Acórdão nº 274/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução19 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 274/2023

Processo n.º 227/2023

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, foi apresentada reclamação por A. do despacho proferido por aquele Tribunal, datado de 16 de janeiro de 2023, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos.

2.1. O ora reclamante foi condenado, pelo Juízo Central Criminal de Penafiel, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Inconformado, o arguido (ora recorrente) interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão datado de 14 de abril de 2021, decretou a nulidade parcial da decisão e determinou a reabertura da audiência para cumprimento de formalidade omitida.

Sempre inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu relegar a apreciação do requerimento para momento ulterior.

2.2. Uma vez reformulado o acórdão proferido pela 1.ª instância — que manteve a pena única de 7 anos de prisão —, o arguido recorreu novamente para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão datado de 19 de outubro de 2022, julgou o recurso improcedente.

Novamente inconformado, arguiu o recorrente a nulidade deste acórdão e, simultaneamente, apresentou dois requerimentos de recurso para o Tribunal Constitucional.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 16 de novembro de 2022, foi a reclamação indeferida. Subsequentemente, o Tribunal da Relação do Porto decidiu não admitir os recursos para o Tribunal Constitucional.

Por despacho datado de 15 de dezembro de 2022, apreciando o requerimento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apresentado (v. supra, 2.1.), o Tribunal da Relação do Porto decidiu não admitir o recurso interposto pelo arguido.

3. Notificado do despacho do Supremo Tribunal de Justiça (v. supra, 2.2.), o recorrente apresentou, a 4 de janeiro de 2023, quatro novos requerimentos de interposição de recursos para o Tribunal Constitucional.

3.1. O requerimento de fls. 816-819 tem o seguinte teor:

«A., arguido/recorrente, no processo à margem melhor identificado, não se conformando com o teor do douto acórdão proferido, no dia 19-10-2022, no qual se decidiu não conhecer a inconstitucionalidade invocada pelo arguido, aqui recorrente, relativa ao indeferimento, pelo Tribunal a quo, do seu pedido para ser submetido à realização de uma perícia psiquiátrica, por ter entendido que tal perícia não podia ser realizada, nem se mostrava essencial para a boa decisão da causa, concluindo, assim, com tal entendimento que não se verificava qualquer violação dos princípios constitucionais do direito à defesa e do contraditório, do mesmo vem interpor

Recurso para o Venerando Tribunal Constitucional

ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º l, al. b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional,

o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. O presente recurso tem por objeto o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido no dia 19-10-2022, o qual decidiu não conhecer a inconstitucionalidade invocada pelo arguido, aqui recorrente, relativa ao indeferimento, pelo Tribunal a quo, do seu pedido para ser submetido à realização de uma perícia psiquiátrica, por ter entendido que tal perícia não podia ser realizada, apesar de tal prova se mostrar essencial para a boa decisão da causa.

2. Por sua vez, a decisão de indeferimento de realização da aludida perícia, proferida pelo Tribunal a quo, padece do vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos estatuídos na alínea, a), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, por omissão de realização de uma diligência de prova essencial para a boa decisão da causa, mais precisamente por não ter sido realizada uma perícia psiquiátrica ao arguido/recorrente, a fim de se determinar qual o seu efetivo estado psiquiátrico e mental, aquando da prática dos crimes em que foi condenado nos presentes autos, tendo por referência as patologias psiquiátricas que o mesmo já sofria e que foram agravadas com a rotura da aorta que sofreu em janeiro de 2015.

3. O que constitui uma interpretação claramente violadora do disposto nos artigos 151.º e 410.º, n.º 2, al., a), ambos do Código de Processo Penal, e uma clara violação do direito constitucional à defesa e ao contraditório, previsto no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

4. Para o efeito, nas alegações de Recurso que apresentou, na parte relevante e que interessa para a apreciação da violação dos princípios constitucionais do direito à defesa e do contraditório, o arguido/recorrente invocou, em síntese, o seguinte:

.....

..... "(...)

