. Tendo em conta, as razões anteriormente aduzidas, deveria o tribunal recorrido ter conhecido desta nulidade insanável, julgando-a procedente com as consequências legais expressas no nosso requerimento que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

  23. Em consequência, não o tendo feito, como devia, o tribunal recorrido violou os artigos 119º, al. a) e 122º, nº 1 do CPP e, bem assim, o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; artigos 8º, nºs 1 a 3, 18º, nº 1, 203º e 32º, nº 1 da Constituição da República de Angola (CRP); e violou os princípios jurídicos, constitucionais e legais: da imparcialidade, credibilidade e isenção dos juízes, o principio da confiança na justiça e o principio das garantias de defesa do arguido.

  24. Em consequência: - Deverá ser declarado nulo o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.11.2021 nos termos do disposto no artº 122º, nº 1 do CPP; - Deverá ser reconhecida a inconstitucionalidade, decorrente e em correlação com aqueles normativos, por violação das garantias de defesa do arguido - cfr. artº 32º, nº 1 CRP.

    1. DA NULIDADE INSANÁVEL ARGUIDA EM 21.03.2022 35. Neste requerimento arguimos a nulidade insanável do acórdão proferido pelo TRL em 24.11.2021, com base em impedimento previsto na nova redação do art.º 40.º do C.P.P., introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro, que entrou em vigor em 21.03.2022.

  25. Impedimento relativamente à Mma Juiza que integrou o Tribunal Coletivo na 1ª Instância, Sra. Dra. HH por, durante o inquérito, ter participado numa busca a um escritório de uma advogada nos presentes autos.

  26. E, desse modo, a Mmª JIC Lic HH tomou, pelo menos, nesse momento conhecimento das razões de facto e de direito que determinarem essa busca, das pessoas envolvidas, tipificação dos crimes e restante informação, conforme se verificará da leitura: a.- do despacho da JIC assinado pela Mª. Dra. II entregue à buscada, a fls. 388 a 398, 2o Vol, b.- e da promoção do MP a fls. 357 a 384 do 2o Vol, 38. Esta questão já tinha sido suscitada aquando do recurso da decisão da 1ª Instância para o TRL, por se entender ser violadora dos princípios constitucionais da legalidade, das garantias de defesa do arguido e do acusatório plasmados nos artºs 29º, nº 4; 32º, nº 1 e 32º, nº 5 da CRP, respetivamente, tendo o TRL indeferido esse nosso requerimento no seu Ac. de 24.11.2021.

  27. As razões da nossa discordância residiam e residem, fundamentalmente, na violação do princípio do acusatório, das garantias de defesa do arguido e nas garantias de imparcialidade do juiz resultantes da inexistência de qualquer impedimento que possa afetar essa imparcialidade; 40. Como foi o caso de, na altura do julgamento, ser expectável que algum dos juízes já tivesse um pré-juízo sobre o processo resultante de um seu contacto anterior.

  28. O facto de a Mª JIC Lic HH ter participado no inquérito e, posteriormente...

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