Acórdão nº 266/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 266/2023

Processo n.º 343/2023

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 28 de fevereiro de 2023, que julgou improcedente o recurso interposto pelo ora recorrente, confirmando os despachos prolatados pelo Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em 8 de setembro e 3 de outubro de 2022, que indeferiram prova testemunhal indicada pelo ora recorrente, respetivamente, na contestação e requerida em audiência de julgamento.

2. Através da Decisão Sumária n.º 221/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. O recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que «apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

A referida alínea pressupõe, como condição da admissibilidade da via de recurso aí contemplada, que a decisão recorrida haja feito aplicação, como ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas impugnada(s) pelo recorrente. Trata-se de um pressuposto que decorre do caráter instrumental dos recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade: uma vez que o exercício da jurisdição constitucional não se destina a dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (Acórdão n.º 169/1992). Sempre que a resolução da questão de constitucionalidade for insuscetível de confrontar o tribunal a quo com a necessidade de reformar o sentido do seu julgamento, o conhecimento do objeto do recurso carecerá de utilidade (v. os Acórdãos n.ºs 768/1993, 769/1993, 332/1994, 343/1994, 60/1997, 477/1997, 162/1998, 227/1998, 556/1998 e 692/1999).

Tal pressuposto não pode dar-se por verificado no caso vertente.

4. O presente recurso foi interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 28 de fevereiro de 2023, tendo por objeto a apreciação da constitucionalidade do «art. 7º, nº 4 da Portaria 280/2013 de 26 de agosto, no sentido que as suas regras prevalecem sobre as regras previstas no art. 311º-B do Código de Processo Penal», bem como do «art. 340º do Código de Processo Penal no sentido que deve ser indeferida prova requerida quando as testemunhas já tinham sido anteriormente indicadas, num rol que foi indeferido».

Sucede que tais normas não foram aplicadas no acórdão recorrido, como ratio decidendi.

4.1. Em relação à primeira norma, verifica-se que em segmento algum do acórdão recorrido o artigo 7.º, n.º 4, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, foi aplicado como prevalecendo sobre as regras previstas no artigo 311.º-B do Código de Processo Penal, relativas à apresentação da contestação e rol de testemunhas. O que ali se afirmou foi que a Portaria n.º 280/2013, que regulamenta a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais (artigo 1.º, n.º 1) e cuja disciplina é aplicável aos processos penais nos tribunais de 1.ª instância a partir da receção dos autos em tribunal (artigo 1.º, n.º 2), determina, no n.º 4 do seu artigo 7.º, que, «nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial». E que, «notificado que foi para a observância do formalismo estabelecido, sob a cominação estatuída», o arguido, ora recorrente, «não deu cumprimento, omitindo a indicação da prova que considerava dever ser produzida no campo próprio do formulário e sem apresentar fundamento algum para esta sua inércia». Para além de omitir este dado, que é incindível da norma efetivamente aplicada no acórdão recorrido, como ratio decidendi do juízo de improcedência do recurso, a questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente pressupõe uma relação entre o artigo 7.º, n.º 4, da Portaria n.º 280/2013 e as regras previstas no artigo 311.º-B do Código de Processo Penal que não foi estabelecida, sequer implicitamente, pelo Tribunal a quo. Qualquer indicação de que aquele prevaleceria sobre estas implicaria que o Tribunal a quo tivesse considerado que o artigo 7.º, n.º 4, da Portaria n.º 280/2013 e artigo 311.º-B do Código de Processo Penal não só regulam a mesma matéria, como respondem de forma distinta ao mesmo problema jurídico. Ora, como resulta do acórdão recorrido, nem uma coisa nem outra decorre do entendimento expresso pelo Tribunal a quo ou encontra nele a mínima tradução.

4.2. O mesmo vale, mutatis mutandis, relativamente à segunda norma impugnada.

Como decorre expressamente do acórdão recorrido, o Tribunal a quo não concluiu que o anterior indeferimento do rol de testemunhas impede que as mesmas sejam ouvidas em audiência de julgamento por via do artigo 340.º do Código de Processo Penal. O que afirmou foi que, no caso em concreto, a audição das testemunhas indicadas pelo arguido, ora recorrente, em audiência de julgamento não se afigurava relevante. Foi este o efetivo fundamento utilizado para julgar improcedente o recurso.

Assim, e uma vez que nenhuma das normas indicadas foi efetivamente aplicada no acórdão recorrido, torna-se inútil — e, por isso, processualmente inadmissível — o conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade.

5. Acresce que, nas conclusões que acompanharam o recurso para o Tribunal da Relação de Évora — as quais, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, definem e delimitam o respetivo objeto —, não foi enunciada nenhuma das interpretações que integram o objeto do presente recurso, ou mesmo qualquer outra suscetível de vir a ser sujeita a um controlo normativo de constitucionalidade. Das referidas conclusões resulta apenas a imputação direta da violação da Constituição aos despachos através dos quais o Tribunal de primeira instância indeferiu a prova testemunhal requerida pelo arguido, o que, como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente recordando, não corresponde à suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade normativa (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), única suscetível de constituir objeto de um ulterior recurso de constitucionalidade.

Também deste ponto de vista se justifica, por isso, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admite o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

« […]

a) Sempre com o devido e merecido respeito, permite-se o aqui Reclamante, discordar do entendimento explanado na decisão singular ora em crise.

b)Com efeito, entendeu, julgar sumariamente o presente recurso, e, concluiu, sem mais, “nos termos do disposto no artigo 78.º- A, n.º 1 da LTC, não conhecer do objeto do presente recurso”

c) Desde logo, nos termos do disposto em tal preceito legal só se admite uma tal decisão sumária quando o relator entender que a decisão é simples, designadamente por ter já sido...

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