5. (...) a prova pericial visa a comprovação de determinados factos que

apenas podem ser observados ou compreendidos e valorados cabalmente, em virtude de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, que não é suposto encontrarem-se nos juízes e outros profissionais do foro, conforme decorre do citado artigo 1515 do Código de Processo Penal.

6. Motivo pelo qual, o tribunal não podia ter dado como provados os factos relativos a matérias que exigem os aludidos conhecimentos especiais, mesmo que afirme a convicção de que o facto em causa se encontra suficientemente provado com base noutros elementos probatórios que, por definição, não assegurarão aqueles conhecimentos, in casu com o formalismo que a lei de processo exige no artigo 1512 e sgs. do Código de Processo Penal - (Cf. neste sentido, nota de rodapé do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13.05.2014, in www.dgsi.pt - "os juízes não são cientistas amadores").

7. Assim, quando a matéria de facto dada como provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito, porque o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa, estamos perante o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, previsto na al. a), do n.2 2, do artigo 4102, do Código de Processo Penal.

8. Ora, no caso dos autos, estamos perante a ausência de prova pericial, não tendo qualquer suporte probatório a consideração, pelo tribunal a quo, de que o arguido/recorrente não padece - ou padecia - de qualquer patologia psiquiátrica, antes ou no momento da prática dos factos, com a virtualidade de lhe afetar o raciocínio, o juízo e/ou o seu discernimento nos momentos de tomada de decisões, atentos os motivos que atrás se deixaram expostos.

9. Como defende o Ilustre Prof. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", Vol. Ill, a pag.339/340, nesta matéria:

«(...) é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

10. Assim, para se verificar tal fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão, que deveria ter sido proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

11. E verificando-se a existência daquela lacuna, quanto ao apuramento cabal da matéria de facto, consubstanciada na falta da realização da aludida perícia psiquiátrica, tal configura o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, nomeadamente a constante dos Pontos/articulados com os n.ºs 95) a 100), da matéria de facto dada como provada no acórdão/recorrido, vício que é de conhecimento oficioso - (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/06/2017, Proc. n.º 590/12.5JDLSB.L1-9, in www.dgsi.pt).

12. Pelo que, é assim forçoso conclui que o douto acórdão/recorrido padece do vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos estatuídos na alínea, a), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, por omissão de realização de uma diligência de prova essencial para a boa decisão da causa, mais precisamente por não ter sido realizada uma perícia psiquiátrica ao arguido/recorrente, a fim de se determinar qual o seu efetivo estado psiquiátrico e mental, aquando da prática dos crimes em que foi condenado nos presentes autos, tendo por referência as patologias psiquiátricas que o mesmo já sofria e que foram agravadas com a rotura da aorta que sofreu em Janeiro de 2015.

13. Pelo exposto, a existência de tal vício, torna impossível decidir a causa de forma justa, quer ao nível da prática dos factos, quer ao nível da aplicação da pena, implicando, o mesmo, a nulidade do douto acórdão/recorrido, devendo os autos serem reenviados para a l.ª Instância, a fim de se realizar novo julgamento, após a realização da aludida perícia psiquiátrica, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 151.º, 410.º, n.º 2, al. a), 426.º, n.9 1 e 426.º-A, todos do Código de Processo Penal.

14. Finalmente, caso assim não venha a ser entendido, por esse douto e Venerando Tribunal ad quem, o arguido/recorrente, desde já, invoca para todos os legais efeitos a seguinte inconstitucionalidade:

a interpretação por parte do Tribunal a quo segundo a qual não tem que ordenar a realização da perícia psiquiátrica, atempadamente requerida pelo arguido/recorrente, no decurso dos autos, em sua defesa, com vista a apurar se o mesmo, quando cometeu os factos dados como provados, estava ou não no pleno uso das suas faculdades mentais, atendendo às patologias psiquiátricas de que padecia antes e durante a prática dos factos, as quais foram agravadas com o surgimento de uma doença súbita, in casu a dissecção da aorta que sofreu durante aquele período temporal, constitui uma clara violação dos artigos 151.º e 410.º, n.º 2, al., a), ambos do Código de Processo Penal, e uma clara violação do seu direito constitucional à defesa e ao...

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