Acórdão nº 265/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 265/2023

Processo n.º 258/2023

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. S.A. e recorridos Ministério Público e Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), da sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, em 17 de novembro de 2022, que julgou apenas parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente, condenando-a pela prática de diversas contraordenações previstas na Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, na coima única de € 100.000.

2. Condenada pela Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações, ora recorrida, na coima única de € 153.750 pela prática de diversas contraordenações previstas na Lei n.º 17/2012, a ora recorrente impugnou judicialmente esta decisão junto do Tribunal da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão.

2.1. Por sentença proferida em 17 de novembro de 2022, este Tribunal julgou a impugnação apenas parcialmente procedente, negando provimento ao recurso relativamente à totalidade das questões prévias e nulidades invocadas pela ora recorrente e fixando em € 100.000 a coima única aplicada.

2.2. Desta sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 8 de fevereiro de 2023, o julgou apenas parcialmente procedente, condenando a recorrente na coima única de €57.000.

2.3. A recorrente arguiu a nulidade, por omissão de pronúncia, do referido aresto, incidente que foi desatendido por acórdão prolatado em 10 de março de 2023.

2.4. A recorrente interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 8 de fevereiro de 2023, recurso esse que, tendo dado origem aos presentes autos, foi objeto da Decisão Sumária n.º 177/2023.

2.5. Nesta Decisão, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se: (i) não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência; e (ii) não conhecer do objeto do recurso no segmento remanescente.

2.6. Inconformada, a recorrente reclamou da Decisão Sumária n.º 177/2023 para a Conferência, que a indeferiu através do Acórdão n.º 226/2023.

2.7. A recorrente também interpôs recurso, uma vez mais ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, em 17 de novembro de 2022, recurso esse que foi objeto da Decisão Sumária n.º 222/2023, igualmente proferida nos presentes autos.

2.8. Nesta Decisão, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso.

3. Consta da Decisão Sumária n.º 222/2023 a seguinte fundamentação:

«[…]

3. O presente recurso, que se funda na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem por objeto a «norma que se extrai do disposto nos artigos 74.º e 75.º do RGCO, segundo a qual as questões prévias e nulidades invocadas no recurso de impugnação contraordenacional só podem ser apreciadas em sede de sentença de forma a possibilitar a respetiva sanação», e foi interposto da sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, em 17 de novembro de 2022.

Desta sentença, conforme relatado supra, a ora recorrente começou por recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso apenas parcialmente procedente por acórdão de 8 de fevereiro de 2023, aresto do qual foi igualmente interposto recurso para o Tribunal Constitucional, já apreciado através da Decisão Sumária n.º 177/2023.

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do respetivo n.º 1 apenas cabem de «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência». Para tal efeito, entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, «quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual» (artigo 70.º, n.º 4, da LTC).

Assim, se é interposto recurso ordinário e o mesmo é apreciado, a decisão recorrida já não pode ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo este recair sobre a decisão proferida pelo tribunal superior (v. o Acórdão n.º 621/2008), já que, com o esgotamento dos meios impugnatórios ordinários, ficam naturalmente “consumidas” as decisões precedentes que hajam recaído sobre a matéria apreciada por aquele tribunal (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 115).

Pois bem.

Entende a recorrente que, apesar de assim ser, o recurso de constitucionalidade interposto da sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão deverá ser admitido na medida em que a questão de inconstitucionalidade que integra o respetivo objeto, apesar de ter sido colocada no âmbito do recurso interposto desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, não terá sido apreciada por este Tribunal, nem mesmo no âmbito do incidente pós-decisório deduzido com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia. Daí que, segundo a recorrente, o Tribunal da Relação de Lisboa não haja aplicado, em qualquer um dos dois arestos que proferiu, a norma que integra o objeto do recurso de constitucionalidade, ao contrário da sentença proferida em primeira instância, que a aplicou e se «tornou definitiva, para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional», «com a prolação da decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 10.03.2023, quanto ao requerimento de arguição de nulidade».

O argumento invocado pela recorrente repousa, contudo, num equívoco. Mais concretamente, na incorreta assunção de que a decisão que constitui a última palavra da ordem dos tribunais comuns somente aplica a norma impugnada perante o Tribunal Constitucional nos casos em que o tribunal superior que a proferiu tiver conhecido expressamente da questão de inconstitucionalidade suscitada no recurso ordinário para o mesmo previamente interposto.

Assim não é, todavia.

Ainda que não conheça explicitamente da questão de inconstitucionalidade, o tribunal superior não deixará de aplicar a norma impugnada perante o Tribunal Constitucional se confirmar a decisão para o mesmo recorrida na parte que nessa norma se fundou. Nesta hipótese, a aplicação será implícita, mas em todo o caso efetiva, não podendo afirmar-se, como pretende a aqui recorrente, que se encontra «vedada a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do TRL, em virtude de o mesmo não decidir nem se pronunciar sobre a questão de inconstitucionalidade aqui em causa».

Mas nem sequer foi isso que concretamente se verificou no caso presente.

No acórdão de 10 de março de 2023, que desatendeu a nulidade por omissão de pronúncia imputada ao aresto de 8 de fevereiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa deixou claro que, neste aresto, havia tomado posição sobre a questão da «inconstitucionalidade dos artigos 74.º e 75.º do Regime Geral das Contraordenações», «por apenas permitirem o conhecimento das questões prévias e nulidades invocadas no recurso de impugnação contraordenacional em sede de sentença de forma a possibilitar a respetiva sanação», «afastando-a e fundamentando-a». E que «o que fic[ara] por conhecer» haviam sido apenas «os termos em que a recorrente suscitou a questão», isto é, «os termos dos fundamentos que a recorrente teve para invocar a inconstitucionalidade».

Também por esta razão improcede a argumentação invocada pela recorrente, que intepôs o presente recurso de constitucionalidade da decisão que precedeu a pronúncia do tribunal superior, inobservando com isso o requisito de admissibilidade de acesso ao Tribunal Constitucional fixado pelo no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

Sendo o recurso processualmente inadmissível, justifica-se a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admitiu o recurso não é vinculativo para este Tribunal (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).»

4. Inconformada, a recorrente reclamou desta decisão para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, apresentando para o efeito os seguintes fundamentos:

«A. S.A. ("A." ou "Recorrente"), Recorrente nos autos acima referenciados e aí melhor identificada, tendo sido notificada, através de ofício datado de 05.04.2023, da Decisão Sumária n.º 222/2023, proferida nos termos do disposto no artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro ("LTC") ("Decisão Sumária"), e não se conformando com o teor da mesma, vem, muito respeitosamente, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

VENERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS DA

CONFERÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

* OBJETO DA RECLAMAÇÃO

1. Em 27.03.2023, os A. interpuseram recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 280.º n.º 1...

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